quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Reynato Sodré Borges - Última carta



Dr. Reynato Sodré Borges. Foto cedida por José Laudo de Camargo.



Meu Caro amigo,

 

Volto ao assunto garanhões, aproveitando o resultado do GP Brasil 1979, ganho por APORÉ, secundado por SUNSET, que foi o ganhador do ano passado. O vencedor Aporé, realmente bom cavalo, de físico privilegiado, foi bem corrido  e gozou dos benefícios de não ter havido “cheval de jeu” ou “pace-maker” de outra coudelaria, que tivesse pretensões à vitória e assim, pode ele fazer um train de corrida a sua feição. Não, que tenha achado que 49” para os primeiros 800 metros (saindo do parado e quase todo em curva) tenha sido suave. Foi um train de cavalo bom, e, caso ele tivesse baixado para 48 ou 47 ¹/², seria a meu ver um train suicida. Para essa condição, é que se fazia necessário um “cheval de jeu” da coudelaria do Sunset, por exemplo. No entanto, havia no páreo o cavalo argentino Botón, ponteiro no seu estilo de correr, e, correu logo atrás de Aporé, na reta oposta, mas, jamais conseguiu pontear e nos últimos 1.000 metros, seu esforço foi maior ainda, mas, esmoreceu no final. Aporé estava “na ponta dos cascos”, muito bem preparado por Francisco Saraiva, que venceu seu primeiro GP Brasil. É claro que um “cheval de jeu” iria de qualquer modo para a ponta e ou forçaria o ponteiro de tal maneira (quebrando o seu ritmo), que ambos acabariam fora da competição. Juvenal Machado da Silva que também ainda não tinha vencido o GP Brasil, terminou em segundo no ano passado e foi à forra de Sunset, vencendo de ponta a ponta com Aporé, mais uma vitória (a sétima) da família Paula Machado. Uma tática inteligente dos Paula Machado, pois Amazon, ganhador do GP Dezesseis de Julho, era o preferido do jóquei principal da coudelaria, Gabriel Meneses, e os rivais correram por ele. Quando perceberam que o real inimigo era Aporé, que corria disparado na frente, já era tarde. Vitória maiúscula de Aporé pois derrotou entre outros Sunset, Big Lark, Artung, Mauser, Riadhis, Buvant, Topo e Maleval em mais uma vez um fortíssimo campo formado para a prova mais importante de nosso calendário. 

Utilizar táticas específicas para cada corrida é frequente na Europa, pois, o número de cavalos bons, nas grandes coudelarias, não é uma exceção. É muito raro, que prova de grupo em distância clássica (2.400 metros) seja ganha de ponta a ponta. Então, é óbvio, que os “cheval de jeu” são cavalos quase da mesma categoria que o titular. E o nosso turfe tem se beneficiado, comprando esses cavalos. Que aqui produziram bem e foram em campanha, auxiliares de outros da mesma coudelaria, tidos como melhores. Lembro por exemplo: Amphis, que corria para Philius; Cadir, que corria para Arbar; Dernah, que corria para Djedah; Violoncelle, que corria para Ocarina; Tang, que corria para Exbury e outros mais. Não há sentido de “pichação” no epíteto “cheval de jeu”, pois, caso não houvesse um ótimo cavalo que cuidasse dos “interesses do titular”, outro não seria o ganhador e assim, confirmando a alta classe. Violoncelle venceu o Prix de Saint Cloud em tempo magnífico, Cadir o Prix Morny, e Tang o Prix Jean Prat, todas provas de grupo 1...

Estou evitando o termo “faixa”, pois aqui é um auxiliar para prejudicar os outros, que possam ser adversários do “leão” do páreo, seja fechando, seja abrindo na curva, para entrar o titular, e outras “touradas”.

Lembro a você que no Derby francês de 1978, um “cheval de jeu” que ponteava, ao se esgotar, foi mal levantado e deu um tranco em ACAMAS, que praticamente o tirou do páreo, mas, deu margem a sua maravilhosa reação, que a crônica francesa cantou em prosa e verso. No inquérito, a comissão de corridas não deu uma punição violenta ao jóquei por não ter interferido no resultado dos 5 primeiros colocados. Levou 1 mês de suspensão nos hipódromos da região de Paris.

Quero lembrar a você, que  na 4ª carta (abril), estudei a linha materna de African Boy e para satisfação do critério “linha materna” em criação, ele ganhou a nossa tríplice coroa, além de vencedor de vários clássicos, e, quase todos, de ponta a ponta. Apesar da sua bela vitória no GP Cruzeiro do Sul, o Derby brasileiro, houve quem admitisse que African Boy foi corrido como “cheval de jeu” para Aporé, que vinha de boa vitória na Taça de Ouro. Acho possível, esta hipótese, mas, só a direção da coudelaria poderia confirmar ou não, e isso ela nunca fará. E claro, que este segredo será guardado e a meu ver, muito bem guardado (atitude hábil e louvável). Com a vitória no nosso St. Leger, que consagrou African Boy como tríplice coroado, confirmou ser um cavalo excepcional. Corre, fazendo um “train de luxo” (como se diz) e mantém no final uma ação rara de se ver.

Então vamos imaginar a necessidade de escolher um garanhão e selecionamos 3 opções que passaremos a analisar, AFRICAN BOY, APORÉ e SUNSET.

O primeiro é um tríplice-coroado, o segundo venceu o Brasil 79 e a Taça de Ouro e o terceiro ganhou o Brasil 78, em tempo recorde, e recebeu o título de “Rei da Raia Paulista” de 1979, além de ter sido segundo para Aporé no Brasil 79.

Então, meu bom amigo, imagine-se comprador de 1 desses 3 cavalos. Qual escolher?

As campanhas são todas demonstrativas de alta qualidade, e, podemos considera-las como semelhantes. Quanto ao físico, há grandes diferenças. African Boy é um cavalo equilibrado, elegante, cabeça árabe, pescoço de cisne, distingue como diriam os nossos irmãos mais velhos, os gaulêses.  Aporé, já é um cavalo de tipo “rústico”, robusto, poderoso, uma cópia fiel de seu pai EGOISMO, impõe-se pela potência que aparenta. Sunset, também um bonito cavalo, mas bem mais frágil (final da criação em Lorena).

Quanto ao pedigree, só APORÉ tem seu pai nascido no Brasil, que é o excelente já citado Egoismo (ganhador do Derby Paulista e dos Criterium do Rio e de São Paulo), filho do bom cavalo italiano Alberigo, na clássica Urgência, lamentavelmente, por falecer precocemente, deixou só 3 pequenas gerações no Haras Mondesir. Luzón, mãe de Aporé, pertence a linha da ROSE OF ENGLAND, ganhadora do Oaks e de sua filha FAERIE QUEENE vêm My Ladyship, a quarta mãe de Aporé e de Tibetano. Galloway Queen, irmã materna de My Ladyship, com WORDEN produziu Fallow, que importada pelos argentinos, produziu notáveis éguas, entre elas FARM e FIZZ. Concluindo, Aporé tem bom tipo, boa campanha, bom pai e boa linha materna. Tudo o que é necessário para se esperar um garanhão de futuro sucesso.

Agora, vou estudar o SUNSET, pai importado, WALDMEISTER, com vitórias em provas de grupo, em distância de fundo (naturalmente), com linha materna magnífica (TERESINA), e eu o considero garanhão da seleção atual do nosso turfe. Sua mãe, LÁ, é filha da notável NUVEM com MÂT DE COCAGNE. Não preciso lembrar a você, os irmãos de LÁ (TIMÃO, ZUIDO, DIESE, XIMBAÚVA e GAJÃO) e nem o que eles fizeram nas pistas. Esta linha materna também possui LONDRINA (que foi gêmea) e irmã inteira de Nuvem, isto é, KING SALMON e COLITA, que foi ótima égua nas pistas. Então, o Sunset tem bom físico, apesar de um pouco frágil (mas, isto não se transmite, caso a criação seja de bom nível), tem boa campanha e tem ótima linha materna sul-americana.

Agora, passemos ao AFRICAN BOY, que tem bom físico, pai importado FELICIO com vitórias em importantes provas de grupo, de notável linha materna (PRETTY POLLY) e já ocupando lugar na nossa seleção de garanhões. Sua mãe LISELOTTE, ganhadora clássica, tembém pertence a notável linha materna, a da CONCERTINA (St. Simon x Comic Song), que deu GARREN LASS e PLUCKY LIEGE, de onde saiu um elevado número de cavalos e éguas da melhor qualidade: Marguerite de Valois, Admiral Drake, Sir Gallahad, Bois Roussel, Bahram, Dastur, The Phoenix, Sunny Boy, Rajput Princess e sua filha Regal Exception, Manacor, Niloufer etc...

Estou acompanhando seu pasmo, quando diz: e o conselho de não ter garanhão residente e começar comprando cobertura! Certo que sim, e, esta é uma boa conduta, mas, dentro de um certo prazo e diante de fatos que ocorrerão, você vai sentir a necessidade de comprar um garanhão. E assim, aproveitei esta notável ocorrência em setembro de 1979 existirem 3 cavalos em condições de aproveitamento, na criação e, os coloquei como exemplos. É claro, que pediremos novamente influência de “Papai Noel” e com ela, vou me atrever a avalia-los, pois o nosso amado “Noel” o permitiu, achando que eles podem ser postos a venda.

Qual o melhor, pergunto? Difícil responder, pois todos são muito prendados. Parece-me que o mais caro seria AFRICAN BOY, o tríplice coroado, pois como entre os homens, o privilégio é muito ambicionado. E também, que a linha materna dele seja a que mais impressiona e sem dúvida, ela tem e terá sempre valor na Europa. Estimo que ele possa ser vendido por Cr$ 6.000.000,00 (seis milhões de cruzeiros), algo equivalente a U$ 200.000 (duzentos mil dólares).

SUNSET, que gosto muito, eu estimo em Cr$ 3.000.000,00 (três milhões de cruzeiros) e o APORÉ de pai nacional e mãe também nacional, o que também em parte ocorre com Sunset, pois sua mãe LÁ é nacional, cairia para algo como Cr$ 2.000.000,00. E nesses 2 casos, lembro-me do Nelson Rodrigues quando diz: que o subdesenvolvido não tem autoestima...

Já possui o meu bom amigo, nesse lindo sonho, 3 cavalos de ótima categoria, para dentre eles escolher aquele que será o pastor chefe do seu haras. Já terás o box para o garanhão, a maternidade e entre os dois o laboratório e residência de um empregado de categoria. Escolhido pelo gerente. Terá também 2 piquetes, onde ficarão as éguas próximas da cobertura, precedidas ou não da parição.

A condição ideal é não sindicalizar o garanhão. Ele será seu, e, venderá coberturas a quem desejar, exigindo éguas de boa qualidade.

Não suponha que o garanhão tenha obrigatoriamente que cobrir 40 éguas por estação de monta. Esse número, é o máximo que se lhe pode (ou deve) dar em éguas e para tanto, ele dará entre 100 e 140 saltos, em um haras bem orientado (sem cobertura dirigida, pelo palpar retal).

Aproveite a oportunidade, para ir contra o conceito de mais de duas coberturas por dia, o que leva o garanhão a entrar em fadiga sexual no último terço da estação de monta. Isto pode ocorrer (2 saltos diários), mas, não deve ser considerado como atitude rotineira e quando tiver que ser  praticado deverá ser com intervalo mínimo de 6 horas. Observou-se que após a segunda ejaculação, num intervalo mínimo de uma hora, a concentração total de espermatozoides no ejaculado cai em 43% já no terceiro ejaculado.

Durante o período reprodutivo, o garanhão é exigido diariamente, e suas características de comportamento e espermáticas devem corresponder à sua libido e taxa de fertilidade, sendo esta obtida através de exame específico na semana anterior ao início da estação de monta. O volume e a concentração no ejaculado dos garanhões estão diretamente relacionados ao tamanho (massa) testicular, que reflete a dimensão e o comprimento dos túbulos, e consequente eficiência de produção espermática.  Entretanto, a utilização de garanhões submetidos a regime intensivo de ejaculação exige maior controle quanto a sua capacidade reprodutiva e para alguns machos o tempo de reação é muito prolongado, exemplo de TANG (pai do derby-winner ARNALDO) que não apresentava interesse em mais de um serviço por dia.

Não se deve esquecer que o manejo ineficiente das éguas pode vir a ser um importante complicador da taxa de fertilidade.

Voltando a escolha entre os 3 garanhões oferecidos por Papai Noel. Consultado o livro de pedigrees das tuas éguas, você vai se lembrar que possui 3 éguas, filhas de Waldmeister e 3 filhas de Felicio !! E boas éguas, quanto a linha materna e por isso, vai escolher o APORÉ que tem um pedigree aberto para todo o seu plantel.

Procure meu bom amigo, acreditar no bom cavalo nacional, como garanhão. Não pode ser qualquer um, mas, um ganhador de um dos nossos 2 Derbys – Cruzeiro do Sul e Derby Paulista ou de provas de Gr.1. Particularmente considero o nosso Grand Criterium - GP Linneo de Paula Machado, Gr.1, em 2000 metros, como uma prova extremamente seletiva e cujos vencedores devem ser analisados com o mesmo cuidado que se olha os vencedores de nossos derbys. Os vencedores de grupos 1 brasileiros são merecedores de estudos e devem ser aproveitados. Os garanhões que têm sido importados são fracos, e, todos com campanhas locais inferiores aos 3 cavalos já citados e mais as de AGENTE – DAIÃO - TONKA - TIBETANO – TUCUNARÉ - FRIZLI – ARNALDO – LUCARNO - FITZ EMILIUS – EARP – BIG LARK - DARK BROWN e ORPHEUS entre inúmeros outros. E sempre que possível, escolha preferencialmente cavalos ganhadores dos 2.000 aos 2.400 metros.

O que aconselho, é que ao bom cavalo nacional sejam dadas éguas europeias (irlandesas principalmente, pois são as que ainda são de preço acessível) ou argentinas descendentes das famílias maternas elite que se formaram naquele país. É necessário sempre reforçar o plantel nacional, isto é, trazer elementos de origem, para manter o bom status genético de uma raça, que ainda está em evolução.

Você deve sempre tomar minhas posições não como dogmas e sim como pontos de partida para que através de seus estudos possa auferir conhecimentos e daí as avalizar ou mesmo as questionar. Mas, jamais se deixe levar pelo achismo, que é a filosofia que norteia a imensa maioria dos "proprietários de haras" da atualidade, note bem que não escrevi "criadores", esses de fato são raros e sua contagem cabe nos dedos de uma mão. 

Infelizmente grande parte de nossos haras são propriedade de endinheirados ignorantes das questões do PSI que não gostam de ouvir expertos em pedigrees e cruzamentos, treinadores, veterinários, ferrageadores e por consequência, de forma arrogante, sempre acham que sabem o que não sabem.

Fique com essa frase: "o pouco que sabemos só serve para nos dar noção do quanto desconhecemos."

Consequentemente o único caminho a ser trilhado é o do estudo, estudo e mais estudo!


Reynato Sodré Borges

Rio de Janeiro – setembro – 1979.

 


Dr. Reynato veio a falecer em outubro de 1979 e essa a última carta recebida. Além de ser uma das maiores autoridades em PSI que o Brasil já conheceu, foi dos mais conceituados oncologistas de sua época. Cofundador do Centro de Tumores Reynato Sodré Borges, em Blumenau, ainda hoje referência para tratamento da doença em Santa Catarina. 

Gratidão pelo privilégio dos anos usufruídos em sua convivência.


Ricardo Imbassahy






 



 


sábado, 9 de dezembro de 2023

Os "japoneses" - French Deputy

 




French Deputy, 6-4-1-0, nasceu em 1992, criação e propriedade do milionário casal filantropo Marjorie e Irving Cowan. Estreou aos 2 anos em 1200 metros, dirt e venceu por 5 corpos, essa foi sua única apresentação nessa idade.

Aos 3 anos abriu campanha no Santa Anita Park em uma prova de 1300 metros no dirt, venceu por 2 1/2 corpos. Sua terceira apresentação foi em 1600 metros, dirt, Santa Anita Park e venceu por 11 corpos.

French Deputy se lesionou em treinamento e foi obrigado a fazer uma longa pausa, não podendo competir no Kentucky Derby, ao qual havia se credenciado como o mais gabaritado representante da costa oeste. Somente no outono de seu terceiro ano French Deputy pode retornar a atividade, tendo em vista a Breeder's Cup Classic. Foi inscrito no Jerome Handicap (G2, D,1600m) e derrotou por 4 corpos Top Account (G2), Reality Road (G2), Suave Prospect (G3) e Mr. Greeley (G3)

Continuando sua preparação para a BC Classic foi apresentado em um Allowance, 1600m, dirt. Mas seu jóquei perdeu o chicote na entrada da reta e French Deputy acabou obtendo uma segunda colocação, após duro final contra Top Account e Reality Road. Sua última corrida foi na BC Classic (G1, D, 2000m) onde sentiu antiga lesão e entrou descolocado, sendo destinado a reprodução.

Iniciou-se como garanhão na Three Chimneys Farm, Kentucky, e após 4 temporadas de monta foi vendido para o Japão. 

Entre EUA, Japão, Austrália, Argentina e Singapura produziu 32 GSW's e é pai de Kurofune (G1) - JRHA Stallion of Merit, que produziu 25 filhos GSW's e 27 netos GSW's. Kurofune infelizmente não deixou nenhum filho como garanhão, mas, também, repete o êxito de seu pai como avô materno. Neste momento encontra-se na terceira colocação na estatística geral japonesa, também foi 3º colocado em 2019-2020-2021 e 2022, perdendo os dois primeiros postos  ora para King Kamehameha, ora para Sunday Silence ou Deep Impact.


Kurofone


French Deputy manteve sua genética em alta hierarquia por meio de suas filhas e se firmou como um dos mais importantes avôs maternos do turfe japonês, com 40 netos vencedores de GSW's. French Deputy foi 2º colocado na estatísticas gerais japonesas de broodmare sires em 2016-2017-2018 e 3º em 2015. 

É também avô materno de importante sucesso nos EUA e Argentina, tendo além, netos GSW's na Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia. Dentre eles destacamos os vencedores de G1 Hi Happy (Man O'War S-EUA), Undrafted (Diamond Jubilee S-GB), Marche Lorraine (Breeder's Cup-EUA), Majestic Harbor (Gold Cup at Santa Anita S-EUA), Visionaire (King's Bishop S-EUA), Danza (Arkansas Derby-EUA), Hispanidad (Polla de Potrancas-Arg) e Hinz (2000 Guineas-Arg).

French Deputy foi eleito JRHA Stallion of Merit.




Obs.: Fomos alertados por José Laudo de Camargo que French Deputy não serviu em regime de shuttling na Argentina e sim que as éguas eram servidas em temporada sul-americana nos EUA e seguiam para a Argentina. Apesar de nossos estudos serem baseados em recordações do passado e fontes sérias, é perfeitamente natural que aconteça algum equívoco dessas fontes e mesmo alguma falha de memória. Checamos o alerta de Zé Laudo junto ao studbook argentino e confirmamos sua informação, portanto, a bem do correto, foi corrigido o texto original do artigo.















sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Varola - Análise de tendências - 7ª parte





Lydia e Frederico Tesio.




(continuação)


A aplicação dos 50 nomes de garanhões chefes-de-raça às dosagens atualizadas dos animais clássicos perminitiu-nos verificar que, em média, um pedigree contém de 20 a 25 nomes de chefes-de-raça e que a sua distribuição ideal seria um diagrama de tipo 5-5-5-5-5 ou 4-4-4-4-4, indicativo de equilíbrio e de uma pluralidade de influências genéticas no próprio pedigree. Entretanto, este equilíbrio raramente é alcançado na prática e, em certos casos o número de 50 chefes-de-raça escolhidos para a dosagem não é suficiente para fornecer une retrato autêntico do indivíduo examinada, razão pela qual é necessário escolher outros nomes para completar o valor da unidade de medida usada.

Estes nomes acrescentados podem ser obtidas simplesmente juntando-se garanhões mais recentes à lista original, mas, mesmo assim, a dosagem não poderia ser calculada com equidade nos casos em que as fundamentais influências passadas não sejam oportunamente tomadas em consideração; consequentemente, a ampliação da lista deverá ser obtida em duas partes uma que compreenderá garanhões do passado que, por razões diversas, não foram integrados à lista original e outra que compreendera garanhões recentes ou, pelo menos, nascidos depois de 1940. O primeiro grupo em acréscimo compreenderá vinte e cinco nomes, dez dos quais serão dos assim chamados "pais de reprodutoras", um tipo que não foi considerado na lista original. O segundo grupo em acréscimo compreenderá também vinte e cinco nomes. Os acréscimos compreenderão, portanto, um total de cinquenta nomes que, adicionados aos  cinquenta chefes-de-raça originais, formarão um total geral de exatamente cem nomes, um limite além do qual a pesquisa se tornaria demasiadamente complexa. Por outro lado, o  desenvolvimento quantitativo das corridas e da criação no mundo, nos últimas vinte anos, foi de tal vulto que mesmo cinquenta nomes a acrescentar não serão muito difíceis de ser encontrados, porquanto devem abranger, com as devidas proporções, todos os países em que a criação foi suficientemente desenvolvida, de forma que a dosagem possa ser estudada sobre os pedigrees de qualquer proveniência. Quanto mais se amplia o campo da pesquisa » mais se encontram garanhões com credenciais quase idênticas. Minhas escolhas obedecem, por essa razão, e em vários casos, as diveras alternativas disponíveis.

Para exemplificar o problema de calcular a dosagem dos pedigrees com equidade, tomemos ao acaso Armistice, 1959, vencedor do Grand Príx de Paris. Ele tem quatro correntes de Phalaris, urna das quais através de Fairway, totalizando assim cinco pontos na seção brilhante, enquanto as presenÇas de outros chefes-de-raça são 14 (Rabelais, Blandford, Swynford, Solario, Gainborough, Bayardo 2x, Teddy, Son-in-Law, Dark Ronald, La Farina, Chaucer 2x e Sunstar) com um índice de consistência de 14.5 = 2,8, que parece insuficiente para caracterizar seu tipo. Porém, se concedêssemos pontos ulteriores a seu pai Worden, a seu avô WiId Risk, a seu avô materno Vandale e entre seus outros antecessores, a Bruleur e Sardanapale, todos nomes muito importantes, alcançaríamos urna proporção de 5 a 19, com um índice de consistência de 3,8, que estaria evidentemente mais próximo da realidade.

Este ajuste do índice por meio do uso de nomes adicionais torna-se necessário também a todos os pedigrees que contêm o nome de Tourbillon. Este é o único garanhão de sua linha compreendido entre os 50 garanhões chefes-de-raça originais, enquanto as outras linhas contam com três ou quatro nomes consecutivos (ex.: Phalaris Pharos - Nearco - Nasrullah, ou Swynford - Blandford - Bienheim),com o resultado de que pedigrees fortemente baseados em Tourbillon, que são encontrados com frequência, especialmente na França, não são facilmente interpretáveis em termos de dosagem, porquanto o próprio Tourbillon compreende o nome de um único outro reprodutor da série original (Rabelais) em seu pedigree razão pela qual um cavalo inbreed sobre Tourbillon possui apenas quatro nomes elegíveis, que não são suficientes para caracterizar um inbreeding deste tipo.

Esta estirpe não é somente básica da criação francesa, mas adquiriu prestígio mundial, razão pela qual será preciso encontrar nomes adicionais para individualizá-la claramente. Um destes nomes será, naturalmente, Djebel, que em termos genealógicos é o mais importante e o mais geograficamente difundido de todos os filhos de Tourbillon, um outro nome nome deverá ser escolhido entre o pai de Tourbillon, Ksar, e o avô, Bruleur. Não só Bruleur compreende uma porção mais ampla de população equina do que Ksar, mas é também o mais importante dos dois em termos absolutos; com  efeito, pode-se afirmar que Bruleur seria, históricamente, um reprodutor importante, ainda que Ksar jamais tivesse existido, enquanto é improvável que Ksar fosse hoje um elemento importante não fosse por Tourbilion. Existe porém uma marcante diferença entre Bruleur, Tourbillon e DjebeI: o primeiro pode ser considerado um fator de reforço no        pedigree, e, portanto, deverá ser classificado entre os robustos, enquanto Tourbillon pertence ao grupo clássico e Djebel, por sua vez, deverá ser colocado no grupo dos intermediários, embora também fosse apropriada sua classificação entre os brilhantes.

Traduzindo em termos práticos o que foi dito acima, o pedigree do garanhão Hugh Lupus teria, com a lista restrita, apenas seis nomes elegíveis (Tourbilion 2x, Rabelais 2x, Bayardo, Teddy), enquanto uma lista ampliada eleva estes nomes a 10 (mais Bruleur 2x e Djebel), fornecendo assim um quadro mais completo e especialmente util quando se compara a dosagem da reprodutora a ser enviada à cobertura com o garanhão.

Ajustes análogos serão necessários no que diz respeito aos vários ramos de St. Simon, que voltaram ao auge nos últimos anos. Só o de Chaucer estava bem representado na lista original, com o próprio Chaucer, Vatout e Bois Roussel e, no máximo, poder-se-á acrescentar Vatellor, cuja inclusão, aliás, me foi solicitada por vários correspondentes, mas é importante reexaminar os três ramos de Rabelais, Persimmon e Florizel lI.

Rabelais é também representado por Havresac II, mas a extraordinária sequência que tem origem neste ultimo dá motivo a que não se possa ignorar Tenerani e Ribot, e também Traghetto, que foi o mais importante expoente de Cavaliere d'Arpino na raça. Além disso, o ramo de Rabelais para Rialto também deve ser considerado por mérito de Wild Risk e Worden. A linhagem de Persimmon, era representada na origem por Prince Rose, mas os descendentes de Prince Rose estabeleceram um domínio clássico tão forte nos últimos anos que deverão ser incluídos na lista e é difícil escolher entre Prince Chevalier, Prince Bio, Sicambre e Princequillo, que possuem credenciais impressionantes na Inglaterra, França, Estados Unidos e alhures.

A linha de FlorizeI II só é importante em função de Massine e de seu filho Mieuxcé, mas em um panorama global de 100 garanhões nem um nem outro pode ser ignorado. Massine é um poderoso fator de robustez na criação francesa, enquanto Mieuxcé alcançou uma posiçao de proeminência através de suas filhas. Surge aqui o problema dos "pais de reprodutoras", que não foram considerados na lista original. Garanhões como Bachelor's Double e Clarissimus adquiriram fama eterna exclusivamente através do êxito de suas filhas e é extraordinário que suas influências positivas nos pedigrees sejam ainda sentidas, porquanto remontam, respectivamente, a cerca de sessenta e cinquenta anos atrás. Entretanto, no pedigree do "derby-winner" italiano Braccio da Montone o nome de Clarissimus surge, não além da terceira geração, como pai da avó do vencedor Bayuk. Na América do Norte há vários nomes de pais de reprodutoras a serem considerados seriamente, dos quais os mais ilustres são Sir Gallahad III, War Admiral e Mahmoud.

Além disso, não se pode desprezar Navarro, que, como pai de reprodutoras, só cede o primeiro lugar a Ortello no turfe italiano contemporâneo a talvez como índice qualitativo é mesmo superior ao próprio Ortello. Com exceção de Bachelor's Double, que eu colocaria no grupo dos robustos, sou levado a classificar todos os outros no grupo clássico, pela absoluta excelência de sua contribuição genealógica.

Incidentalmente, apresentam-se duas interessantes observações. Uma é que os garanhões norte-americanos, que muito raramente são elegíveis para o grupo clássico como pais de vencedores, são, ao contrário, representados "ad abundantiam" no mesmo grupo clássico como pais de reprodutoras. Esta com efeito, é uma das peculiaridades das estatísticas norte-americanas. Sua lista de pais de vencedores lamentavelmente é condicionada a distância média de suas corridas, mais a lista de pais de reprodutoras da lugar nas primeiras posições apenas aos cavalos de primeirissimo plano e de indubitável qualidade clássica. A segunda observação é que, ao contrário, os garanhões francêses, que se  sobressaíram como pais de grandes vencedores nestes ultimos anos, não parecem contar com nenhum expoente importante entre os pais de reprodutoras, com exceção de Sardanapale e Massine, que, porém, pertencem ao passado, e de Mieuxcé, que, todavia emergiu nesta especialidade na  Inglaterra. lsto não implica em que sejam menos eficientes do que outros neste setor particular, mas antes que seu êxito como pais de vencedores foi de tal forma grande que não têm necessidade de ser qualificados especificamente como pais de reprodutoras.

O setor pais de reprodutoras não estaria completo sem Foxbridge, fator básico do desenvolvimento na criação da Austrália e da Nova Zelândia, cuja presença permitirá uma leitura mais cuidadosa dos pedigrees daquela parte do mundo. Da mesma forma, o já lembrado Sardanapale deverá ser incluído em consequência de sua presença intensiva e constante nos pedigrees clássicos, não obstante o transcurso de mais de cinquenta aros de seu nascimento. SardanapaIe pertence a uma linha excêntrica, que de outra forma não seria representada na lista, e seu único produto de grande valor  nas pistas foi Apelle, que, por sua vez, se tornou um nome obrigatório através de Tofanella e dos descendentes desta, Tenerani e Ribot. A influência de Apelle, que foi considerado um cavalo de grande robustez, capaz de suportar qualquer "training", é nitidamente perceptível na síndroma de seus      descendentes, através das grandes reprodutoras Tofanella, Tokamura e Trevisane, mas, além disso, Sardanapale aparece frequentemcnte nas seções inferiores dos pedligrees franceses.

Entre os cavalos do passado que conferem mérito particular a um pedigree e que agora devo levar em conta afim de preencher as lacunas da seleção original, já mencionei Djebel e Bruleur e agora devo examinar Sir Cosmo, Colorado, Equipoise e Man O'War, todos nascidos antes de 1930. Sir Cosmo demonstrou saber exercer uma influência muito mais profunda do que se poderia deduzir de sua sindroma exclusivamente brilhante e aparece frequentemente na seção inferior de muitos indivíduos importantes recentes, sem contar que é avô materno do ex-campeão mundial de somas ganhas, Round Table, por sua vez reprodutor de futuro. Além disso, vale para Sir Cosmo, ao contrario, o que foi dito a respeito de Tourbillon e Bruleur no caso de Armistice, ou seja, quando examinamos um pedigree de um velocista inglês desta linha dispomos apenas do nome de Panorama como contribuição para um índice de consistência realístico, mas o acréscimo de Sir Cosmo no setor brilhante permite naturalmente uma avaliação melhor. Pode-se, portanto, afirmar  que em um pedigree tendencialmente de velocidade pura, a presença de Sir Cosmo equilibra a dosagem, enquanto em um pedigree tendencialmente clássico ou robusto, sua presença fornece aquela pitada de brio que é sempre indispensável e desejável.

Colorado foi rapidamente esquecido em sua época porque não chegou sequer a completar sua segunda temporada de monta; entretanto, nenhum reprodutor jamais foi capaz de gerar tantos cavalas qualitativos e importantes em um período de tempo tão restrito. Todos os seus filhos e filhas voltaram agora ao cenário, especialmente nas seções inferiores dos pedigrees ingleses, com possibilidades de ulterior  desenvolvimento em vários países europeus e americanos. Quanto a Man O'War, ele se tornou em fator por assim dizer obrigatório nos pedigrees dos Estudos Unidos e nem deveria ser preciso comentá-lo, mas poder-se-ia objetar que sua linha já é suficientemente representada por seu pai Fair Play, membro do grupo originário, e por seu melhor filho, War Admiral, ora eleito entre os pais de reprodutoras. Porém, a importancia desta linha cresce com os anos em lugar de diminuir, razão pela qual creio que a inclusão dos três nomes é justa. Entre os produtos importantes nascidos depois de 1930 e antes de 1940, merecem menção especial Brantôme e Bahram, ambos filhos de Blandford e cavalos de corrida de primeiríssima ordem. Sua avaliação exata foi impossível antes de agora, porquanto Bahram funcionou em vários países com sucessos alternados e Brantôme também foi transferido durante a guerra, razão pela qual não se lhe deu grande    importancia até uma época muito recente, havendo aliás a tendência de considerá-los genealogicamente modestos, mas com o passar dos anos a situação modificou-se completamente. Aprecia-se hoje em seu justo valor o trio deixado por Bahram na Europa: Persian Gulf, Turkhan e Big Game, para não falar em outros bons elementos além-mar, enquanto Brantôme, além do êxito de suas filhas na reprodução reprodutoras, estabeleceu através de Vieux Manoir uma fonte aparentemente inesgotável de vencedores clássicos.

Acrescentando aos nomes propostas o anglo-americano  Heliópolis e o anglo-argentino British Empire no setor          brilhante, o anglo-argentino Full Sail e os norte-americanos Eight Thirty e Roman no setor intermediário e o norte-americano Alibhai no setor clássico, temos os 25 nomes adicionais do passado que nos seriam uteis. Futuramente, será útil ver quais poderiam ser os 25 nomes recentes. ou sejam, nascidos depois de 1940, necessários para completar a lista final dos cem garanhões mais importantes do século.


                                           Fim


Franco Varola


Tradução: Ricardo Imbassahy