terça-feira, 14 de março de 2023

As lições do fim de semana clássico - Gávea



 


Quantify. Vencedor do GP Francisco e Linneo Eduardo de Paula Machado. Foto: Sylvio Rondinelli.

 

Se presenciou nesse fim de semana no Jockey Club Brasileiro uma lição exemplar, em todos os sentidos, para o turfe nacional. Após longo afastamento retornamos ao hipódromo da Gávea no GP Estado do Rio de Janeiro e o que foi visto naquele dia: um hipódromo esvaziado e com basicamente as mesmas presenças de 20/30 anos atrás. E nesse fim de semana tudo estava diferente, com um bom marketing e a presença de Zico, foi visto um hipódromo com pelo menos três vezes mais público do que daquela feita. E o mais importante, a presença de jovens, o que mostra que um turfe bem administrado responde, como responde em qualquer outro país.

Mas retornando aos cavalos o que se viu: uma bela vitória do garanhão nacional (Ganesh e Daniel Boone) e a confirmação de que quando o garanhão importado pertence ao primeiro time (Agnes Gold e Hat Trick) ele soma qualidade na criação brasileira.

A principal prova da tarde, GP Francisco e Linneo Eduardo de Paula Machado, terminou com uma indiscutível mostra de superioridade de QUANTIFY (466 quilos). Um filho de GANESH, que entre outras apresentações obteve 1º GP Gen. San Martin (Arg-Gr.1, 2400m), 2º GP Brasil (Br-Gr.1, 2400m), 2º Charles Whittingham S (Usa-Gr.2, 2400 m), 2º Last Tycoon S (Usa-Gr.3, 2000m), 3º Del Mar H. (Usa-Gr.2, 2200m). Ganesh venceu dos 2000 aos 2400 metros entre Brasil e Argentina.




Quanto ao êxito de Quantify, foi observado a surpresa de muito dos turfistas presentes. Como um filho de um "fundista", Ganesh e neto de outro "fundista", Nedawi, pode vencer 2000 metros? 

A explicação é muito simples e tem nome: velocidade!

O conceito de velocidade no PSC não é muito bem compreendido, pois a maioria dos turfistas confundem velocidade com brilhantismo. O brilhantismo é a velocidade em seu estado mais puro e o pedigree de Quantify não carrega esse tipo de velocidade e sim a velocidade transbrilliant, que é velocidade somada a classe, o atributo máximo que um cavalo de corrida pode ter.

É possível compreender claramente essa velocidade transbrilliant e como ela se transmite através do exemplo de NEDAWI. Um garanhão que apesar de tudo o que já provou com seus filhos, inacreditávelmente é desprezado pela miopia da criação brasileira. 

Nedawi apesar de sua principal vitória ter sido no St. Leger Stakes, era dono de notável aceleração final. Aceleração final em cavalos de maior distância é sinônimo de vigor e os indivíduos dotados desse predicado, de forma geral, são os mais bem sucedidos na reprodução. Alguns exemplos de cavalos do passado que suportavam distâncias longas com aceleração final foram Ribot, El Centauro, Alycidon, Brantome e Waldmeister. Todos além de terem sido vigorosos atletas foram garanhões de extraordinário êxito, assim como o é Nedawi. Os filhos de Nedawi venceram dos dois aos nove anos, dos 1.000 aos 3.200 metros, na grama e na areia.

Nedawi produziu apenas 16 individuais vencedores de grupo 1. Sua produção correu com sucesso na classe dos 1.400 metros (Ever Love, GP Pres. Guilherme Ellis, Gr.3) aos 2.400 metros (Faz de Conta, GP Zélia Peixoto de Castro, Gr.1); passando pelos 1.500 metros (Cruzada Americana, GP João Cecílio Ferraz, Gr.1) e nos 2.000 metros do GP Diana, Gr.1 com Quick As Ray. Isso apenas em exemplos femininos. 

Ganesh, Sulamani, Rainbow Quest e Naswhan são os outros nomes no pedigree de Quantify que pertencem ao grupamento dos animais portadores de velocidade transbrillliant ou elástica, que é a capacidade do animal acelerar nos metros finais, o que chamamos pointe de vitesse na França. E não importa em qual distância um páreo é corrido, um sprinter pode ser brilhante e não possuir pointe de vitesse.

Para finalizar a qualidade do pedigree de Quantify, sua quarta mãe é nada mais que a craque JACOPA DEL SELLAIO, a obra prima de Nelito Almeida - Haras São Lázaro - um dos maiores experts que o turfe brasileiro já conheceu. Responsável por importar Executioner e Rio Bravo, dois garanhões que marcaram suas épocas na criação nacional. Jacopa del Sellaio, pertence a linha materna de GAMBIA, importante mãe de nosso turfe, dela descendem entre outros os notáveis GAUDEAMUS e QUARTIER LATIN.

Devemos notar em Quantify o inbreeding 4x5 sobre BLUSHING GROOM - um cavalo com sérias limitações de stamina - via Rainbow Quest e Nashwan, que são dois de seus filhos que mostraram nas pistas mais resistência e mesma forma de correr. Ou seja, quando se busca inbreeding sobre um alvo deve-se trabalhar com filhos similares. De nada, por exemplo, adianta um inbreeding em Blushing Groom através de filhos como Mt. Livermore e Rainbow Quest, que foram individuos antagônicos em perfil atlético. 

Quantify é fruto de um cruzamento primoroso e segue o entendimento moderno, salvo maior estudo específico, de se praticar apenas um inbreeding por cruzamento e sustentar abertura nas outras posições do pedigree.

Essa vitória é um prêmio mais do que justo para Rafael Steinbruch, que acredita em seus garanhões e através deles vem oferecendo ao turfe brasileiro animais como PLANETÁRIO e PRIMETA (ambos por IL DOGE) e OSPREY (GOBER).

Mesmo com o sucesso desses garanhões, Rafael nos disse que não houve nenhuma procura externa pelo serviço deles. Dentro do que a técnica indicou, através de estudos conjuntos com Fabio Henrique da Silva, outro criador craque da nova geração e que também apóia o garanhão nacional, Fabio encaminhou éguas para GOBER e os produtos nascidos nos brindaram, pois vão de magníficos a muito bons em suas morfologias.



Rafael recebendo Quantify com Moreira up, em belíssimo flagrante de Sylvio Rondinelli.

Obs: João Moreira deu uma aula no dorso de Quantify.


                   

Silenciadora em bela foto de Sylvio Rondinelli.


SILENCIADORA (461 quilos), vencedora do GP Diana, pasmem, também é filha de um garanhão nacional, desta feita DANIEL BOONE, 10-6-3-1, ótimo animal de pistas, entre outras performances foi 1º GP Francisco Eduardo de Paula Machado, Gr.1, 2.000 metros; 2º GP Latino-americano, Gr.1, 2.000 metros e 3º GP Estado do Rio de Janeiro, Gr.1, 1.600 metros.



Daniel Boone é hoje um dos mais valorizados garanhões na Argentina ao se destacar, de forma imediata, com a sua primeira produção.

Ficamos pensando: Onde está TÔNEMAÍ, outro filho Wild Event e que também produziu campanha de muito boa categoria? Fomos ao Studbook e encontramos:

Tônemaí (vencedor do mesmo GP Francisco Eduardo de Paula Machado), possui em 6 gerações o inexpressivo número de  38 produtos registrados, sendo que já é pai de um vencedor clássico.

https://purosanguedecorrida.blogspot.com/2017/11/tonemai.html


Por onde anda HEAD OFFICE? Outro Wild Event também vencedor do GP Francisco Eduardo de Paula Machado e com campanha de primeiríssimo time.

Por qual razão o dr. Júlio Bozano levou Daniel Boone para a Argentina? A resposta é simples, seus filhos, por melhor que fossem nunca alcançariam em nosso mercado o preço do filho de algum importado de terceira linha ou mesmo matungo. 

Diante do sucesso dos garanhões nacionais, mesmo com suas reduzidas oportunidades, acreditamos que brevemente o nosso mercado passará a valorizar seus filhos como é devido.

Mas, felizmente a criação brasileira não vive só da produção de importados com baixo calibre, e vimos nesse mesmo fim de semana a vitória de PRIMAVERA GAÚCHA (457 quilos) na PE Marlene Serrador e HIGH WIRE (427 quilos) no Cl. Marcos Ribas de Farias (ambas por AGNES GOLD) e FIGARO (HAT TRICK) na Copa Velocidade.

Coincidentemente AGNES GOLD e HAT TRICK pertencem ao mesmo veio paterno - SUNDAY SILENCE.


A tempo: Recentemente foi oferecido a dois importantes haras brasileiros - Rio Grande do Sul e Paraná - um descendente de SUNDAY SILENCE através de seu melhor filho DEEP IMPACT. O vencedor de grupo EXTRA END (filho de CARLING, uma vencedora do Prix de Diane, Fr-Gr.1), que com apenas 6 produtos corridos já produziu um stakes winner no Japão. Curiosamente o cavalo foi recusado por ambos os haras pelos mesmos motivos, pedigree da mãe ser "esquisito" e ele ser feio, além de pequeno (470 quilos). 

É como se ninguém tivesse aprendido a lição AGNES GOLD, um cavalo longe de ser bonito e que corria ao redor dos 460 quilos....