quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Reynato Sodré Borges - 9ª carta

 



Na foto a excelente Amazone, cruzamento planejado por Reynato Sodré Borges.



Meu Caro amigo,

 

Recebi sua carta, onde pede orientação para adquirir um garanhão. Quanto ao picadeiro que me perguntas, não é difícil de fazer e na oportunidade darei as opções, para você escolher entre um ao ar livre ou um coberto, que deverá ficar próximo ao boxe do garanhão, para ser aproveitado como local para coberturas.

Mas quero desde já botar “mosca azul” na sua cuca, com a possibilidade de fazer uma pequena pista de treinamento para os yearlings. Caso a sua propriedade permita uma pista entre os 900 e 1200 metros de volta fechada com 8/10 metros de largura, você gozará de um dos maiores prazeres de um criador de PSC, que é ver seus potros iniciando em corrida e inclusive já efetuar julgamentos iniciais da potrada, como era feito no Haras Tibagi e é feito no Haras São José & Expedictus.

Quanto ao garanhão lembro que seu haras está situado em importante centro criatório do nosso tufe e onde não é pequena a oferta de coberturas de bons garanhões. Caso não me falhe a memória, já existe mais de 40 haras entre Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. O Posto de Monta em Teresópolis já está em fase final de construção. O número de garanhões é elevado e mesmo nos sindicalizados, sempre haverá a possibilidade de se adquirir quota.

Vou citar de memória, pedindo desde já desculpas pelas omissões, garanhões que estão sediados na serra e para os quais você deve voltar a sua atenção. Dos extrangeiros: Parnell (cavalo de primeiro time na Europa, 1º Prix Jean Prat, 1º Irish Saint Leger, 1º Jockey Club Cup, 1º Queens Vase e 2º King George VI & Queen Elizabeth Diamond Stakes, 2º Washington DC International,  que deve atingir fácil o nosso 1º time, se não o de seleção), Hang Ten (bom cavalo norte-americano vencedor de grupo 2 e deve produzir bem), St. Ives (cavalo de boa saúde – campanha longa, bonito e com linha materna soberba, já começa a produzir bem, sendo que o clássico Nagami se destaca, Ecletic (3º Prix Daphnis) e Exact (Grand Prix de Lyon). Dos nacionais temos: Daião (GP Brasil), Macar (GP Cruzeiro do Sul), Revolution (GP Cruzeiro do Sul), Tonka (GP Pres. da República – RJ), Frizli (GP Estado do Rio de Janeiro), Grão Ducado (GP Ipiranga), mais os também clássicos Fólio, Juanero e Yanbarberik. No Haras Vargem Alegre encontram-se o bom corredor Walad, que apesar de pouquíssimas oportunidades já produziu o clássico Waladon.

Espero que você entre de sócio do JCSP, pois facilitará o seu acesso aos garanhões do Posto de Monta Luiz Oliveira de Barros em Campinas. Aconselho que estude acasalamentos com o notável ZENABRE e também com Breeder’s Dream, que pertence a uma explendida linha materna. Em outros haras de São Paulo, que disponibilizam coberturas, você poderá utilizar Millenium, Sahib, Figurón, Xaveco, Nageur, Rhone, Tonnerre e Arnaldo. Gosto especialmente de Sail Through e acho que se Dom Quixote tiver maiores oportunidades vai produzir bem. O Haras São José & Expedictus disponibilizou para venda de coberturas, em sua seção de Campinas, os ótimos Lucarno e Orpheus. No Paraná o cavalo Giant me fascina, é filho do extraordinário CIGAL, garanhão que comentarei em momento apropriado. Por falar em Cigal me lembrei de seus outros filhos Lunard, que serve em São Paulo, e Pepone, que também serve no Paraná. Ambos excelentes opções. No Rio Grande do Sul você poderá dispor em Bagé de Egoísmo e Heathen, em Vacaria de Nermaus e George Raft. 

Todos os nomes que citei acima são de garanhões passíveis de se comprar coberturas. Em um lindo sonho poderíamos sonhar com Earldom, Sabinus, Locris, Waldmeister, Felicio, Tumble Lark, Pass The Word, St. Chad, Tratteggio, mas...

Tudo isso é muito bonito e relembrando esses garanhões, até eu mesmo estou surpreendido como a criação brasileira dispõe de excelentes opções e poderemos através da produção desses garanhões formar excelentes linhagens para o futuro! Mas é indispensável, uma boa criação, senão nada obterá dos melhores acasalamentos. Não existe filhos de bons animais e de acasalamentos tecnicamente corretos que resista a piquetes pobres, alimentação de 2ª ordem e a uma fiscalização e atendimento de 3ª ordem. E não se esqueça que as éguas devem ter boa linha materna clássica, serem elas mesmo de padrão clássico ou vencedoras comuns consistentes. Também não devem ter tido longas campanhas.

Mas, quem sabe, o acaso favoreça e venhas a comprar uma filha de Mogul que você deverá mandar, sem vacilar, para ser coberta pelo Honeyville. E no caso de comprar uma égua da linha da Palina tente a servir com Sabinus e caso não consiga esse serviço use seu filho Daião. Estarás repetindo Sabinus e terás um inbreeding sobre Palina! Conseguiu uma filha da Argúcia, mande para o Isaton (um filho clássico de Tang) que está no Haras Louveira. Não fique surpreso, nem pense que estou pilheriando, meu bom amigo, pois desse modo, foram obtidos ou melhor dizendo, acertaram o alvo (nick) obtendo com essas combinações de linhagens masculinas, pela ordem citada cima, a Fitz Emilius, Daião e Arnaldo, todos notáveis ganhadores do turfe brasileiro.

Esse nick (jogada favorável, acertar no alvo, ponto crítico) é o maior desejo do criador consciente e, em 99% das vezes é obra do acaso. Porém depois de obtido, passa a ser a meta principal do criador. Temos como exemplo a combinação TOURBILLON – ASTERUS, um dos pilares da criação Boussac, e que o Haras São José & Expedictus repetiu usando Fort Napoleon nas éguas por Formasterus. Filhos de Nasrullah com éguas Princequillo. Na Argentina Snow Cat com éguas por Claro e outros mais.

O mesmo se busca com os irmãos próprios. Quando jovem, eu ouvia falar do 3 irmãos: Molok, Melik e Mehemet Ali, filhos de Diamond Jubilee e Melilla. De Cocles, Camerino e Codihué, todos por Copyright e Cecilia Metella. De todos esses irmãos inteiros era difícil saber qual fora o melhor. Tivemos no Brasil Timão, Zuido e Diese, 3 irmãos próprios por Swallow Tail e Nuvem. Qual foi o melhor? Recentemente, os magníficos produtos do acasalamento da égua Grã com Egoísmo que foram: Grão de Bico e Grão Ducado. Na Europa lembro dos irmãos próprios Pharos e Fairway, de Dante e Sayajirao, para não falar dos filhos de Saint Simon e Perdita...

Mas é necessário gravar que a criação do cavalo PSC não é uma ciência exata, o que constitui um dos encantos do turfe e uma de suas doces incertezas. Por exemplo, um garanhão ganhador do EPSON DERBY com uma égua ganhadora do OAKS, pode dar um produto de 2ª ordem. Apenas a meritocracia nas pistas não garante a obtenção de um craque, se assim fosse tudo seria de uma aridez simplicidade... Mas, não podemos negar a afirmativa que o bom cavalo tem sempre ancestrais bons. O importante é a criação baseada na combinação de linhagens reconhecidamente convergentes.

Me perguntaste também quanto ao tamanho ideal para um cavalo de corrida. O que te digo é esse é um aspecto irrelevante, sei que hoje existe um claro modismo nos EUA em selecionar cavalos enormes, na Europa esse aspecto certamente não pegará pois lá a seleção tem uma visão técnica e consequentemente tamanho não é parâmetro de qualidade no PSC. O norte-americano por questões culturais gosta de coisas grandes e chamativas, é só comparar os carros norte-americanos e os europeus...

Essa questão de qualidade me fez recordar HYPERION, que é a sua personificação em um PSC, se posso me exprimir desse modo. A qualidade é como a classe, fácil de constatar, mas, difícil de definir. Este filho de Selene, com o tríplice coroado Gainsborough, era pequeno e dizem que feio, e, por tal motivo Lord Derby, o seu criador, não o levou para licitação e ele ficou para defender as suas sedas. Hyperion foi líder dos 2 anos. Aos 3, ganhou em todas as 4 vezes que foi levado a raia, incluindo o Derby e o St. Leger.

Esta referência que faço sobre Hyperion é para chamar a sua atenção que o tamanho físico e a pelagem não são elementos dominantes na apreciação da qualidade. Muitos não gostam dos tordilhos, e veja só, a craque EDIÇÃO, que apesar de lindamente construída era tordilha e pequena, mas, tão pequena, que levada a leilão pelo Haras Mondesir sem base e sem defesa, não obteve nenhuma oferta. Correu defendendo a farda de seu criador e foi a vencedora que foi... Anteriormente a Edição posso citar EMOCIÓN, uma égua que corria com 430 quilos e que venceu dois Dianas, Emoción era filha do também pequeno ORSENIGO, que gerou os igualmente pequenos ESCORIAL e LOHENGRIN. Recentemente vimos IRME, uma filha de Earldom, que corria com 380 quilos aprontar nas pistas.

O tamanho físico não pode e não deve ser considerado como elemento de mérito na avaliação de qualidade em um PSC.

Já a performance constitui o elemento de mais fácil julgamento, nessa apreciação. Mas, querendo fazer o advogado do diabo, lembro que ALIBHAI por Hyperion em Teresina, que não correu, por ter fraturado sesamóide, quando em treinamento, aos 2 anos, foi garanhão líder nos EUA, por mais de uma vez. E, aqui no Brasil, o exemplo recente é o de CIGAL, que nunca foi apresentado as pistas por ter mancado de tendão aos 2 anos, produziu como garanhão de seleção, isto é, pai de vários ganhadores clássicos, além de um tríplice coroado. Então, o apressado concluirá que a performance também é secundária, o que não é verdade, pois, a custa dela é que vem sendo feita, há 300 anos, a seleção do PSC.

Cigal, era treinado por Harry Wragg e seu companheiro de cocheira era PSIDIUM, ambos nascidos em 1958. Harry Wragg em conversa pessoal me disse que Cigal era o melhor cavalo de sua cocheira naquele momento e que Psidium não conseguia o acompanhar nos treinamentos. Psidium veio a vencer o Epson Derby de 1961...



Ou seja, Cigal é o exemplo de um potencial cavalo de primeiro time que não pode exteriorizar em corrida a sua categoria. E aí está a resposta quanto ao tema importar garanhão que me fizeste. Caso decida por importar um garanhão, Cigal é o perfil do cavalo que você deve procurar dentro da ideia de um baixo investimento e com muito boa chance de sucesso na reprodução.

Acredito que Alibhai possa ter tido um histórico parecido ao de Cigal.

 

Reynato Sodré Borges

Tebas – julho - 1979






quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Os "japoneses" - Maruzensky

 



Maruzensky nasceu em 1974, tendo sido importado no ventre de sua mãe. Naquele momento os produtos nascidos de éguas importadas cheias eram chamados "mochikomibas" e sofriam uma série de restrições. A principal delas é que apesar de nascidos no Japão eram considerados como cavalos estrangeiros e estavam proibidos de correr as principais 8 provas do calendário turfístico japonês, exceto o Arima Kinen (G.1). Também cabe destacar o boicote dos proprietários locais para as "corridas mistas", onde qualquer cavalo de qualquer origem poderia correr - em 1976 e 1977, anos que Maruzensky competiu, apenas 11,7% de todos os cavalos em corrida no Japão participaram dessas provas.

Essa política de proteção foi estabelecida em 1971 e o advento de Maruzensky, que se transformou em ídolo local, gerou nos turfistas japoneses uma série de protestos contra essa defesa do mercado interno, mas ela só veio a cair em 1984.

Antes de Maruzensky e da proteção, foram trazidos no ventre de suas mães oito grandes vencedores de corridas , e dentre eles estavam Hikaru Mage, que venceu o Tokyo Yushun - Derby do Japão (G.1), Hakuzuikou e Taintem, ambos vencedores do Tenno Shoharu (G.1).

Na época, o pedigree de Maruzensky, Nijinsky em Shill, uma filha do destacado garanhão Buckpasser, era extraordinário para um turfe cuja habilidade de seus cavalos estava começando a querer se aproximar dos principais países do mundo. Cabe destacar que Shill foi adquirida em leilão pelo Sr. Zenkichi Hashimoto, um rico negociante de gado,  por US$ 300.000, valor sem precedentes na época para compras japonesas. Yoshyia Yoshida, o presidente da Shadai Farm, desistiu de Shill pouco antes da marca de US$ 250.000.

Raros cavalos do primeiro pelotão japonês enfrentaram Maruzensky, a maior falta histórica foi o seu não confronto com Tosho Boy. Tosho Boy, considerado o cavalo "100% japonês" mais forte da época, havia sido inscrito nos 1200 metros do Tankyori Stakes. Mas suas conexões optaram por seu forfait e ele não foi apresentado para o embate. Maruzensky venceu a corrida por 10 corpos e em tempo recorde. Maruzensky também nunca teve a oportunidade de enfrentar Ten Point e Green Grass, os outros grandes nomes dessa época.

Maruzensky foi apresentado apenas 8 vezes em sua curta carreira de pistas, tendo se retirado invicto das pistas. 
Campanha:

3 anos  

1º Icho Tokubetsu (1200m-T, Nakayama), venceu por 11 corpos. 
1º Ginkgo Stakes (1200m-T, Nakayama), venceu por 9 corpos.
1º Fuchu Sansai Stakes (G.3,1600m-T, Tokyo), photochart. Nessa prova o segundo colocado foi Hishi Speed (vencedor da Sapporo Nisai Stakes, 1800m-T, G.3).
1º Asahi Hai Sansai Stakes (G.1,1600m-T, Nakayama), venceu por 13 corpos e em tempo recorde 1:34,4. Derrotando novamente Hishi Speed, que ficou na segunda colocação.

4 anos

1º Prova Aberta (1600m-T, Chukyo), venceu por 2 1/2 corpos.
1º Prova Aberta (1600m-T, Tokyo), venceu por 7 corpos.
1º Nihon Tampa Sho (G.3,1800m-T, Nakayama), venceu por 7 corpos. Nessa prova derrotou Press Toko (vencedor do Kikuka Sho - G.1, Mainichi Crown - G.2 e NHK Trophy - G.3).
1º Tankyori Stakes (1200m-D, Sapporo), venceu por 10 corpos em tempo recorde 1:10,1. Derrotando mais uma vez Hishi Speed, que o escoltou.

Obs: Na década de 70 não haviam provas de grupo no Japão. Todas as provas acima citadas foram atualizadas, para referência, dentro de seu ranking nos grupamentos hoje existentes.

Aos 5 anos de idade Maruzensky sofreu um acidente em treinamento e desenvolveu tendinite flexora, sendo destinado a reprodução no Toyosato Stallion Center em Monbetsu, Hokkaido.

Sua cerimônia de aposentadoria lotou o Hipódromo de Tóquio em 15 de janeiro de 1978, uma faixa estava pendurada nas arquibancadas e dizia: "Adeus Maruzensky. Vamos contar a história de sua força. Vamos elogiar seu espírito de luta".

Como garanhão Maruzensky transmitiu sua velocidade, poder de explosão e resistência, tendo produzido 22 GSW's, seu melhor resultado estatístico foi uma 2ª colocação em 1988. Seus filhos Tokou Sakura, Susuza Koban e Holisky podem ser considerados bons garanhões. Mas Maruzensky se destacou, de fato, como avô materno, tendo suas filhas gerado 37 GSW's. Foi 2º colocado em 1993, 1995, 1996, 1997, 1998,1999, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004 e 3º colocado em 1994.

Alguns no mundo das corridas japonesas  consideravam Maruzensky um cavalo superior a Northern Taste, seu contemporâneo, e como o melhor filho de Nijinsky. Inclusive o jornalista especializado britânico Leslie Sampson apresentou Maruzensky como um de seus filhos mais representativos em seu livro Nijinsky. Tendo escrito: "Se Maruzensky não tivesse corrido no Japão, é difícil imaginar o quão longe ele poderia ter chegado, provavelmente seria um grande campeão, e teria sido um adversário difícil tanto para JO Tobin quanto para Seattle Slew".

Na edição de 1999 da revista "Sports Graphic Numbers" em uma pesquisa entre jóqueis, Seichii Nakanowatari, Kenji Yamauchi e Shinji Azuma votaram em Maruzensky como "O melhor cavalo do século 20 para jóqueis". Nakanowatari cita Maruzensky como o cavalo de corrida mais forte que ele já correu. 

Hashimoto acreditava que Maruzensky era superior a Northern Taste e que encontrava-se vários degraus acima deste. E disse: "A diferença entre Northern Taste e Maruzensky como garanhão é esmagadora, mas isso em virtude da diferença na qualidade das éguas apresentadas a eles. Se eu tivesse mais dinheiro, derrubaria Northern Taste".

 Maruzensky foi eleito 1976 Japan Champion 2yo coltJapanese Hall of Fame JRHA Stallion of Merit


Dentre seus netos destaca-se o derby-winner Special Week (Sunday Silence), 1999 JRA Special Award, JRA Hall of Fame JRHA Stallion of Merit, pai de 20 GSW's e avô materno de 25 GSW's. Special Week é o principal continuador genético de Maruzensky. São seu netos maternos os garanhões Epiphaneia (Symboli Kris S), Saturnalia (Lord Kanaloa) e Leontes (King Kamehameha), todos vencedores de G1.
 


Special Week




















segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Varola - Análise de tendências - 5ª parte

 


The Tetrarch (by Clarence Hailey), cópia sem edição da foto original.






(continuação)


A grande lacuna de todos os estudos realizados sobre pedigrees e sobre as linhas de sangue - consistem eles na classificação por famílias, segundo Bruce Lowe, o índice de vitórias médias segundo estes, as dosagens de Vuillier ou índice das distâncias segundo a "Throughbred Breeder's Association" é dar indicações a posteriori e não a priori. Na atualização das dosagens de Vuillier, que estou tentando realizar, proponho-me adotar, entre outras coisas, uma nomenclatura que permita dar um pequeno, mas importante passo à frente em direção do conhecimento a priori do resultado do cruzamento. Anteriormente, afirmei que se examinarmos o puro-sangue em seu complexo como uma população, com todas as suas manifestações psicológicas e sociológicas, distinguiremos, como primeira consequência urna divisão em grupos que, para ser prático e breve, reduzi a cinco, chamados, respectivamente, brilhante, intermediário, clássico, robusto e profissional.

Não foi por acaso que estes cinco adjetivos substantivos foram expostos precisamente nesta ordem; com efeito, se modificássemos tal disposição, perderíamos todo o resultado da pesquisa. Estas cinco palavras devem de fato ser, interpretadas no mesmo sentido em que se interpretam os grupos de deputados sentados no hemiciclo parlamentar, isto é, da extrema esquerda à extrema direita, passando pelo centro. Em outras palavras, a população do puro-sangue contém, justamente como a humana, seus revolucionários, seus progressistas, seus moderados, seus radicais e seus reacionários.

Posto o raciocínio nestes termos, poderá parecer um contra- senso que eu tenha, por exemplo, classificado Phalaris, Nearco e Hyperion entre os brilhantes, que seriam, afinal, os revolucionários, mas na realidade a definição tem fundamento, porquanto eles são os principais responsáveis pela revolução nas posições do predomínio inglês em favor da França; são indivíduos brilhantíssimos, com grandes capacidades transmissoras, mas jamais se pode contar com seus descendentes típicos para enfrentar provas realmente severas, nas quais, ao contrário, já há muitos anos, vêm triunfando os vários descendentes de Teddy, Rabelais ou Vatellor, que os franceses sabem produzir em fluxo permanente. Estes últimos, na linguagem por mim proposta, pertencem à centro-direita, ou seja, ao grupo dos radicais (geralmente, nas discussões políticas, consideram-se os radicais como homens de esquerda, mas é uma ilusão).

Analogamente, um Son-in-Law, um Hurry On, um  Precipitation, um Alycidon, trazem em si as características de um extremo conservantismo, porquanto, não conseguem, a não ser rara e esporadicamente, escapar ao esquema rígido e bem definido, que os faz protagonistas de determinadas provas em determinadas distâncias, como é demonstrado pelo fato de que, só em 1963 no Derby Italiano foi inscrito entre seus vencedores o nome de um descendente de Son-in-Law, chamado Braccio da Montone, gerado, contudo, por um garanhão francês Vandale, no qual as primigênias qualidades de solidez a toda prova combinaram-se com o ecletismo francês.

O mesmo acontece com os dois grupos dos intermediários e dos clássicos, que correspondem à centro-esquerda e ao centro, ou seja, aos progressistas e aos moderados. Quantas vezes não se falou da diferença entre os dois irmãos próprios Fairway e Pharos?

Pois bem, Fairway é um revolucionário um tanto perigoso, enquanto Pharos é simplesmente um progressista de notáveis qualidades individuais. O uso de Fairway reserva sempre surpresas amargas; de Blue Peter, que serviu principalmente para produzir modelos magníficos de cavalos de montaria, Tesio soube extrair Botticelli, que porém era um cavalo bem difícil de ser utilizado, e de Botticelli nasceu Antelami, que naufragou no St. Leger de Doncaster de uma maneira que nem sequer conseguimos imaginar pudesse acontecer com um Ribot ou um Tenerani.

Ao contrário, quem usa Pharos, sabe que pode contar com um certo resultado mínimo garantido e algumas vezes tem a agradável surpresa de ver superado esse mínimo. Assim, o uso de Bozzetto, Signal Light, Brueghel, etc., produziu resultados animadores nos mais diversos ambientes e até mesmo de El Greco, que, em termos imediatos, foi um malogro devido à sua fragilidade intrínseca, mas que mereceu uma reprodutora que deu origem a Ribot, que foi muito além da expectativa.

No centro de nosso alinhamento, encontramos justamente os clássicos, ou seja, os que realizam o perfeito equilíbrio, que, como todos sabem, é coisa muito rara e de fato, durante todo este século, pouquíssimos produtos pertencentes a um número de estirpes ainda mais restrito conseguiram elevar-se a este cobiçado pedestal: 

1) Swynford, Blandford, Blenheim; 

2) Rock Sand,Tracery;

3) Gainsborough; 

4) Tourbillon; 

5) Count Fleet;

6) Bull Lea; 

7) Prince Rose;

e isto no que diz respeito aos únicos chefes-de-raça por mim considerados como tais e prejudicar as atualizações que estou preparando.

Mas, como o hemiciclo parlamentar e a própria sociedade não poderiam viver apenas de expoentes de centro, também o puro-sangue não poderia viver apenas de sumidades  clássicas. Um produto com pedigree inteiramente baseado cm Blandford ou em Gainsborough seria talvez uma perfeita peça de museu, aias faltar-lhe-ia ainda algo para ser realmente vivo. Este "algo" deve provir da colaboração de todos os grupos genealógicos e, por esta razão, ouso esperar que a escolha de um número suficiente de chefes-de-raça, por dosagens, expoentes dos cinco grupos, possa servir para individualizar com precisão maior, a priori, o tipo de cavalo que se deseja produzir. Com isto não pretendo dizer que a dosagem em si e por si permite conhecer por antecipação se o resultado será um derby-winner ou um handicapper, mas apenas que a dosagem, observada e aplicada em muito tempo dentro dos limite da lógica e do bom senso, deverá, necessariamente, aproximar de tudo o que foi precedentente programado, segundo as intenções e necessidades do criador.

É verdade que este resultado também pode ser observado empiricamente, pelos criadores que cruzam suas reprodutoras com "o que há de melhor ao mercado", porém, corre-se o risco de seguir demais a moda e a moda faz brincadeiras de mal gosto na criação do puro-sangue porque, como tem sido fartamente demonstrado, pode fazer que o concorrente estrangeiro vença importantes provas das competições internacionais nas quais a derrota do país hóspede não é representada pelos milhões do prêmio que vão para o exterior, mas pelo incremento do valor do mercado dos produtos do país convidado, que significa uma automática perda de possibilidades por parte do pais hóspede no sentido de fazer valer os mesmos preços no exterior no mesmo momento, considerando a enorme diferença de valor do mercado existente em qualquer momento e o pais entre o primeiro e o segundo colocador em unia grande prova internacional.

Tomemos, como exemplo, o pedigree de uma potranca de êxito, Claudia Lorenese. Nele encontramos 30 chefes-de-raça, entre os quais 5 brilhantes (Cicero, Phalaris 2x, Nearco, Hyperion), 6 intermediários (Havresac II 4x, Pharos, The Tetrarch), 3 clássicos (Gainsborough, Blandford, Swynford), 13 robustos (Rabelais 5x, Spearmint 4x, Chaucer 2x, Sunstar, Teddy), e 3 profissionais (Hurry On 2x, Rayardo). O diagrama de Claudia Lorenese, portanto, é 5-6-3-13-3, ou seja, um pedigree robustamente assentado sobre as meias atas e, entre estas, com predomínio esmagador da centro-direita, isto é, presumivelmente, da tenacidade, da duração, do fundo. As alas, entretanto, vêm a ser um tanto fracas e, principalmente, o centro é fraco. Uma dosagem ideal, com efeito, seria 5-5-5-5-5 e, embora esta fórmula seja teórica e dificilmente realizável, contudo, com cruzamentos oportunos e sucessivos, seria possível chegar a uma aproximação e, cai todo caso, a um equilíbrio entre as cinco partes componentes.

O índice de consistência de Claudia Lorenese é de 5 : 5 = 5, isto é, mais do que suficiente pala uma campanha plenamente satisfatória, especialmente tratando-se de unia fêmea. Convém notar que todas estas considerações poderiam ser feitas no momento de decidir o cruzamento entre os pais de Claudia Lorenese: Tissot e Torre Paola.Não há, portanto, nenhum critério a posteriori, mas si uma avaliação a priori das consequências possíveis prováveis do próprio cruzamento. E mais: este exame a priori indica que, dos 30 chefes-de-raça da contagem, apenas 8 são trazidos pelo pai Tissot e cerca de 22 pela mãe Torre Paola.

A tendência à centro-direita existe, portanto, na reprodutora e pretendeu-se corrigi-la restabelecendo um certo equilíbrio clássico mediante o cruzamento com Tissot. Com efeito, se examinarmos o pedigree de Torre Paola do ponto de vista convencional, leremos a confirmação, por assim dizer, organológica: Star of Gujrath e Ninfa, de Cola D'Amatrice e Paranzelia, de Isso e Nacline, de Nesiotes e Naushon, de Burne Jones.

Os nomes da sequência Cola D'Amatrice-Isso-Nesiotes-Burne Jones são justamente elementos de centro-direita; nenhum deles é, individualmente, um garanhão chefe-de-raça, mas todos são portadores de características utilitárias. Acontece, porém, que Tissot, em têrmos genealógicos, é portador de elementos mais sólidos do que clássicos: de fato, seu diagrama é 1-2-0-4-1, isto é, também mais forte nas meias alas do que no centro, faltando-lhe, aliás, elementos clássicos e residindo sua força justamente no fato de que pode constituir um válido outcross com todas as reprodutoras já saturadas de elementos clássicos.

Pode-se supor, portanto, que ambos os partners deste cruzamento possam obter resultados ainda mais brilhantes, conjugando-se, respectivamente, unia reprodutora e um garanhão de características mais marcadamente clássicas. Mas este resultado será alcançado da mesma forma estudando-se um cruzamento adequado para Claudia Lorenese. Nesse caso, pode-se escolher um garanhão mais forte no centro do que nas alas e o resultado do cruzamento será um produto com um diagrama mais equilibrado e, ao mesmo tempo, com uma grande riqueza de presenças de chefe-de-raça.

Este processo é estranhamente simples e praticável por quem quer que seja com a máxima facilidade, mas, ao mesmo tempo, deixa certa margem à apreciações individuais, evitando o mecanismo excessivo de certos cálculos baseados na distância média dos pais e antepassados e que pretendem especificar quanto fundo, quanto meio-fundo ou quanta velocidade terá um cavalo em termos de metros ou jardas. Em sua base, naturalmente, existe o pressuposto de que a divisão dos chefes-de-raça em cinco grupos seja fundamentalmente exata e que os indivíduos escolhidos para formar os grupos sejam os corretos. Como se trata de uma escolha sugerida por um critério puramente pessoal, não é infalível, mas nada impede que cada criador, preocupado com o futuro de seu negócio, forme uma tabela pessoal, que poderá divergir da minha em escala maior ou menor.

Ao mesmo tempo, quero repetir que minha escolha de garanhões chefes-de-raça segue um critério critico e não estatístico e que nunca perdi de vista a noção de que o estudo do produto em si é mais importante do que o estudo de qualquer linha hipotética ou sucessão dinástica que, em termos gerais, com frequência é mais uma ilusão do que uma realidade. Com efeito, pode-se notar que pai e filho pertencem muitas vezes a grupos diversos: Swynford, Blandford e Blenheim são todos considerados clássicos, mas Alycidon encontra-se no grupo dos profissionais. Teddy acha-se entre os robustos, mas Bull Lea está entre os clássicos. Bayardo está entre os profissionais, mas seu filho Gainsborough está entre os clássicos e o filho deste, Hyperion, entre os brilhantes. Da mesma forma, o brilhante Nearco é filho do intermediário Pharos e da reprodutora, Nogara, filha do intermediário Havresac II, e, se no futuro for preciso acrescentar outros nomes à lista, provavelmente o filho de Nearco, Mossborough, merecerá um lugar entre os clássicos. Não existe, portanto, direitos divinos em minha lista, mas um exame individual que, todavia, necessita uma atualização constante. Estes instrumentos de medida exigem, com efeito, uma reavaliação continua e por essa razão a escolha de nomes suplementares impõe-se desde já, como espero apresentar no próximo capítulo.


(continua)