quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Reynato Sodré Borges - 9ª carta

 



Na foto a excelente Amazone, cruzamento planejado por Reynato Sodré Borges.



Meu Caro amigo,

 

Recebi sua carta, onde pede orientação para adquirir um garanhão. Quanto ao picadeiro que me perguntas, não é difícil de fazer e na oportunidade darei as opções, para você escolher entre um ao ar livre ou um coberto, que deverá ficar próximo ao boxe do garanhão, para ser aproveitado como local para coberturas.

Mas quero desde já botar “mosca azul” na sua cuca, com a possibilidade de fazer uma pequena pista de treinamento para os yearlings. Caso a sua propriedade permita uma pista entre os 900 e 1200 metros de volta fechada com 8/10 metros de largura, você gozará de um dos maiores prazeres de um criador de PSC, que é ver seus potros iniciando em corrida e inclusive já efetuar julgamentos iniciais da potrada, como era feito no Haras Tibagi e é feito no Haras São José & Expedictus.

Quanto ao garanhão lembro que seu haras está situado em importante centro criatório do nosso tufe e onde não é pequena a oferta de coberturas de bons garanhões. Caso não me falhe a memória, já existe mais de 40 haras entre Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. O Posto de Monta em Teresópolis já está em fase final de construção. O número de garanhões é elevado e mesmo nos sindicalizados, sempre haverá a possibilidade de se adquirir quota.

Vou citar de memória, pedindo desde já desculpas pelas omissões, garanhões que estão sediados na serra e para os quais você deve voltar a sua atenção. Dos extrangeiros: Parnell (cavalo de primeiro time na Europa, 1º Prix Jean Prat, 1º Irish Saint Leger, 1º Jockey Club Cup, 1º Queens Vase e 2º King George VI & Queen Elizabeth Diamond Stakes, 2º Washington DC International,  que deve atingir fácil o nosso 1º time, se não o de seleção), Hang Ten (bom cavalo norte-americano vencedor de grupo 2 e deve produzir bem), St. Ives (cavalo de boa saúde – campanha longa, bonito e com linha materna soberba, já começa a produzir bem, sendo que o clássico Nagami se destaca, Ecletic (3º Prix Daphnis) e Exact (Grand Prix de Lyon). Dos nacionais temos: Daião (GP Brasil), Macar (GP Cruzeiro do Sul), Revolution (GP Cruzeiro do Sul), Tonka (GP Pres. da República – RJ), Frizli (GP Estado do Rio de Janeiro), Grão Ducado (GP Ipiranga), mais os também clássicos Fólio, Juanero e Yanbarberik. No Haras Vargem Alegre encontram-se o bom corredor Walad, que apesar de pouquíssimas oportunidades já produziu o clássico Waladon.

Espero que você entre de sócio do JCSP, pois facilitará o seu acesso aos garanhões do Posto de Monta Luiz Oliveira de Barros em Campinas. Aconselho que estude acasalamentos com o notável ZENABRE e também com Breeder’s Dream, que pertence a uma explendida linha materna. Em outros haras de São Paulo, que disponibilizam coberturas, você poderá utilizar Millenium, Sahib, Figurón, Xaveco, Nageur, Rhone, Tonnerre e Arnaldo. Gosto especialmente de Sail Through e acho que se Dom Quixote tiver maiores oportunidades vai produzir bem. O Haras São José & Expedictus disponibilizou para venda de coberturas, em sua seção de Campinas, os ótimos Lucarno e Orpheus. No Paraná o cavalo Giant me fascina, é filho do extraordinário CIGAL, garanhão que comentarei em momento apropriado. Por falar em Cigal me lembrei de seus outros filhos Lunard, que serve em São Paulo, e Pepone, que também serve no Paraná. Ambos excelentes opções. No Rio Grande do Sul você poderá dispor em Bagé de Egoísmo e Heathen, em Vacaria de Nermaus e George Raft. 

Todos os nomes que citei acima são de garanhões passíveis de se comprar coberturas. Em um lindo sonho poderíamos sonhar com Earldom, Sabinus, Locris, Waldmeister, Felicio, Tumble Lark, Pass The Word, St. Chad, Tratteggio, mas...

Tudo isso é muito bonito e relembrando esses garanhões, até eu mesmo estou surpreendido como a criação brasileira dispõe de excelentes opções e poderemos através da produção desses garanhões formar excelentes linhagens para o futuro! Mas é indispensável, uma boa criação, senão nada obterá dos melhores acasalamentos. Não existe filhos de bons animais e de acasalamentos tecnicamente corretos que resista a piquetes pobres, alimentação de 2ª ordem e a uma fiscalização e atendimento de 3ª ordem. E não se esqueça que as éguas devem ter boa linha materna clássica, serem elas mesmo de padrão clássico ou vencedoras comuns consistentes. Também não devem ter tido longas campanhas.

Mas, quem sabe, o acaso favoreça e venhas a comprar uma filha de Mogul que você deverá mandar, sem vacilar, para ser coberta pelo Honeyville. E no caso de comprar uma égua da linha da Palina tente a servir com Sabinus e caso não consiga esse serviço use seu filho Daião. Estarás repetindo Sabinus e terás um inbreeding sobre Palina! Conseguiu uma filha da Argúcia, mande para o Isaton (um filho clássico de Tang) que está no Haras Louveira. Não fique surpreso, nem pense que estou pilheriando, meu bom amigo, pois desse modo, foram obtidos ou melhor dizendo, acertaram o alvo (nick) obtendo com essas combinações de linhagens masculinas, pela ordem citada cima, a Fitz Emilius, Daião e Arnaldo, todos notáveis ganhadores do turfe brasileiro.

Esse nick (jogada favorável, acertar no alvo, ponto crítico) é o maior desejo do criador consciente e, em 99% das vezes é obra do acaso. Porém depois de obtido, passa a ser a meta principal do criador. Temos como exemplo a combinação TOURBILLON – ASTERUS, um dos pilares da criação Boussac, e que o Haras São José & Expedictus repetiu usando Fort Napoleon nas éguas por Formasterus. Filhos de Nasrullah com éguas Princequillo. Na Argentina Snow Cat com éguas por Claro e outros mais.

O mesmo se busca com os irmãos próprios. Quando jovem, eu ouvia falar do 3 irmãos: Molok, Melik e Mehemet Ali, filhos de Diamond Jubilee e Melilla. De Cocles, Camerino e Codihué, todos por Copyright e Cecilia Metella. De todos esses irmãos inteiros era difícil saber qual fora o melhor. Tivemos no Brasil Timão, Zuido e Diese, 3 irmãos próprios por Swallow Tail e Nuvem. Qual foi o melhor? Recentemente, os magníficos produtos do acasalamento da égua Grã com Egoísmo que foram: Grão de Bico e Grão Ducado. Na Europa lembro dos irmãos próprios Pharos e Fairway, de Dante e Sayajirao, para não falar dos filhos de Saint Simon e Perdita...

Mas é necessário gravar que a criação do cavalo PSC não é uma ciência exata, o que constitui um dos encantos do turfe e uma de suas doces incertezas. Por exemplo, um garanhão ganhador do EPSON DERBY com uma égua ganhadora do OAKS, pode dar um produto de 2ª ordem. Apenas a meritocracia nas pistas não garante a obtenção de um craque, se assim fosse tudo seria de uma aridez simplicidade... Mas, não podemos negar a afirmativa que o bom cavalo tem sempre ancestrais bons. O importante é a criação baseada na combinação de linhagens reconhecidamente convergentes.

Me perguntaste também quanto ao tamanho ideal para um cavalo de corrida. O que te digo é esse é um aspecto irrelevante, sei que hoje existe um claro modismo nos EUA em selecionar cavalos enormes, na Europa esse aspecto certamente não pegará pois lá a seleção tem uma visão técnica e consequentemente tamanho não é parâmetro de qualidade no PSC. O norte-americano por questões culturais gosta de coisas grandes e chamativas, é só comparar os carros norte-americanos e os europeus...

Essa questão de qualidade me fez recordar HYPERION, que é a sua personificação em um PSC, se posso me exprimir desse modo. A qualidade é como a classe, fácil de constatar, mas, difícil de definir. Este filho de Selene, com o tríplice coroado Gainsborough, era pequeno e dizem que feio, e, por tal motivo Lord Derby, o seu criador, não o levou para licitação e ele ficou para defender as suas sedas. Hyperion foi líder dos 2 anos. Aos 3, ganhou em todas as 4 vezes que foi levado a raia, incluindo o Derby e o St. Leger.

Esta referência que faço sobre Hyperion é para chamar a sua atenção que o tamanho físico e a pelagem não são elementos dominantes na apreciação da qualidade. Muitos não gostam dos tordilhos, e veja só, a craque EDIÇÃO, que apesar de lindamente construída era tordilha e pequena, mas, tão pequena, que levada a leilão pelo Haras Mondesir sem base e sem defesa, não obteve nenhuma oferta. Correu defendendo a farda de seu criador e foi a vencedora que foi... Anteriormente a Edição posso citar EMOCIÓN, uma égua que corria com 430 quilos e que venceu dois Dianas, Emoción era filha do também pequeno ORSENIGO, que gerou os igualmente pequenos ESCORIAL e LOHENGRIN. Recentemente vimos IRME, uma filha de Earldom, que corria com 380 quilos aprontar nas pistas.

O tamanho físico não pode e não deve ser considerado como elemento de mérito na avaliação de qualidade em um PSC.

Já a performance constitui o elemento de mais fácil julgamento, nessa apreciação. Mas, querendo fazer o advogado do diabo, lembro que ALIBHAI por Hyperion em Teresina, que não correu, por ter fraturado sesamóide, quando em treinamento, aos 2 anos, foi garanhão líder nos EUA, por mais de uma vez. E, aqui no Brasil, o exemplo recente é o de CIGAL, que nunca foi apresentado as pistas por ter mancado de tendão aos 2 anos, produziu como garanhão de seleção, isto é, pai de vários ganhadores clássicos, além de um tríplice coroado. Então, o apressado concluirá que a performance também é secundária, o que não é verdade, pois, a custa dela é que vem sendo feita, há 300 anos, a seleção do PSC.

Cigal, era treinado por Harry Wragg e seu companheiro de cocheira era PSIDIUM, ambos nascidos em 1958. Harry Wragg em conversa pessoal me disse que Cigal era o melhor cavalo de sua cocheira naquele momento e que Psidium não conseguia o acompanhar nos treinamentos. Psidium veio a vencer o Epson Derby de 1961...



Ou seja, Cigal é o exemplo de um potencial cavalo de primeiro time que não pode exteriorizar em corrida a sua categoria. E aí está a resposta quanto ao tema importar garanhão que me fizeste. Caso decida por importar um garanhão, Cigal é o perfil do cavalo que você deve procurar dentro da ideia de um baixo investimento e com muito boa chance de sucesso na reprodução.

Acredito que Alibhai possa ter tido um histórico parecido ao de Cigal.

 

Reynato Sodré Borges

Tebas – julho - 1979