terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Sunday Silence, o "pato feio".




Alguns cavalos têm um talento especial para se tornarem populares, outros não. Isso geralmente ocorre devido a pequenos detalhes, suficientes para mudar seu destino. Sunday Silence foi um dos cavalos mais odiados pelos norte-americanos e o garanhão mais amado do povo japonês.

Sunday Silence nasceu em 25 de março de 1986 no Kentucky (EUA). Um potro ostentando uma linda pelagem preta, mas com um modelo leve e angulado, e uma marcha errática tornada irregular por joelhos não muito corretos e pés particularmente sensíveis. Ele foi apelidado de patinho feio, um sinal de uma emergente impopularidade...

Além disso, Sunday Silence sobreviveu milagrosamente a um vírus maligno quando era potro, o que fez seu criador Arthur B. Hancock , decidir colocá-lo à venda logo após seu desmame, quando não encontrou comprador. Aos 2 anos subiu para as vendas na Califórnia, onde foi oferecido por apenas US$ 50.000 e também não despertou qualquer interesse junto aos compradores. Tendo que voltar para o haras, Sunday Silence foi carregado em uma van que capotou na estrada alguns quilômetros depois, quando o motorista que a dirigia sofreu um ataque cardíaco. Gravemente ferido, Sunday Silence ficou na semana seguinte em uma clínica veterinária. Um cavalo que já estava vivenciando a terrível combinação de uma má sorte com clara impopularidade!

Forçado a explorar seu potro em competição, Arthur Hancock enviou Sunday Silence a Charles Whittingham, que comprou metade dele. Boa escolha, porque este cavalo com uma ação muito fluida combinada com uma vontade irresistível de vencer se tornou o herói da temporada clássica de 1989. Sunday Silence enfrentou quatro vezes o campeão 2 anos Easy Goer naquele ano, para vencê-lo em três etapas: a primeira no Kentucky Derby (Gr.1), em sua edição mais lenta em mais de trinta anos devido ao terreno encharcado; depois, no Preakness Stakes. (Gr.1), que ele correu mesmo tendo sentido em treinamento o joelho quatro dias antes da corrida, mas venceu por focinho após uma luta épica; e, finalmente, no Breeders 'Cup Classic (Gr.1), montado em cima da hora por Chris McCarron para substituir seu jóquei habitual Pat Valenzuela (suspenso pelo uso de cocaína), e mesmo assim  manteve seu nome no mais alto patamar da idade.

Esses três feitos em corridas lhe rendeu o título de Cavalo do Ano e, é claro, uma crescente impopularidade por ter frequentemente esmagado Easy Goer, o ídolo do público. Foi então que o criador japonês Zenya Yoshida decidiu adquirir 25% do cavalo, a fim de obter um lucro substancial em sua sindicalização futura. Um investimento financeiro simples (US$ 2.500.000), que teve uma reviravolta inesperada: primeiro porque a carreira do Sunday Silence terminou no início dos seus quatro anos, quando sofreu ruptura de um ligamento e depois porque a sindicalização não conseguiu avançar, por falta de investidores interessados ​​neste patinho feio ...

De fato, o pedigree de Sunday Silence dificilmente defendia sua popularidade. Sua mãe, Wishing Well, foi uma vencedora de Gr.2, mas, de longe, o melhor produto do medíocre Understanding, e sua família materna também não havia produzido nada notável por várias gerações. Também nada melhorava essa percepção pelo lado de seu pai, Halo, para o qual havia um certo mal estar por ter tido uma infrutífera carreira de dois anos no dirt. Independente de ter sido aos 3 anos, na grama, o melhor indivíduo de sua geração. E por ser um cavalo com temperamento extremamente violento e perigoso, criou uma péssima reputação pelo uso constante de focinheira no paddock e mesmo posteriormente quando garanhão no piquete, além de ter o hábito de quando potro abandonar os exercícios e fugir. Uma brutalidade e agressividade que ele infelizmente legou a Sunday Silence.

Conhecendo pesados ​​problemas de caixa, Arthur Hancock não teve dificuldade em convencer seus associados a aceitar a oferta generosa de Zenya Yoshida: um cheque de US$ 7,5 milhões foi suficiente para garantir ao grande criador japonês a propriedade total do cavalo, que foi imediatamente enviado para Shadai Farm. Com um recorde de 9 vitórias e 5 segundos lugares em 14 partidas, com US$ 5.000.000 em ganhos, Sunday Silence chegou a Hokkaido em 1991 para suceder o chef-de-race Northern Taste, até então, o maior garanhão de todos os tempos no Japão. Abundantemente cruzado com as filhas deste último, o recém-chegado quebrou todos os recordes de seu antecessor: líder de garanhões de primeira produção, por 10 vezes líder de pais de 2 anos, líder de pais de vencedores de 1995 a 2008, líder avô materno, e até várias vezes líder como pai de saltadores !!!

Atualmente é quase impossível haver uma prova de grupo japonesa  sem um trio formado por seus descendentes. A linha masculina que montou, hoje efetivamente transmitida, em forma principal, por seu filho Deep Impact, não deixará de aumentar sua influência internacional. Através dos filhos de Deep Impact: Saxon Warrior, Study Of Man, Akihiro, Martinborough, Danon Platina, Mikki Isle, Hiraboku Deep, Geniale, Takuendo, etc , na reprodução. 



Deep Impact.


Sunday Silence desapareceu prematuramente aos 16 anos, sofrendo de uma laminite que exigiu três cirurgias, mas que infelizmente seu coração não suportou. Luto nacional no Japão, por um cavalo que elevara o país do sol nascente ao nível das maiores nações turfísticas do planeta, e sempre estará lá.


Thierry Grandsir - DNA Pedigree.
Tradução do francês: Ricardo Imbassahy










terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Vuillier - 2a. parte



Zarkava, vencedora do Arco do Triunfo 2008 entre outras importantes provas, é um exemplo de um produto do sistema de dosagens Vuillier, usado pelo programa da criação Aga Khan.


Recebemos e-mails procurando obter maiores informações sobre a metodologia Vuillier, para que  fosse possível uma maior compreensão da mesma, e consequente utilização privada de quem se interessou.

Dentre as inúmeras teorias existentes, nos sentimos obrigados a defender a Tipologia Funcional do dr. Francesco Varola. Fomos seu discípulo quando o mesmo residiu no Rio de Janeiro na década de 70. Convivemos com as suas idéias e vimos o amadurecimento de sua teoria. O pensamento de Varola era de que o seu método servia como uma espécie  de radiografia do pedigree quanto a funcionalidade do produto a ser obtido, ou seja, dentro de que características funcionais - distância - aquele indivíduo teria maior possibilidade de melhor render e a que nível de classicismo poderia se aspirar com aquele cruzamento. Tudo considerando a transmissão de seus ancestrais. De fato, na imensa maioria dos casos, o método de Varola confirma a sua exatidão. 

Modernamente também é bastante interessante o sistema australiano de Werk que possui seus Quality Chefs e através de ratings próprios - que também utilizamos como uma das ferramentas em nossos estudos de cruzamentos -  consegue com essa metodologia alcançar expressivo índice de sucesso.

Retornando a Vuillier, o Aga Khan III ficou tão impressionado com seu trabalho em "Les Croisements Rationnels dans la Race Pure" que o contratou como seu consultor particular em pedigrees e Vuillier deixou de atualizar seu trabalho de forma pública. 

É justo dizer que o sistema produzido por Vuillier foi o que maior êxito obteve em termos práticos dentre todos os métodos conhecidos, pois foi determinante no sucesso e influência da criação do Aga Khan III , que se tornou o mais importante criador de sua época. Vuillier encontra-se em prática até hoje, como uma das principais ferramentas de estudo genealógico utilizadas pela criação Aga Khan e por outros grandes haras da atualidade. O assunto é tratado no esquecimento, por ser quase que como algo a ser preservado de uma maior divulgação. 


Graças a publicação de sua obra o sistema de Vuillier é de domínio público, e como citamos em nossa publicação anterior, cabe ao discernimento de cada hipólogo, a montagem da estrutura para se construir a atualização do mesmo,  e daí poder ser utilizado modernamente. 

Aconselhamos a nossos leitores, interessados no tema, que o ideal é incorporar a Vuillier todo o conhecimento adquirido de Varola e Roman, que é o que os profissionais envolvidos em planejamento de cruzamentos fazem. Na prática a utilização de Vuillier está mais afeita a hipólogos, mas, como esse é um blog com fins didáticos e um de nossos objetivos é procurar ajudar na qualidade dos cruzamentos praticados no Brasil, anexamos  tabela com dosagens  modernas já amplamente conhecidas, que ajudarão a nossos leitores imergir no universo que é compreender Vuillier.






















sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Teoria de Dosagens Racionais - VUILLIER




O eixo da "Teoria das Dosagens Racionais" do tenente-coronel francês Jean Joseph Vuillier ainda é hoje utilizado por escritórios de consultoria e por staffs de alguns criadores de ponta na Europa, Japão e Austrália, como mais uma ferramenta de apoio para a busca do grande craque. Com o advento da possibilidade de programação computacional, hipólogos utilizam o pensamento de Vuillier, para compor dentro de seus entendimentos suas respectivas séries, para através desse método, chegar a cruzamentos considerados mais ajustados. 

No Brasil, mestre Atualpa Soares foi o grande especialista do sistema Vuillier e o aplicava, em sua metodologia original, nos seus estudos para as Cartas de Monta dos Haras Mondesir e Itaiassu de A. J. Peixoto de Castro Junior. 



TEORIA DAS DOSAGENS RACIONAIS

“A seleção de um reprodutor para determinada matriz, deve ser indicada por sua capacidade para corrigir excessos ou deficiências pelas presenças de Chefes de Raça do passado, no pedigree da égua. Consequentemente, trazendo o pedigree do produto planejado, o mais próximo possível da dosagem recomendada”.

Essa teoria é também conhecida como de Lottery, pseudônimo que adotou seu autor, o Ten. Cel. J. J. Vuillier e foi exposta ao público em 1902 através de seu livro "Les Croisements Rationnels dans la Race Pure". Segundo Vuillier , em um determinado indivíduo são influentes seus antepassados até a duodécima (12a) geração. Ao reconstruirmos um pedigree quando alcançarmos essa geração teremos o número total de 4096 nomes. 

Esse número 4096 foi utilizado por Vuillier como denominador comum para determinar a "dose de sangue" que um determinado cavalo possui em relação aos antepassados que figuram em seu pedigree.    

A teoria é simples. Segundo Vuillier, todo cavalo possui em sua linhagem completa 4096/4096 avos. A metade desse "sangue" proveniente de seu pai e a outra metade de sua mãe. Consequentemente a "dose" que seu pai deve aportar ao filho é de 2048/4096 avos. Para deixar claro o método, se considerarmos que o pai seja também avô materno o produto terá aportada uma "dose" de 1024/4096 avos, portanto o cavalo investigado terá 3072/4096 avos desse sangue, número que representa o somatório das doses assinaladas. Esse mesmo procedimento se aplica até se chegar a décima-segunda geração, onde os indivíduos que nela figuram aportam uma "dose" de 1/4096 avos. Esse cálculo total de dosagem é hoje obtido através de programas de computação.

Para traçarmos um paralelo que permita, na atualidade, a utilização da teoria de Vuillier, temos que compreender que os mapas de dosagens originais ficaram para trás ao longo dos anos e com o surgimento de  novos indivíduos na gravitação da raça. Tal fato é o que permite aos hipólogos modernos criarem, dentro de seus conceitos individuais, suas tábuas de DOSAGENS RACIONAIS com aqueles indivíduos que em seu julgamento podem ser alçados a chefs de race ou reines de course . Consequentemente a aplicação moderna da Teoria das Dosagens Racionais  depende da finesse técnica do hipólogo ao selecionar o que dentro da sua avaliação pode pesar em um pedigree quanto  aos diversos aspectos de transmissão da herança.

Como uma explicação, en passant , para  nossos leitores que caso queiram estudar e aplicar o método em suas análises de cruzamento, comentamos que Vuillier analisou o pedigree dos melhores cavalos que existiram em diferentes épocas, um total de 654 ganhadores clássicos da Inglaterra, e estabeleceu que certos nomes se repetiam de forma sistemáticamente constante. Concluiu que esses animais influiam em menor ou maior grau para o bom desempenho dos indivíduos que os levavam. Em base da localização no pedigree em que apareciam foi determinando suas "dosagens" segundo o método acima explicado. 

Vuillier criou três séries divididas entre um total de 15 reprodutores e uma matriz, posteriormente aumentada para 5 séries com mais 5 animais. Esses indivíduos foram estatisticamente, os que mais contribuiram, por sua progênie, quanto a produção de classicismo em todo o período estudado. Em 1925 Vuillier publicou uma nova série contando com 6 novos garanhões, totalizando um número de 6 séries. Cada série é formada por variáveis números de raízes (cavalos) oriundas dos reprodutores que a compõe. E essas, por sua vez, subdivididas em variáveis números de linhas (cavalos), tudo considerando comportamento aptitudinal em competição, aplicando daí o que ele intitulou sistema de melhora . O objetivo era conduzir os cruzamentos de forma que os produtos estivessem mais proximos as dosagens ideais do que estavam seus pais. O que Vuillier define como "Écart de Dosage"  que é a diferença que tem um determinado cavalo com a dosagem ideal recomendada. 

Para maior clareza a nossos leitores, suponhamos que, atualmente, um garanhão X possui um aporte de 380 sobre Halo. Terá um "écart" de 40 sobre esse chefe de raça, já que o aporte ideal para Halo deve ser 420. Assim sendo, procurar-se-á, uma égua adequada que reduza o "écart" para se obter um indivíduo mais equilibrado. O mesmo deve ser feito com cada um dos demais integrantes da série - que cada hipólogo criou dentro de sua compreensão técnica. A soma das diferenças individuais de cada série forma o "écart" total da mesma. Como ressaltamos anteriormente a teoria de Vuillier é um conceito, que atualmente cada hipólogo trabalha dentro de seu pensamento, quanto a qualidade dos ancestrais por ele selecionados para os seus mapas de dosagens


Halo


Vuillier ressalta que essa metodologia é apenas uma ferramenta com a  qual se busca maiores chances para se obter sucesso e que não é uma fórmula mágica que o determine. Cita exemplo como o de Oakland, um craque em sua época, que tinha o mesmo sangue e consequentemente a mesma dosagem de seu irmão próprio Malevage, que foi um corredor inútil. Caloria, por sua parte, ganhadora de muitos clássicos foi o melhor elemento de sua geração. Era irmã inteira de Cruz de Malta, que nunca saiu dos perdedores. Um filho de Oakland e Caloria teria exatamente a mesma dosagem de um filho de Malevage e Cruz de Malta. Mas qualquer técnico com equilibrado critério rechaçaria uma comparação como essa. Para Vuillier a qualidade do indivíduo é essencial, portanto recomenda em sua obra que o indivíduo não tenha apenas origem seleta mas que ao mesmo tempo tenha provado em pistas algum tipo de qualidade. Outra importante recomendação de Vuillier era a de se evitar consanguinidades incestuosas e aproveitar convenientemente o vigor juvenil da raça. Como podemos ver são posições lógicas e razoáveis. 

Vuillier, em seu livro, cita a precaução em não se permanecer aferrado as dosagens ideais por ele recomendadas. Pelo contrário, o criador criterioso deveria estar atento aos novos grandes animais que surgiam na constelação do turfe e endereçar a eles novos cruzamentos.

Sob essa versatilidade de pensamentos, Vuillier e em seu falecimento, sua esposa Germaine Vuillier, foram os responsáveis técnicos da criação Aga Khan III e a conduziu ao grandioso sucesso através do surgimento de nomes estrelares como os de Tulyar, Bahram, Blenheim, Mahmoud, My Love, Palestine, Umidwar, Sandjar, Dastur, Gallant Man, Majideh, Turkhan, Firdaussi, Taj Akbar, Nasrullah, Khaled, Saint Crespin, Sheshoon, Alibhai, Charlottesville, Migoli, Theresina, Salmon Trout, Ujiji, Rustom Pasha, Noor, Qurrat-Al-Ain, Masaka, Nathoo, Brownhylda, Petite Étoile, Hindostan, Selim Hassan, Udaipur, Ut Majeur, Umiddad, Eclair, Emali, Pherozshah e outros.