Consideramos que vencer o pragmatismo negativo quanto a possibilidade de um excepcional corredor, que não foi a contento como garanhão, vir a se transformar em um bom avô materno é um aspecto básico a todo aquele que se dedica ao relacionado a criação do PSI.
A simples repetição, como exemplo fundamental de sucesso, da observação sobre a presença em um pedigree da conjunção de dois ou três determinados indivíduos é sinal de importante falha conceitual. Principalmente, quando essas observações não consideram a percentagem estatística do número dos nascimentos desses tipos de cruzamentos em relação ao universo de cria. Voltemos a um exemplo icônico - SECRETARIAT - como garanhão apenas comum e que foi alçado a chefe de raça pela utilização massiva de suas filhas na reprodução.
Qual a razão desse feito? Simples. Secretariat teve a sua disposição as melhores éguas de sua época nos EUA, tanto em resultado de pistas quanto em pedigrees. E mesmo com sua produção não confirmando em corrida, ele foi prestigiado por ser uma LENDA do turfe norte-americano. Consequentemente o estoque de filhas de Secretariat sobre éguas de "cabeceira" era tão grande que a utilização delas tornou-se inevitável. Como a maioria dessas éguas pertenciam aos mais importantes campos de criação foram direcionadas a garanhões de primeiro time e... SUCESSO!
A indústria do turfe é cruel, uma repetição de qualquer outro negócio. E reais chances na reprodução, das filhas de qualquer garanhão, que não tenha confirmado como pai seu comportamento em pistas é extremamente rara. Conhecemos apenas o exemplo de Secretariat.
De forma geral essas matrizes são aproveitadas em haras de menor investimento e por conseguinte sem acesso aos garanhões de ponta. Como exemplos que interessam a criação nacional, temos hoje na Europa os nomes de Sinndar, Manduro e Shirocco, 3 animais que serviram no Brasil. Esses garanhões não corresponderam plenamente na reprodução, mas, mesmo com reduzido número de filhas em serviço, já se apresentam como úteis avôs maternos.
Existem inúmeros outros exemplos de cavalos que estiveram no Brasil e foram crucificados pelos especialistas, acreditamos que essas opiniões negativas foram fundamentais para o pouco aproveitamento de suas filhas na reprodução pelos haras brasileiros. Temos, nesse momento, como avôs maternos de sucesso na Europa a Rock of Gibraltar (nono colocado), Mark of Esteem (décimo sexto colocado), Peintre Celebre (vigésimo quinto), etc. Mas vamos nos atentar a Sinndar, Manduro e Shirocco.
Sinndar é o avô materno de número 44 na Europa, à frente de nomes como os de Dylan Thomas, Rainbow Quest, Lammtarra, Linamix, Motivator, New Approach, Night Shift, Azamour, Highest Honor, Authorized, Kendor, etc. Manduro é o avô materno de número 74 à frente de Zamindar, Lawman, Teófilo, Kendargent, Compton Place, Choisir, etc. Shirocco o de número 85 à frente de Teófilo, Kendargent, Compton Place, Choisir, Leroidesanimaux, etc.
Monsun, o atual quinto melhor avô materno europeu.
Obs: Dados estatísticos obtidos em 02.11.2019. O turfe europeu possui 327 garanhões registrados em atividade.
Reproduzimos abaixo importante artigo, no qual muitos dos temas considerados, já foram exaustivamente comentados em nosso blog. Apesar de serem aspectos fundamentais, é sempre bom os recordar para que seja possível reverter conceitos negativos, como o do exemplo acima citado. E dessa feita em didático e magistral texto do expert Sérgio Barcellos.
A simples repetição, como exemplo fundamental de sucesso, da observação sobre a presença em um pedigree da conjunção de dois ou três determinados indivíduos é sinal de importante falha conceitual. Principalmente, quando essas observações não consideram a percentagem estatística do número dos nascimentos desses tipos de cruzamentos em relação ao universo de cria. Voltemos a um exemplo icônico - SECRETARIAT - como garanhão apenas comum e que foi alçado a chefe de raça pela utilização massiva de suas filhas na reprodução.
Qual a razão desse feito? Simples. Secretariat teve a sua disposição as melhores éguas de sua época nos EUA, tanto em resultado de pistas quanto em pedigrees. E mesmo com sua produção não confirmando em corrida, ele foi prestigiado por ser uma LENDA do turfe norte-americano. Consequentemente o estoque de filhas de Secretariat sobre éguas de "cabeceira" era tão grande que a utilização delas tornou-se inevitável. Como a maioria dessas éguas pertenciam aos mais importantes campos de criação foram direcionadas a garanhões de primeiro time e... SUCESSO!
A indústria do turfe é cruel, uma repetição de qualquer outro negócio. E reais chances na reprodução, das filhas de qualquer garanhão, que não tenha confirmado como pai seu comportamento em pistas é extremamente rara. Conhecemos apenas o exemplo de Secretariat.
De forma geral essas matrizes são aproveitadas em haras de menor investimento e por conseguinte sem acesso aos garanhões de ponta. Como exemplos que interessam a criação nacional, temos hoje na Europa os nomes de Sinndar, Manduro e Shirocco, 3 animais que serviram no Brasil. Esses garanhões não corresponderam plenamente na reprodução, mas, mesmo com reduzido número de filhas em serviço, já se apresentam como úteis avôs maternos.
Existem inúmeros outros exemplos de cavalos que estiveram no Brasil e foram crucificados pelos especialistas, acreditamos que essas opiniões negativas foram fundamentais para o pouco aproveitamento de suas filhas na reprodução pelos haras brasileiros. Temos, nesse momento, como avôs maternos de sucesso na Europa a Rock of Gibraltar (nono colocado), Mark of Esteem (décimo sexto colocado), Peintre Celebre (vigésimo quinto), etc. Mas vamos nos atentar a Sinndar, Manduro e Shirocco.
Sinndar é o avô materno de número 44 na Europa, à frente de nomes como os de Dylan Thomas, Rainbow Quest, Lammtarra, Linamix, Motivator, New Approach, Night Shift, Azamour, Highest Honor, Authorized, Kendor, etc. Manduro é o avô materno de número 74 à frente de Zamindar, Lawman, Teófilo, Kendargent, Compton Place, Choisir, etc. Shirocco o de número 85 à frente de Teófilo, Kendargent, Compton Place, Choisir, Leroidesanimaux, etc.
Monsun, o atual quinto melhor avô materno europeu.
Obs: Dados estatísticos obtidos em 02.11.2019. O turfe europeu possui 327 garanhões registrados em atividade.
Reproduzimos abaixo importante artigo, no qual muitos dos temas considerados, já foram exaustivamente comentados em nosso blog. Apesar de serem aspectos fundamentais, é sempre bom os recordar para que seja possível reverter conceitos negativos, como o do exemplo acima citado. E dessa feita em didático e magistral texto do expert Sérgio Barcellos.
Cavalos de Corrida e a ciência da genética
Há mais de 300 anos,
criadores e proprietários de cavalos de corrida do mundo jogam xadrez com a
natureza, pretendendo: os primeiros, construir aquele craque que inscreverá
seus nomes nos anais da indústria internacional do puro sangue; e os segundos,
imaginando descobrir nos recintos dos leilões de potros inéditos os indivíduos
que lhes abrirão as portas do panteão do turfe, transformando perspicácia e
sorte em fama e fortuna.
Neste processo tricentenário,
foram gastos rios de dinheiro, desde que os nobres e magnatas ingleses do
século XXVIII decidiram inventar uma nova raça de equinos capazes de prolongar
velocidade no tempo e os chamaram de thoroughbreds, hoje a
quintessência do moderno animal de competição, seja em corridas rasas, seja
sobre obstáculos. A melhor máquina aeróbica do mundo animal.
Na alvorada da nova raça,
tudo funcionou na base da tentativa e erro. Até o momento em que o decurso do
tempo e a experiência acumulada foram progressivamente cristalizando várias
teorias sobre cruzamentos, e algumas evidências estatísticas emergiram do longo
e paciente trabalho de seleção.
Porém, como em todo
empreendimento humano, algumas das teorias sobre cruzamentos (leia-se, a
combinação de pedigrees), encontram-se hoje ultrapassadas diante do choque
brutal de realidade introduzido pela moderna genética – e iniciado com a
decodificação do genoma do cavalo.
A partir deste momento, saem
de cena inúmeras crenças e mitos – a maioria deles baseada na observação
empírica – e o grande palco da criação é progressivamente ocupado pela
subversão dos novos conceitos relativos às leis da combinação dos genes; ao
papel do DNA mitocondrial; à importância do músculo cardíaco; herança
genética versus performance atlética; contribuição dos
avós-maternos, etc, etc. Portanto, trata-se de uma completa revolução no
conhecimento sistematizado do thoroughbred mundial. E esta
revolução está apenas começando.
Não é intenção do autor cansar
o leitor com os itens antes mencionados, por si só áridos. Mas parece razoável
condensar como funciona a busca da excelência no cavalo de corridas neste
início do século XXI. E um bom começo, é saber o que tem sido escrito a
respeito. Quem se interessar em aprofundar conhecimentos sobre o tema, pode
recorrer à pequena bibliografia ao final do artigo.
Pedigree e genética
Hoje é de conhecimento comum
que 1/3 da habilidade atlética de qualquer cavalo de corrida é genética, isto
é, decorre de seu pedigree. Mas os outros 2/3 correspondem, respectivamente,
ao ambiente onde ele foi criado (qualidade dos nutrientes da
terra e o equilíbrio da alimentação recebida), e aos métodos de
treinamento a que foi submetido em idade de correr. A qualidade dos
componentes genéticos responde pela codificação de seu coração, pulmões,
músculos, ossos, tendões e, finalmente, temperamento. O resto, entretanto, não
tem a ver diretamente com a genética: tem a ver com terra, alimentação e
treinamento.
E onde isso nos leva? Muito simples:
no reprodutor, há 32 pares de cromossomos que se combinam com os mesmos 32
pares de cromossomos da égua-mãe. Portanto, o produto resultante de qualquer
cruzamento, conterá sempre 64 pares de cromossomos (o que significa dois
elevado à potência 64 em termos de combinações possíveis). E todas elas estão
refletidas no produto daí resultante. Façam conta, e vejam onde dois elevado à
potência 64 pode dar…A partir daí, tenha-se em mente que qualquer uma dessas
praticamente infinitas combinações pode estar presente no produto. Para o bem
ou para o mal.
Conclusão: se um determinado
cruzamento foi capaz de produzir um cavalo de corrida de alta performance, é
praticamente impossível que a repetição do mesmo cruzamento gere o mesmo make-up genético
anterior. Com efeito, “irmãos inteiros” herdam, em média, apenas metade do
material genético de seus progenitores.
Famílias maternas e o papel
da mitocôndria
Como se sabe, a mitocôndria é
o componente responsável pela energia de toda célula – a “casa
de força”, por assim dizer, dos seres vivos. A mitocôndria, ou DNA
mitocondrial, descoberto em 1980, é 100% feminino, no sentido que
ele é herdado unicamente via linha materna.
Por outras palavras, os
machos e as fêmeas da espécie recebem o DNA mitocondrial somente através de
suas mães. Mais claro, ainda, os machos não conseguem transmitir
esse tipo de DNA às gerações subseqüentes. Mas as mães, sim. Assim, o
“sobrenome” que acompanha qualquer cavalo de corrida através de sua existência
é sempre o de sua linha materna.
[Um
parêntese: quando o suposto esqueleto do rei Ricardo III, imortalizado por
Shakespeare na peça do mesmo nome, foi acidental e recentemente descoberto numa
escavação em Londres, a confirmação de que ele era mesmo o personagem da peça
só foi possível através da coleta do DNA mitocondrial dos descendentes
femininos de sua estirpe, alguns dos quais haviam sobrevivido até os nossos
dias. Nos restos mortais do infame monarca, tudo podia ser mais ou menos
difuso, menos o seu DNA mitocondrial. O mesmo se dá, quando os antropólogos
pesquisam sobre as migrações humanas iniciadas possivelmente há 140 mil anos: é
o DNA mitocondrial que confirma quem migrou de onde para onde.]
Voltamos ao cavalo de
corrida, onde todos conhecem o quadro das 43 famílias maternas do General Stud
Book inglês, catalogadas por Bruce Lowe pela sua ordem de importância na
produção dos vencedores do Derby Stakes, do Oaks, e do Saint Leger, as três
principais provas da tríplice-coroa inglesa de seu tempo. O que parecia apenas
uma mera indicação estatística, hoje em dia, depois da descoberta do papel do
DNA mitocondrial, ganhou importância. Simplesmente, porque o trabalho de Lowe
não se choca contra o moderno conhecimento da biologia celular dos seres vivos.
Na tabulação de Bruce Lowe, a
família 1 ainda domina o panorama clássico do turfe do mundo, mesmo se
agregarmos os números de ganhadores de Grupo do turfe internacional até 2005,
ou seja, mais de cem anos após sua catalogação. É evidente que pertencer à
família 1 não significa certeza de sucesso nas pistas. Nela, como em qualquer
outra família materna, há uma multidão de animais de todos os níveis de
qualidade, desde os bons até os completamente inúteis.
Mas quer dizer, sim, que, não
só do ponto de vista estatístico, mas principalmente da conformidade com os
novos conceitos da genética, o conhecimento das famílias maternas é fator
decisivo na criação. O que parece nos remeter ao axioma de que sem mulher boa
até cavalo de corrida é difícil…
O que importa saber sobre
este tópico, porém, é que as chamadas 43 foundation mares (ou
matriarcas) de Bruce Lowe (foto) guardam uma notável proximidade entre
si: seis dessas famílias (2, 7, 8, 16, 17 e 22) compartem as mesmas sequências
de DNA mitocondrial, indicando que elas derivam de um mesmo ancestral feminino
comum. De igual forma, algo bastante similar ocorre com as matriarcas das
famílias 4, 11 e 13, o que não causa surpresa dado o fato dessas três famílias
terem sido desenvolvidas pelo mesmo criador, Sir James D’arcy, e mantidas no
mesmo haras e na mesma época. Como se vê, o círculo da excelência no puro
sangue de corrida é muito menos amplo do que supõe a nossa
filosofia.
Coração grande e performance
nas pistas
Quando se considera os
fatores fisiológicos que afetam a performance nas pistas, o músculo cardíaco é,
sem dúvida, um dos principais. Sem bomba cardíaca eficiente, não há bom
cavalo de corrida. Claro, são as moléculas de hemoglobina do sangue que
carregam oxigênio para os tecidos e os músculos, necessários à produção de
energia.
O grande problema, é que os
músculos dos eqüinos possuem uma capacidade de gerar energia muito maior que a
habilidade do sistema cardíaco de entregar-lhes oxigênio. Assim, a quantidade
de sangue que pode ser bombeada para todo o corpo do animal durante a
competição é um dos fatores limitantes de sua capacidade de gerar energia.
Um cavalo pode modular seus
batimentos cardíacos entre 20 e 240 batidas por minuto. Mas coração, em termos
de peso e tamanho, não parece responder de forma direta e proporcional a
treinamento. Desta forma, o volume do coração de um animal de corrida, para
muitos, deriva de sua combinação genética, o chamado cromossomo “X”. Muitos
acreditam que é ele quem vai determinar a capacidade aeróbica do indivíduo,
principalmente na abordagem de distâncias longas (aqui consideradas em torno
dos 2.400 metros, ou mais).
Um cavalo de corrida com
coração pequeno pode ser um bom sprinter entre 1.200 e 1.400
metros, eis que consegue galopar essas distâncias de forma anaeróbica,
ou seja, usando o estoque de oxigênio já existente antes do começo da corrida.
Ao contrário, no caso de distâncias mais longas, que implicam maior demanda de
oxigênio transportado da atmosfera para os músculos, isso pressupõe a
existência de um coração maior e mais eficiente.
Existe, pois, uma
correlação genética entre capacidade cardíaca e performance atlética. Apenas
como exemplo, o coração do invicto Eclipse, hoje o maior ancestral da raça
(está no princípio de 85% dos ganhadores de Grupo do turfe mundial), pesava 14
libras, algo consideravelmente maior que a média de 6 libras de um cavalo de
corrida de seu tempo. Outro exemplo é o do gigante neozelandês Phar Lap,
ganhador de 37 corridas, incluindo a Melborne Cup, que pesava também
aproximadamente 14 libras. E o exemplo mais recente é o de Secretariat
(1970-1989), o fenomenal tríplice-coroado americano, considerado o maior cavalo
da história do turfe dos USA, ganhador do Belmont Stakes (2.400 metros) por
assustadores 31 corpos (foto). A autópsia de Secretariat revelou um coração que pesou
22 libras.
O tamanho provável do coração
de um animal de corrida pode ser estimado hoje em dia por um simples
eletrocardiograma e a existência de equipamentos portáteis se tornou um hábito
no exame de potros levados a leilão no hemisfério norte. Mesmo considerando que
o animal ainda está em fase de crescimento, é possível saber mais sobre
seu heart score e projetar a forma das coisas que virão quando
o animal tiver terminado seu processo de amadurecimento.
Mais ainda, de acordo com
estudo desenvolvido por cientistas ingleses, publicado em 2005, a quantidade de
sangue bombeado para o corpo do animal depende muito do tamanho de seu
ventrículo esquerdo (ou seja, do tamanho da câmara ali localizada). Para os
autores do estudo, a forma e o tamanho do coração de um cavalo de corrida (em
idade adulta), têm muito a ver com a adaptação do órgão às exigências do
treinamento e tipos de provas onde ele é inscrito.
Cavalos de corrida sobre
obstáculos – a suprema demonstração de endurance do esporte –
geralmente têm um coração maior e mais desenvolvido que seus similares de
corridas rasas. E daí, talvez, decorra o tradicional princípio europeu de fazer
os potros de corridas rasas galopar, galopar, e galopar, antes de imaginar
supor que seu coração e pulmões estejam formados e adaptados aos rigores do
teste das pistas.
[Segundo parêntese: muitos,
em seu tempo, ridicularizaram o fato do multimilionário americano,
Strassburger, ter escolhido Wild Risk, um excelente cavalo de salto francês,
embora pequeno e de locomotores duvidosos, para padrear suas éguas. Hoje,
Strassburger é considerado um gênio porque Wild Risk está na origem de notáveis
cavalos de distância do turfe mundial (Worden, Vimy, Le Fabuleux, o nosso
conhecido Waldmeister, etc). E ele foi também um excelente avô-materno (Blushing
Groom, Ashmore, Free Ride, etc). Strassburger procurava capacidade cardíaca,
sabia o que queria, e onde encontrar.]
O sistema ósseo-muscular
O que o conhecimento da
genética eqüina nos ensina sobre este tópico, pode ser condensado da seguinte forma:
Em média, quase 1/3 da raça
puro sangue não chega a correr, ou corre e quebra. A principal razão para esta
alta percentagem de desperdício se localiza na fragilidade do seu sistema
ósseo-muscular. E os eventos mais comuns resultantes disso podem incluir
catastróficas fraturas, fraturas por stress, fissuras de todo o
tipo, problemas com os tendões, e o colapso das juntas. Por outro lado, o que
identifica e separa a elite da raça do resto é exatamente o fato da primeira
ser dotada de um eficiente sistema ósseo-muscular. E tudo se passa, porque a
seleção baseada na permanente busca da velocidade através dos séculos de
história do thoroughbred, teve um profundo efeito na fisiologia
muscular dos indivíduos, em sua conformação e, claro, no nível de mineralização
de seus ossos.
A mesma diferença, em
termos de fibras musculares, que existe entre os maratonistas humanos (que usam
basicamente oxigênio para produzir energia) e os velocistas (que usam oxigênio
e glicogênio nelas acumulado), existe entre os cavalos de corrida. Oitenta por
cento (80%) deles nascem com fibras musculares de contração rápida (fast
twitches, do Tipo 2), em maior ou menor proporção e, provavelmente, esta
característica é controlada pela genética. A observação se ampara no
reconhecimento de que a produção de determinadas famílias é um mero espelho da
aptidão de seus progenitores para determinadas distâncias.
As dificuldades começam a
aparecer quando alguns criadores insistem em quebrar a combinação ótima de
variações genéticas que deve presidir os cruzamentos, como, por exemplo, cruzar
pais reconhecidamente de distância com mães sprinters puros,
na esperança de gerar um indivíduo de distância média. Na maioria dos casos, o
que se tem é um indivíduo de distância alguma.
O esqueleto do cavalo de
corrida, leia-se, seu chassis, é o ponto fraco da raça. E o enorme impacto
recebido pelos locomotores quando o animal se desloca ao redor de 60 kms por
hora (ou mais), propaga-se por todo o conjunto. Sobreviver a esta situação
extrema tem tudo a ver com a herança genética de determinados indivíduos. Como
igualmente, a maioria dos defeitos de conformação também é de origem genética.
Do mesmo modo que a altura
nos humanos é 2/3 genética e 1/3 resultante de fatores ambientais e
alimentação, o mesmo acontece no cavalo de corrida em relação à altura de sua
cernelha. Nos mamíferos, o comprimento de certos ossos varia de uma forma
geneticamente coordenada, e a mudança de um pequeno número de genes do
crescimento ocorre durante a fase de desenvolvimento do indivíduo.
Hoje se sabe,
cientificamente, que a maior ou menor densidade óssea – algo para o qual
contribuem vários genes – está na base das citadas fraturas e fissuras
verificadas no thoroughbred. São os chamados “genes
candidatos a fratura” do cavalo de competição, motivo de vários estudos, de
forma a identificá-los e orientar veterinários e treinadores sobre de como
lidar com esta realidade.
[Outro
parêntese: Seattle Slew, o tríplice-coroado do turfe dos EUA, ademais de
excelente reprodutor, foi comprado por praticamente uma ninharia nos leilões de
Keeneland, porque pisava com a mão direita para fora. O veterinário que o
examinou (e depois se tornou sócio no potro), simplesmente disse ao
proprietário que o arrematou: “Esta mão para fora não é problema. Ele pisa
torto, mas a genética de sua densidade óssea é espetacular.”]
Aliás, densidade óssea era
algo tão importante no turfe do primeiro quarto do século XX, que o programa do
Derby Stakes, em Epsom, também indicava o diâmetro da canela dos
concorrentes, medida abaixo do joelho. Sem ossos geneticamente densos e
corretamente mineralizados dificilmente se ganha em Epsom. E isso é genética,
mais criação.
Nicks e
avós-maternos
De
todas as afinidades genéticas possíveis (ou nicks), a que encontra
maior respaldo na ciência moderna é a dos avós-maternos. Uma primeira
possibilidade, é que elas resultem da heterose, mais conhecida como
“vigor híbrido.” Nenhuma novidade. A permanente busca de “vigor híbrido” não
foi outra coisa, senão o método de criação praticado à saciedade no princípio
do thoroughbred, quando os ingleses começaram a cruzar reprodutores
do Oriente com éguas nativas da Grã-Bretanha.
Outra explicação, é que as
filhas de determinados reprodutores são capazes de fornecer boas combinações de
genes, que complementam as combinações do reprodutor com os quais o nick ocorre.
Mas dia virá, em que o avanço da genética eqüina, e, consequentemente, a
quantidade de informações disponíveis oferecerá uma resposta racional para o
fenômeno.
Até lá, o que os principais
criadores do mundo fazem é, simplesmente, copiar o que deu certo. E todos
copiam, desde o cruzamento de Eclipse com as mães Herod (nos anos de 1770),
de Bend Or com as filhas de Macaroni nos 1880’s, de Phalaris com mães Chaucer
nos 1920’s (por sinal, o cruzamento preferido de Lord Derby), de Sadler’s Wells
com as mães Darshaan (ou seu pai, Shirley Heights), etc, etc. E com a
característica dessas afinidades serem geralmente recíprocas.
No caso dos avós-maternos,
entretanto, a genética está mais avançada. Geneticistas ingleses já
demonstraram que para alguns genes importa, sim, de cujo progenitor eles
provêem. O fenômeno é chamado de genomic imprinting(marca, estampa,
ou selo genômico).
Trata-se de genes não
expressos quando herdados do pai, ao contrário dos genes inativos quando
herdados das mães. Há uma diferença, além de semântica, entre os dois tipos.
Isso tem a ver com a explicação sobre o fato de excepcionais corredores não
serem capazes de gerar cavalos parecidos com eles, mas, em contrapartida, suas
filhas sim.
O exemplo mais famoso é o de
Secretariat, pai de machos e reprodutores comuns, mas um notável avô-materno
(basta lembrar de A.P. Indy, Gone West (foto) e Storm Cat, para confirmar a hipótese).
No caso, é geneticamente possível que os genes inativos de
Secretariat, herdados de sua mãe, Somethingroyal, tenham sido reativados em
suas filhas e são, em parte, responsáveis pela produção de excepcionais
corredores e reprodutores.
Os homens de cavalo do mundo,
entretanto, reconhecem que o “efeito avô-materno” não dura para sempre, e tende
a diluir-se após algumas gerações. Tampouco, estamos aqui a afirmar que a
qualidade de A.P. Indy, Gone West e Storm Cat se ancore, apenas, no efeito em
questão. Em muitos casos, como tudo na natureza, pode tratar-se de uma feliz
combinação genética emergida dos cruzamentos de determinadas mães e
apressadamente creditada por alguns ao avô-materno.
Criação seletiva
O alvo da criação do puro
sangue de corrida foi sempre o de evitar o que se chama de “variação genética.”
De igual forma, o sonho dos criadores também foi sempre foi o de tentar uniformizar e padronizar certos
atributos da raça. Mas o fato é que criação seletiva funciona. E funciona muito
bem, por exemplo, na produção de leite, carne e ovos, sendo certo que hoje não
se faz criação intensiva no campo sem o apoio da genética molecular para
complementar e melhorar os tradicionais métodos de seleção.
Exemplos de grandes criadores
do século XX na Europa e nos EUA, incluem Federico Tesio, Lord Derby, Marcel
Boussac e Hancock. Nos nossos dias, esta lista pode ser completada com o Aga
Khan (foto)
e Khalid Abdullah. É possível que nenhum deles pensasse de forma consciente em
termos de genética, mas parte de seu sucesso pode ser explicado por ela. O
raciocínio é simples, como veremos a seguir.
O processo tradicional dos
grandes criadores do mundo começa sempre na montagem de um universo de mães de
alta qualidade e, ao longo do tempo, vão adquirindo conhecimento de quais
estratégias de cruzamento funcionam em relação às famílias maternas que abrigam
em seus haras. Pelo contínuo descarte dos produtos de baixa performance, a
proporção de boas variantes genéticas do conjunto do plantel naturalmente
aumenta. A segunda etapa é reduzir as variáveis ambientais (e elas são
importantes, como já vimos), ao procurar criar e alimentar todos os produtos
exatamente da mesma maneira. Isso melhora também as chances de que as
diferenças entre os indivíduos estejam mais relacionadas a mérito genético, do
que à boa “hospedagem.”
Por outras palavras, torna-se
mais evidente que a seleção dos melhores animais sirva para identificar
cruzamentos capazes de transmitir um mérito genético superior. É verdade que
esses diferenciais comparativos em termos de qualidade nas pistas e na reprodução,
podem levar anos e várias gerações de animais para serem confirmados. Mas
também é inegável que os resultados são mais consistentes e previsíveis na
operação de criar buscando um todo o mais homogêneo possível.
Como se viu anteriormente,
embora a elite da raça, os top performers, sejam
capazes de passar adiante uma boa combinação genética, isso não quer dizer que
todas as combinações de seus genes dominantes/recessivos serão recriadas em sua
produção. Ou seja, que sua prole herdará intacta e intocada suas habilidades
atléticas. Com efeito, a elite da raça é exceção. A regra é a presença de uma
esmagadora maioria de cavalos que apresentam uma performance inferior à de seus
pais.
Isso fica muito claro diante
dos ratings médios do Timeform ao longo de várias décadas, que
é de 79 libras-peso para os potros de três anos e de 72 libras-peso para as
potrancas. Claro, a hereditariedade, em termos de performance, tem limites
O general Stud Book inglês
está cheio de exemplos disso, isto é, de produtos filhos de ganhadores do Derby
Stakes cruzados com ganhadoras do Oaks Stakes. Somente um deles, Lammtarra, em
1995, filho de Nijinsky e Snow Bride, venceu o Derby de sua geração.
Mas uma coisa é geneticamente
verdadeira, e estatisticamente aferível: a fórmula de regressão estatística
dos ratings do Timeform demonstra que a média dos animais
frutos do cruzamento de indivíduos com ratings acima de 110
libras-peso é, sim, superior à média do universo dos animais que um dia
entraram em uma pista de corrida. Eles podem não ter sido atletas iguais aos
seus pais, mas sua performance tende a ser superior à de seus iguais.
O futuro
Em suma, parece razoável
admitir que o sequenciamento do genoma equino vai acelerar o conhecimento do
cavalo de corrida universal. E o progressivo desenvolvimento da genética
acabará por colocar à disposição de criadores e proprietários algumas respostas
até então obscuras. O processo da geração da vida no cavalo de corrida não
mudará. Mas será possível conhecer mais, e conhecendo, eliminar desse processo
alguns obstáculos que impedem seu pleno desenvolvimento.
Sérgio Barcellos