quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Lições dos grandes - Haras Guanabara

 


 

O Haras Guanabara, fundado pelo Comendador Gervásio Seabra e seus filhos Roberto e Nelson apresentou sua primeira produção nas pistas em 1945. Apesar do Comendador e do Dr. Nelson serem aficionados do PSI, a direção técnica do Haras Guanabara sempre esteve nas mãos do Dr. Roberto. Eventualmente o Dr. Nelson participava de algumas decisões, sendo que a importação de Monterreal, que defendeu vitoriosamente as sedas do Stud Seabra, foi a principal. 

Monterreal foi pouco aproveitado no Guanabara, após o término de sua campanha retornou ao Uruguai para servir no Haras Atahualpa, ao fim do arrendamento voltou ao Brasil e foi vendido para o Haras São Joaquim no Paraná. Ele deixou apenas uma cria no Haras Guanabara, Bali, tordilha como ele e vencedora dos GP's Oswaldo Aranha e Gervásio Seabra. O nascimento dessa primeira cria tordilha, seguramente não agradou ao Dr. Roberto - ele não gostava de tordilhos - e certamente influenciou na venda do excelente parelheiro Monterreal. Só conhecemos duas outras utilizações de garanhões tordilhos pelo Dr. Roberto, Prosper e o norte-americano Keep The Promise. 

 


Rara foto do Dr. Nelson Seabra recebendo Monterreal após sua vitória no GP América do Sul.

 

O Haras Guanabara revolucionou a criação do PSI no Brasil, adotando o modelo europeu de piquetes com adubação e rotação de pastagens, separou a criação em setores com manejos distintos, construiu uma estação para tratamento de água com controle do oferecimento de cálcio aos animais, rigor na importação de garanhões, admirável seleção das linhas maternas das éguas fundadoras e emprego de mão de obra altamente qualificada. 

Como exemplo de mão de obra categorizada, Dr. Roberto contratou o veterinário mais conceituado em sua época na América do Sul, o chileno Dr. Arturo Anwandter Paz para ser veterinário e manager residente do Guanabara. Nas mãos do dr. Arturo nasceram os animais que responderam pelos "anos dourados" do Haras Guanabara. 

Como curiosidade para os "antigos" , o craque argentino ARTURO A, criado pelo Haras Las Ortigas, deve seu nome  a uma homenagem ao dr. Arturo Anwandter.

Nota: A explicação sobre o nome Arturo A nos foi passada pelo dr. Roberto Seabra, mas o nosso leitor Antonio Vieira apresentou outra versão que faremos constar: 

"Ele foi apresentado em leilão com o nome de Simbal,  foi adquirido graças a insistência do leiloeiro Arturo A. Bullrich e teve seu nome trocado em homenagem a esse."

Um nome, duas histórias. Aos interessados que queiram pesquisar...

 

Dr. Roberto Seabra recebendo a sua campeã Dulce.

 

Após essa introdução passaremos a comentar a filosofia criacional do Dr. Roberto Seabra quanto ao tratamento da genética aplicada no Haras Guanabara. No seu entendimento as condições oferecidas pela propriedade não eram as mais apropriadas em alguns aspectos, e a mais importante era a impossibilidade de oferecer aos animais uma criação mais proxima a natureza, uma criação mais natural. 

Ele considerava que os piquetes, apesar de possuirem tamanhos adequados ao exercício, não eram suficientes para suportar  uma vida dos animais totalmente a campo, ou seja, a área de pastagens não possuia condições para uma lotação e tempo de rodizio que oferecesse adequada capacidade para recuperação das plantas forrageiras que as formavam, mesmo a propriedade tendo a consultoria do emérito professor Jorge Ramos de Otero, o pai da agrostologia no Brasil. Sim, era esse o padrão Guanabara...  Consequentemente havia a necessidade de bastante vida e suplementação na cocheira, para que os piquetes mantivessem sua flora saudável.

Dr. Roberto entendia que esse "artificialismo" tinha que ser compensado pela genética. Para tal adotou a norma de adquirir éguas na Argentina filhas, preferencialmente, de grandes garanhões europeus, que naquela época o dinheiro argentino tinha condições de comprar, e descendentes de famílias maternas já por lá naturalizadas e que apresentavam extraordinário sucesso nas pistas. Ele acreditava que essas éguas criadas livres a pasto e descendentes de sucessivas mães criadas nas mesmas condições trariam esse vigor que sua criação não proporcionava. Outro aspecto considerado como dogma, era a visão VUILLIER - levada a termo até hoje na criação Aga Khan - de não praticar inbreedings até a quarta geração. Fato já mais do que comprovado pela zootecnia quanto a que uma maior heterose possibilita maiores chances de se afastar quaisquer tipo de tara ou fragilidade. Não cabe aqui mérito de classe, o considerado é saúde orgânica.

Alguns defensores radicais da consanguinidade podem inadvertidamente pensar, mas o Dr. Roberto importou Locris, um fortemente consanguineo. Cabe esclarecer que Locris era outbred, sendo que sua mãe Ormara era quem apresentava  fortíssima consanguinidade. 



A criação Seabra produziu dentre importantes provas do turfe: 

- 2 vencedores do GP São Paulo, Dulce e Sing Sing;

- 5 vencedores do GP Cruzeiro do Sul - Derby brasileiro, Martini, Honolulu, Canavial, Escorial e Emerson;

- 1 vencedor do Derby sul-americano, Emerson;

- 1 vencedor do Derby paulista, Emerson;

- 1 vencedor do GP Latino-americano, Duplex;

- 1 vencedor do GP Carlos Pellegrini,  Escorial; 

- 1 vencedor do GP Internacional 25 de Mayo,  Escorial;

- 5 vencedores do GP Diana, Dulce, Emócion (58-59), Embuche e Emerald Hill;

- os grandes corredores clássicos Loretta, Bucarest, Lohengrin, Canaletto, Radar, Empyreu, Endymion, Fairplay, Huxley, Acapulco, Ravel, Snooker, Panchito e mais uma lista infindável de outros campeões.

 

O Haras Guanabara também possuía sociedade na Argentina com o Haras de La Pomme - Roger Guthman - na importação de alguns garanhões. A política adotada era a de importar garanhões já razoavelmente provados e com mais idade. As éguas de um e outro criador se movimentavam entre ambos haras para os serviços

Em sociedade:

- Bala Hissar (1933) importado para o Brasil em 1942 e transferido para a Argentina em 1949;

- Bahram (1932) importado para a Argentina em 1946;

- Foxhunter (1929) importado para a Argentina em 1947;

- Birikil (1936) importado para a Argentina em 1950 e transferido para o Brasil em 1958.

Próprias:

- Hunter's Moon (1926) importado em 1944;

- Felicitation (1930) importado em 1945;

- Orsenigo (1940) importado por arrendamento de 3 anos, 1952,1953 e 1954.

 


Hunter's Moon, gigante genético argentino.

 

O Haras Guanabara importou como garanhões inéditos Royal Forest (1. Coventry Stakes e 4. Derby Stakes), Cobalt (1. Poule d'Essai des Poulains), Nisos (1. Furstenberger Rennen e 4. Washington D.C International), Pintor Lea (3. Florida Derby e 5. Kentucky Derby), Chio (1. St. Leger italiano e 2. Derby italiano) e Locris (1. Prix Jean Prat e 2. Champion Stakes, Prix Jacques Le Marois, Prix Dollar).

Também eram enviadas a Europa éguas para serem servidas em temporada sul-americana por grandes garanhões do momento como Le Haar, Cameronian, Donatello, Goya, Tourbillon, Mieuxcé, Umidwar, Petition, Precipitation, Snob, Sir Cosmo, etc. Além de no Uruguai e Argentina terem sido utilizados Full Sail, Pont L'Éveque, Churrinche, Ruler, Gulf Stream, Phidias, Caboclo, Advocate, etc. 

 

Realmente nada pode ser comparado na história do turfe brasileiro ao que foi a criação Seabra.