quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A matriarca Fall Aspen. Fam 4-m.





Fall Aspen, fam. 4-m, nasceu em 1976 nos EUA, uma alazã por Pretense em Change Water, essa por sua vez, filha da matriarca PORTAGE. 

Portage, uma filha do chef-de-race e grande pai de mães War Admiral é uma foundation mare. Produziu Change Water, Fall Aspen e Blue Canoe, cujos filhos e/ou descendentes incluem os G1 Dubai Millennium, Cozzene, Intello, Mondialiste, Occupandiste, Timber Country, Fort Wood, Dixie Union, Admiral Kitten,  Hamas, Blumenblatt, Ribchester, Europa Point, Elnadim, Reginetta, Free Drop Bill, Medaaly, Hawkbill, Gaviola, Tiz Me Sue, TM Opera, Ice Festival, Northern Aspen, Asia Express, etc. De fato, uma imensa lista de ganhadores de grupo em todos os continentes, além de ser, um fértil ramo na produção de garanhões. Essa linha materna - Blue Hen Mare - apresenta mais de 120 stakes winners no turfe mundial. Sendo consequentemente considerada como uma das mais importantes famílias do élevage moderno.







 
Fall Aspen possui 3 repetições de consanguinidade sobre a matriarca SELENE, mãe de  Hyperion, Sickle e Pharamond. Enquanto Pretense, seu pai, possui inbreeding em Gallenza, mãe de Winalot e terceira mãe de British Empire, através de sua neta Rose of England, Oak Stakes (INGL-G1). Via direta Rose of England a criação mundial recebeu além de British Empire a seus filhos Coastal Traffic (French leading sire) e Chulmleigh (importante pai e avô materno na Argentina). Fall Aspen possui uma construção de pedigree irretocável e que certamente é o vetor que originou todo o seu imenso sucesso como uma das mais importantes matriarcas do turfe moderno. Isso tudo somando uma muito boa campanha em pistas, dentre outras vitórias, levantou o importante Matron Stakes (EUA-G1).                                 

                                                                               
FALL ASPEN (EUA-G1)
....Bianconi (ING-G2)
....Colorado Dancer (FR-G2)
.........Dubai Millennium (FR/ING/UAE-G1)

.........Dubai Sunrise
...........................Dee Ex Bee (ING-G3)
.........Chaquiras
...........................Threading (ING-G2)
....Dance of Leaves
..........Charnwood Forest (ING-G2)
..........Desired

................Poet Laureate (FR-L)
..............  Desideratum (FR-G3)
................Heart's Content
........................Heartily (ALE-L) 
..........Medaaly  (ING-G1)
..........Viase de Fleurs

................Sunflower Street
........................Mr Gnoochi (HK-G3)
....Elle Seule (FR-G2)
..........Elnadim (ING-G1)
..........Khulood (ING-G3)

.................Adool (IRL-L)
...........Ashraakat (ING-L)
.......... Mehthaaf (ING-G3)

...............Najah (ITA-G2)
...............Tanaghum
....................Mujarah
........................Ribchester (FR/ING-G1)
....................Tactic (IRL-G3)

.......................Zahoo
...........................Convergence (IRL-L)
.........Toujours Elle
...............Toto Le Heros (ITA-L)
...............Tamgeed
....................Mazarin (PER-G2)
.........Only Seule
...............Occupandiste (FR-G1)
....................Desertiste
.........................Sasparella (FR-G3)
....................Impressionnante (FR-G2)
.........................Intello (FR-G1)
....................Mondialiste (EUA-G1)
....................Only  Answer (FR-G3)

....................Only Green (FR-L)
.........................Shaman (FR-G3)
.........................Green Sweet (FR-L)
................... Planetaire (FR-L)
..............Solosole
....................Okalea
.........................Meneas (FR-L)
....Fort Wood (FR-G1)
....Hamas (ING-G1)
....Mazzacano (ING-G3)
....Northern Aspen (EUA-G1)

.......... Candace Aspen
..............Hishi Aspen
...................Sassicaia (EUA-G3)
.........Jade Aspen
..............Aspen Cat
...................Germanico (VEN-G1)

...............More Aspen (UAE-G3)
.........Mocdavia
..............Aspen Leaf
...................Reginetta (JPN-G1)
....Sheroog
.........Gorband
..............Europa Point (SAF-G1)
..............Harbour Watch (ING-G2)
.........Kabool (FR-G2)

.........Sharaf Kabeer (BAH-G1)
....Timber Country (EUA-G1)






Dubai Millennium, a estrela maior da família 4-m pertence ao ramo de Fall Aspen.



Intello e Mondialiste, outras duas estrelas maiores de Fall Aspen.


Intello.


Mondialiste.










sábado, 2 de novembro de 2019

Cavalos de corrida e a ciência da genética






Consideramos que vencer o pragmatismo negativo quanto a possibilidade de um excepcional corredor, que não foi a contento como garanhão, vir a se transformar em um bom avô materno é um aspecto básico a todo aquele que se dedica ao relacionado a criação do PSI. 

A simples repetição, como exemplo fundamental de sucesso, da observação sobre a presença em um pedigree da conjunção de dois ou três determinados indivíduos é sinal de importante falha conceitual. Principalmente, quando essas observações não consideram a percentagem estatística do número dos nascimentos desses tipos de cruzamentos em relação ao universo de cria. Voltemos a um exemplo icônico - SECRETARIAT - como garanhão apenas comum e que foi alçado a chefe de raça pela utilização massiva de suas filhas na reprodução. 

Qual a razão desse feito? Simples. Secretariat teve a sua disposição as melhores éguas de sua época nos EUA, tanto em resultado de pistas quanto em pedigrees. E mesmo com sua produção não confirmando em corrida, ele foi prestigiado por ser uma LENDA do turfe norte-americano. Consequentemente o estoque de filhas de Secretariat sobre éguas de "cabeceira" era tão grande que a utilização delas tornou-se inevitável. Como a maioria dessas éguas pertenciam aos mais importantes campos de criação foram direcionadas a garanhões de primeiro time e... SUCESSO!  

A indústria do turfe é cruel, uma repetição de qualquer outro negócio. E reais chances na reprodução, das filhas de qualquer garanhão, que não tenha confirmado como pai seu comportamento em pistas é extremamente rara. Conhecemos apenas o exemplo de Secretariat. 

De forma geral essas matrizes são aproveitadas em haras de menor investimento e por conseguinte sem acesso aos garanhões de ponta. Como exemplos que interessam a criação nacional, temos hoje na Europa os nomes de Sinndar, Manduro e Shirocco, 3 animais que serviram no Brasil. Esses garanhões não corresponderam plenamente na reprodução, mas, mesmo com reduzido número de filhas em serviço, já se apresentam como úteis avôs maternos. 


Existem inúmeros outros exemplos de cavalos que estiveram no Brasil e foram crucificados pelos especialistas, acreditamos que essas opiniões negativas foram fundamentais para o pouco aproveitamento de suas filhas na reprodução pelos haras brasileiros. Temos, nesse momento, como avôs maternos de sucesso na Europa a Rock of Gibraltar (nono colocado), Mark of Esteem (décimo sexto colocado), Peintre Celebre (vigésimo quinto), etc. Mas vamos nos atentar a Sinndar, Manduro e Shirocco. 

Sinndar é o avô materno de número 44 na Europa, à frente de nomes como os de Dylan Thomas, Rainbow Quest, Lammtarra, Linamix, Motivator, New Approach, Night Shift, Azamour, Highest Honor, Authorized, Kendor, etc. Manduro é o avô materno de número 74 à frente de Zamindar, Lawman, Teófilo, Kendargent, Compton Place, Choisir, etc. Shirocco o de número 85 à frente de Teófilo, Kendargent, Compton Place, Choisir, Leroidesanimaux, etc.





Monsun, o atual quinto melhor avô materno europeu.

Obs: Dados estatísticos obtidos em 02.11.2019. O turfe europeu possui 327 garanhões registrados em atividade.



Reproduzimos abaixo importante artigo, no qual muitos dos temas considerados, já foram exaustivamente comentados em nosso blog. Apesar de serem aspectos fundamentais, é sempre bom os recordar para que seja possível reverter conceitos negativos, como o do exemplo acima citado. E dessa feita em didático e magistral texto do expert Sérgio Barcellos. 



Cavalos de Corrida e a ciência da genética


Há mais de 300 anos, criadores e proprietários de cavalos de corrida do mundo jogam xadrez com a natureza, pretendendo: os primeiros, construir aquele craque que inscreverá seus nomes nos anais da indústria internacional do puro sangue; e os segundos, imaginando descobrir nos recintos dos leilões de potros inéditos os indivíduos que lhes abrirão as portas do panteão do turfe, transformando perspicácia e sorte em fama e fortuna.

Neste processo tricentenário, foram gastos rios de dinheiro, desde que os nobres e magnatas ingleses do século XXVIII decidiram inventar uma nova raça de equinos capazes de prolongar velocidade no tempo e os chamaram de thoroughbreds, hoje a quintessência do moderno animal de competição, seja em corridas rasas, seja sobre obstáculos. A melhor máquina aeróbica do mundo animal.

Na alvorada da nova raça, tudo funcionou na base da tentativa e erro. Até o momento em que o decurso do tempo e a experiência acumulada foram progressivamente cristalizando várias teorias sobre cruzamentos, e algumas evidências estatísticas emergiram do longo e paciente trabalho de seleção.

Porém, como em todo empreendimento humano, algumas das teorias sobre cruzamentos (leia-se, a combinação de pedigrees), encontram-se hoje ultrapassadas diante do choque brutal de realidade introduzido pela moderna genética – e iniciado com a decodificação do genoma do cavalo.

A partir deste momento, saem de cena inúmeras crenças e mitos – a maioria deles baseada na observação empírica – e o grande palco da criação é progressivamente ocupado pela subversão dos novos conceitos relativos às leis da combinação dos genes; ao papel do DNA mitocondrial; à importância do músculo cardíaco; herança genética versus performance atlética; contribuição dos avós-maternos, etc, etc. Portanto, trata-se de uma completa revolução no conhecimento sistematizado do thoroughbred mundial. E esta revolução está apenas começando.

Não é intenção do autor cansar o leitor com os itens antes mencionados, por si só áridos. Mas parece razoável condensar como funciona a busca da excelência no cavalo de corridas neste início do século XXI. E um bom começo, é saber o que tem sido escrito a respeito. Quem se interessar em aprofundar conhecimentos sobre o tema, pode recorrer à pequena bibliografia ao final do artigo.

Pedigree e genética

Hoje é de conhecimento comum que 1/3 da habilidade atlética de qualquer cavalo de corrida é genética, isto é, decorre de seu pedigree. Mas os outros 2/3 correspondem, respectivamente, ao ambiente onde ele foi criado (qualidade dos nutrientes da terra e o equilíbrio da alimentação recebida), e aos métodos de treinamento a que foi submetido em idade de correr. A qualidade dos componentes genéticos responde pela codificação de seu coração, pulmões, músculos, ossos, tendões e, finalmente, temperamento. O resto, entretanto, não tem a ver diretamente com a genética: tem a ver com terra, alimentação e treinamento.

E onde isso nos leva? Muito simples: no reprodutor, há 32 pares de cromossomos que se combinam com os mesmos 32 pares de cromossomos da égua-mãe. Portanto, o produto resultante de qualquer cruzamento, conterá sempre 64 pares de cromossomos (o que significa dois elevado à potência 64 em termos de combinações possíveis). E todas elas estão refletidas no produto daí resultante. Façam conta, e vejam onde dois elevado à potência 64 pode dar…A partir daí, tenha-se em mente que qualquer uma dessas praticamente infinitas combinações pode estar presente no produto. Para o bem ou para o mal.

Conclusão: se um determinado cruzamento foi capaz de produzir um cavalo de corrida de alta performance, é praticamente impossível que a repetição do mesmo cruzamento gere o mesmo make-up genético anterior. Com efeito, “irmãos inteiros” herdam, em média, apenas metade do material genético de seus progenitores.

Famílias maternas e o papel da mitocôndria

Como se sabe, a mitocôndria é o componente responsável pela energia de toda célula – a “casa de força”, por assim dizer, dos seres vivos. A mitocôndria, ou DNA mitocondrial, descoberto em 1980, é 100% feminino, no sentido que ele é herdado unicamente via linha materna.

Por outras palavras, os machos e as fêmeas da espécie recebem o DNA mitocondrial somente através de suas mães. Mais claro, ainda, os machos não conseguem transmitir esse tipo de DNA às gerações subseqüentes. Mas as mães, sim. Assim, o “sobrenome” que acompanha qualquer cavalo de corrida através de sua existência é sempre o de sua linha materna.

[Um parêntese: quando o suposto esqueleto do rei Ricardo III, imortalizado por Shakespeare na peça do mesmo nome, foi acidental e recentemente descoberto numa escavação em Londres, a confirmação de que ele era mesmo o personagem da peça só foi possível através da coleta do DNA mitocondrial dos descendentes femininos de sua estirpe, alguns dos quais haviam sobrevivido até os nossos dias. Nos restos mortais do infame monarca, tudo podia ser mais ou menos difuso, menos o seu DNA mitocondrial. O mesmo se dá, quando os antropólogos pesquisam sobre as migrações humanas iniciadas possivelmente há 140 mil anos: é o DNA mitocondrial que confirma quem migrou de onde para onde.]

Voltamos ao cavalo de corrida, onde todos conhecem o quadro das 43 famílias maternas do General Stud Book inglês, catalogadas por Bruce Lowe pela sua ordem de importância na produção dos vencedores do Derby Stakes, do Oaks, e do Saint Leger, as três principais provas da tríplice-coroa inglesa de seu tempo. O que parecia apenas uma mera indicação estatística, hoje em dia, depois da descoberta do papel do DNA mitocondrial, ganhou importância. Simplesmente, porque o trabalho de Lowe não se choca contra o moderno conhecimento da biologia celular dos seres vivos.

Na tabulação de Bruce Lowe, a família 1 ainda domina o panorama clássico do turfe do mundo, mesmo se agregarmos os números de ganhadores de Grupo do turfe internacional até 2005, ou seja, mais de cem anos após sua catalogação. É evidente que pertencer à família 1 não significa certeza de sucesso nas pistas. Nela, como em qualquer outra família materna, há uma multidão de animais de todos os níveis de qualidade, desde os bons até os completamente inúteis.

Mas quer dizer, sim, que, não só do ponto de vista estatístico, mas principalmente da conformidade com os novos conceitos da genética, o conhecimento das famílias maternas é fator decisivo na criação. O que parece nos remeter ao axioma de que sem mulher boa até cavalo de corrida é difícil…

O que importa saber sobre este tópico, porém, é que as chamadas 43 foundation mares (ou matriarcas) de Bruce Lowe (foto) guardam uma notável proximidade entre si: seis dessas famílias (2, 7, 8, 16, 17 e 22) compartem as mesmas sequências de DNA mitocondrial, indicando que elas derivam de um mesmo ancestral feminino comum. De igual forma, algo bastante similar ocorre com as matriarcas das famílias 4, 11 e 13, o que não causa surpresa dado o fato dessas três famílias terem sido desenvolvidas pelo mesmo criador, Sir James D’arcy, e mantidas no mesmo haras e na mesma época. Como se vê, o círculo da excelência no puro sangue de corrida é muito menos amplo do que supõe a nossa filosofia.




Coração grande e performance nas pistas

Quando se considera os fatores fisiológicos que afetam a performance nas pistas, o músculo cardíaco é, sem dúvida, um dos  principais. Sem bomba cardíaca eficiente, não há bom cavalo de corrida. Claro, são as moléculas de hemoglobina do sangue que carregam oxigênio para os tecidos e os músculos, necessários à produção de energia.

O grande problema, é que os músculos dos eqüinos possuem uma capacidade de gerar energia muito maior que a habilidade do sistema cardíaco de entregar-lhes oxigênio. Assim, a quantidade de sangue que pode ser bombeada para todo o corpo do animal durante a competição é um dos fatores limitantes de sua capacidade de gerar energia.

Um cavalo pode modular seus batimentos cardíacos entre 20 e 240 batidas por minuto. Mas coração, em termos de peso e tamanho,  não parece responder de forma direta e proporcional a treinamento. Desta forma, o volume do coração de um animal de corrida, para muitos, deriva de sua combinação genética, o chamado cromossomo “X”. Muitos acreditam que é ele quem vai determinar a capacidade aeróbica do indivíduo, principalmente na abordagem de distâncias longas (aqui consideradas em torno dos 2.400 metros, ou mais).

Um cavalo de corrida com coração pequeno pode ser um bom sprinter entre 1.200 e 1.400 metros, eis que consegue galopar essas distâncias de forma anaeróbica, ou seja, usando o estoque de oxigênio já existente antes do começo da corrida. Ao contrário, no caso de distâncias mais longas, que implicam maior demanda de oxigênio transportado da atmosfera para os músculos, isso pressupõe a existência de um coração maior e mais eficiente.

Existe, pois, uma correlação genética entre capacidade cardíaca e performance atlética. Apenas como exemplo, o coração do invicto Eclipse, hoje o maior ancestral da raça (está no princípio de 85% dos ganhadores de Grupo do turfe mundial), pesava 14 libras, algo consideravelmente maior que a média de 6 libras de um cavalo de corrida de seu tempo. Outro exemplo é o do gigante neozelandês Phar Lap, ganhador de 37 corridas, incluindo a Melborne Cup, que pesava também aproximadamente 14 libras. E o exemplo mais recente é o de Secretariat (1970-1989), o fenomenal tríplice-coroado americano, considerado o maior cavalo da história do turfe dos USA, ganhador do Belmont Stakes (2.400 metros) por assustadores 31 corpos (foto). A autópsia de Secretariat revelou um coração que pesou 22 libras.




O tamanho provável do coração de um animal de corrida pode ser estimado hoje em dia por um simples eletrocardiograma e a existência de equipamentos portáteis se tornou um hábito no exame de potros levados a leilão no hemisfério norte. Mesmo considerando que o animal ainda está em fase de crescimento, é possível saber mais sobre seu heart score e projetar a forma das coisas que virão quando o animal tiver terminado seu processo de amadurecimento.

Mais ainda, de acordo com estudo desenvolvido por cientistas ingleses, publicado em 2005, a quantidade de sangue bombeado para o corpo do animal depende muito do tamanho de seu ventrículo esquerdo (ou seja, do tamanho da câmara ali localizada). Para os autores do estudo, a forma e o tamanho do coração de um cavalo de corrida (em idade adulta), têm muito a ver com a adaptação do órgão às exigências do treinamento e tipos de provas onde ele é inscrito.

Cavalos de corrida sobre obstáculos – a suprema demonstração de endurance do esporte – geralmente têm um coração maior e mais desenvolvido que seus similares de corridas rasas. E daí, talvez, decorra o tradicional princípio europeu de fazer os potros de corridas rasas galopar, galopar, e galopar, antes de imaginar supor que seu coração e pulmões estejam formados e adaptados aos rigores do teste das pistas.

[Segundo parêntese: muitos, em seu tempo, ridicularizaram o fato do multimilionário americano, Strassburger, ter escolhido Wild Risk, um excelente cavalo de salto francês, embora pequeno e de locomotores duvidosos, para padrear suas éguas. Hoje, Strassburger é considerado um gênio porque Wild Risk está na origem de notáveis cavalos de distância do turfe mundial (Worden, Vimy, Le Fabuleux, o nosso conhecido Waldmeister, etc). E ele foi também um excelente avô-materno (Blushing Groom, Ashmore, Free Ride, etc). Strassburger procurava capacidade cardíaca, sabia o que queria, e onde encontrar.]




O sistema ósseo-muscular

O que o conhecimento da genética eqüina nos ensina sobre este tópico, pode ser condensado da seguinte forma:

Em média, quase 1/3 da raça puro sangue não chega a correr, ou corre e quebra. A principal razão para esta alta percentagem de desperdício se localiza na fragilidade do seu sistema ósseo-muscular. E os eventos mais comuns resultantes disso podem incluir catastróficas fraturas, fraturas por stress, fissuras de todo o tipo, problemas com os tendões, e o colapso das juntas. Por outro lado, o que identifica e separa a elite da raça do resto é exatamente o fato da primeira ser dotada de um eficiente sistema ósseo-muscular. E tudo se passa, porque a seleção baseada na permanente busca da velocidade através dos séculos de história do thoroughbred, teve um profundo efeito na fisiologia muscular dos indivíduos, em sua conformação e, claro, no nível de mineralização de seus ossos.

A mesma diferença, em termos de fibras musculares, que existe entre os maratonistas humanos (que usam basicamente oxigênio para produzir energia) e os velocistas (que usam oxigênio e glicogênio nelas acumulado), existe entre os cavalos de corrida. Oitenta por cento (80%) deles nascem com fibras musculares de contração rápida (fast twitches, do Tipo 2), em maior ou menor proporção e, provavelmente, esta característica é controlada pela genética. A observação se ampara no reconhecimento de que a produção de determinadas famílias é um mero espelho da aptidão de seus progenitores para determinadas distâncias.

As dificuldades começam a aparecer quando alguns criadores insistem em quebrar a combinação ótima de variações genéticas que deve presidir os cruzamentos, como, por exemplo, cruzar pais reconhecidamente de distância com mães sprinters puros, na esperança de gerar um indivíduo de distância média. Na maioria dos casos, o que se tem é um indivíduo de distância alguma.

O esqueleto do cavalo de corrida, leia-se, seu chassis, é o ponto fraco da raça. E o enorme impacto recebido pelos locomotores quando o animal se desloca ao redor de 60 kms por hora (ou mais), propaga-se por todo o conjunto. Sobreviver a esta situação extrema tem tudo a ver com a herança genética de determinados indivíduos. Como igualmente, a maioria dos defeitos de conformação também é de origem genética.

Do mesmo modo que a altura nos humanos é 2/3 genética e 1/3 resultante de fatores ambientais e alimentação, o mesmo acontece no cavalo de corrida em relação à altura de sua cernelha. Nos mamíferos, o comprimento de certos ossos varia de uma forma geneticamente coordenada, e a mudança de um pequeno número de genes do crescimento ocorre durante a fase de desenvolvimento do indivíduo.

Hoje se sabe, cientificamente, que a maior ou menor densidade óssea – algo para o qual contribuem vários genes – está na base das citadas fraturas e fissuras verificadas no thoroughbred.  São os chamados “genes candidatos a fratura” do cavalo de competição, motivo de vários estudos, de forma a identificá-los e orientar veterinários e treinadores sobre de como lidar com esta realidade.

[Outro parêntese: Seattle Slew, o tríplice-coroado do turfe dos EUA, ademais de excelente reprodutor, foi comprado por praticamente uma ninharia nos leilões de Keeneland, porque pisava com a mão direita para fora. O veterinário que o examinou (e depois se tornou sócio no potro), simplesmente disse ao proprietário que o arrematou: “Esta mão para fora não é problema. Ele pisa torto, mas a genética de sua densidade óssea é espetacular.”]

Aliás, densidade óssea era algo tão importante no turfe do primeiro quarto do século XX, que o programa do Derby Stakes, em Epsom, também indicava o diâmetro da canela dos concorrentes, medida abaixo do joelho. Sem ossos geneticamente densos e  corretamente mineralizados dificilmente se ganha em Epsom. E isso é genética, mais criação.




Nicks e avós-maternos

De todas as afinidades genéticas possíveis (ou nicks), a que encontra maior respaldo na ciência moderna é a dos avós-maternos. Uma primeira possibilidade, é que elas resultem da heterose, mais conhecida como “vigor híbrido.” Nenhuma novidade. A permanente busca de “vigor híbrido” não foi outra coisa, senão o método de criação praticado à saciedade no princípio do thoroughbred, quando os ingleses começaram a cruzar reprodutores do Oriente com éguas nativas da Grã-Bretanha.

Outra explicação, é que as filhas de determinados reprodutores são capazes de fornecer boas combinações de genes, que complementam as combinações do reprodutor com os quais o nick ocorre. Mas dia virá, em que o avanço da genética eqüina, e, consequentemente, a quantidade de informações disponíveis oferecerá uma resposta racional para o fenômeno.

Até lá, o que os principais criadores do mundo fazem é, simplesmente, copiar o que deu certo. E todos copiam, desde o cruzamento de Eclipse com as mães Herod (nos anos de 1770), de Bend Or com as filhas de Macaroni nos 1880’s, de Phalaris com mães Chaucer nos 1920’s (por sinal, o cruzamento preferido de Lord Derby), de Sadler’s Wells com as mães Darshaan (ou seu pai, Shirley Heights), etc, etc. E com a característica dessas afinidades serem geralmente recíprocas.

No caso dos avós-maternos, entretanto, a genética está mais avançada. Geneticistas ingleses já demonstraram que para alguns genes importa, sim, de cujo progenitor eles provêem. O fenômeno é chamado de genomic imprinting(marca, estampa, ou selo genômico).

Trata-se de genes não expressos quando herdados do pai, ao contrário dos genes inativos quando herdados das mães. Há uma diferença, além de semântica, entre os dois tipos. Isso tem a ver com a explicação sobre o fato de excepcionais corredores não serem capazes de gerar cavalos parecidos com eles, mas, em contrapartida, suas filhas sim.

O exemplo mais famoso é o de Secretariat, pai de machos e reprodutores comuns, mas um notável avô-materno (basta lembrar de A.P. Indy, Gone West (foto) e Storm Cat, para confirmar a hipótese). No caso, é geneticamente possível que os genes inativos de Secretariat, herdados de sua mãe, Somethingroyal, tenham sido reativados em suas filhas e são, em parte, responsáveis pela produção de excepcionais corredores e reprodutores.

Os homens de cavalo do mundo, entretanto, reconhecem que o “efeito avô-materno” não dura para sempre, e tende a diluir-se após algumas gerações. Tampouco, estamos aqui a afirmar que a qualidade de A.P. Indy, Gone West e Storm Cat se ancore, apenas, no efeito em questão. Em muitos casos, como tudo na natureza, pode tratar-se de uma feliz combinação genética emergida dos cruzamentos de determinadas mães e apressadamente creditada por alguns ao avô-materno.




Criação seletiva

O alvo da criação do puro sangue de corrida foi sempre o de evitar o que se chama de “variação genética.” De igual forma, o sonho dos criadores também foi sempre foi o de tentar uniformizar e padronizar certos atributos da raça. Mas o fato é que criação seletiva funciona. E funciona muito bem, por exemplo, na produção de leite, carne e ovos, sendo certo que hoje não se faz criação intensiva no campo sem o apoio da genética molecular para complementar e melhorar os tradicionais métodos de seleção.

Exemplos de grandes criadores do século XX na Europa e nos EUA, incluem Federico Tesio, Lord Derby, Marcel Boussac e Hancock. Nos nossos dias, esta lista pode ser completada com o Aga Khan (foto) e Khalid Abdullah. É possível que nenhum deles pensasse de forma consciente em termos de genética, mas parte de seu sucesso pode ser explicado por ela. O raciocínio é simples, como veremos a seguir.





O processo tradicional dos grandes criadores do mundo começa sempre na montagem de um universo de mães de alta qualidade e, ao longo do tempo, vão adquirindo conhecimento de quais estratégias de cruzamento funcionam em relação às famílias maternas que abrigam em seus haras. Pelo contínuo descarte dos produtos de baixa performance, a proporção de boas variantes genéticas do conjunto do plantel naturalmente aumenta. A segunda etapa é reduzir as variáveis ambientais (e elas são importantes, como já vimos), ao procurar criar e alimentar todos os produtos exatamente da mesma maneira. Isso melhora também as chances de que as diferenças entre os indivíduos estejam mais relacionadas a mérito genético, do que à boa “hospedagem.”

Por outras palavras, torna-se mais evidente que a seleção dos melhores animais sirva para identificar cruzamentos capazes de transmitir um mérito genético superior. É verdade que esses diferenciais comparativos em termos de qualidade nas pistas e na reprodução, podem levar anos e várias gerações de animais para serem confirmados. Mas também é inegável que os resultados são mais consistentes e previsíveis na operação de criar buscando um todo o mais homogêneo possível.

Como se viu anteriormente, embora a elite da raça, os top performers, sejam capazes de passar adiante uma boa combinação genética, isso não quer dizer que todas as combinações de seus genes dominantes/recessivos serão recriadas em sua produção. Ou seja, que sua prole herdará intacta e intocada suas habilidades atléticas. Com efeito, a elite da raça é exceção. A regra é a presença de uma esmagadora maioria de cavalos que apresentam uma performance inferior à de seus pais.

Isso fica muito claro diante dos ratings médios do Timeform ao longo de várias décadas, que é de 79 libras-peso para os potros de três anos e de 72 libras-peso para as potrancas. Claro, a hereditariedade, em termos de performance, tem limites

O general Stud Book inglês está cheio de exemplos disso, isto é, de produtos filhos de ganhadores do Derby Stakes cruzados com ganhadoras do Oaks Stakes. Somente um deles, Lammtarra, em 1995, filho de Nijinsky e Snow Bride, venceu o Derby de sua geração.

Mas uma coisa é geneticamente verdadeira, e estatisticamente aferível: a fórmula de regressão estatística dos ratings do Timeform demonstra que a média dos animais frutos do cruzamento de indivíduos com ratings acima de 110 libras-peso é, sim, superior à média do universo dos animais que um dia entraram em uma pista de corrida. Eles podem não ter sido atletas iguais aos seus pais, mas sua performance tende a ser superior à de seus iguais.

O futuro

Em suma, parece razoável admitir que o sequenciamento do genoma equino vai acelerar o conhecimento do cavalo de corrida universal. E o progressivo desenvolvimento da genética acabará por colocar à disposição de criadores e proprietários algumas respostas até então obscuras. O processo da geração da vida no cavalo de corrida não mudará. Mas será possível conhecer mais, e conhecendo, eliminar desse processo alguns obstáculos que impedem seu pleno desenvolvimento.


Sérgio Barcellos