quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Varola - Análise de tendências - 6ª parte

 




(continuação)


O fenômeno do brilhantismo iniciou-se em escala mundial  com Phalaris, prosseguindo com Hyperion e Nearco. É um fenômeno típico do século XX. Não que anteriormente não tivesse havido cavalos especializados em velocidade, mas eram limitados em sua tarefa e não ascendiam a símbolos da raça. Na série de Vuillier, de fato, não encontramos nenhum cavalo especificamente brilhante, enquanto em qualquer série de chefes-de-raça do século XX não podem ser omitidos os nomes de Phalaris, Orby, Cicero e assim por diante até Fair Trial, Nearco e Nasrullah. A ascendência de alguns reprodutores brilhantes a ponto de chegarem a representar símbolos da raça está intimamente ligada à popularização do espetáculo hípico e, por esta razão, comparei os vários grupos de chefes-de-raça com o hemiciclo formado pelos parlamentares e coloquei os brilhantes como sendo da  extrema esquerda e os stayers mais os profissionais como da extrema direita. A evolução da competições hípicas, de passatempo de particulares para espetáculo destinado às massas, foi o que fez oscilar o pêndulo da direita para a esquerda, fenômeno idêntico observado no que diz respeito ao desenvolvimento geral da raça puro-sangue.

Já vimos que o flagelo da Inglaterra é o excesso de Phalaris, o excesso de Hyperion, o excesso de Orby e o excesso de Cícero e que a França, ao contrário, está quase  completamente livre destes sangues, podendo criar pedigrees até mesmo 100% isentos de brilhantismo. A posição da Itália é intermediária; aproxima-se mais dos índices do tipo francês do que aos do tipo inglês, embora a importação de sangue clássico inglês sempre tenha sido intensa, especialmente por intermédio das coberturas. Mas a Itália sempre teve uma apresentação genealógica característica, tocando-lhe a sorte de poder contar com importantes matriarcas, tais como Fausta e Catnip, ambas filhas de Spearniint; de absorver Tracery através de Nera di Bicci, Talma, Barbara Burrini e Ulrika Eleonora, de absorver Hurry On através de Nesiotes, Nuvolona, Athea, Captain Cuttle, Pilade e Niccolo DeIl'Arca e de ter Havresac II e Ortello como garanhões predominantes pelo período de vinte anos.

Um dos paradoxos da criação italiana no período entre as duas guerras foi, com efeito, que ela se valorizou além das fronteiras por influência dos produtos de Dormello, mas esta recebeu sua força básica dos garanhões da Razza Ticino em Gornate: Havresac II e Ortello.

O primeiro era estreitamente inbred sobre RabeIais e isento de elementos brilhantes no seu «pedigree», enquanto o segundo, além de filho de Teddy, era inbred sobre Hampton, protótipo da solides e era ainda portador de uma corrente de Rabelais. Nearco não funcionou na Itália. Hyperion jamais esteve presente em doses maçicas na Itália, mesmo porque se desenvolveu no período bélico, quando estavam  interrompidas as comunicações com a Inglaterra. Dos poucos "Fairway" italianos, Ettore Tito foi exportado ainda em tenra idade. Frederico Tesio sempre procurou os  garanhões clássicos na Inglaterra, jamais cultivou os velocistas e, embora os tenha utilizado, não foram estes os que lhe deram garanhões e reprodutoras importantes. Aliás, jamais houve na Itália um rico programa de provas para os velocistas.

Com justa razão, a revista "Turf y Elevage Sudamericano" pode registrar em um de seus números: "... consideramos que hay que ser cautor en eI empleo de los padrillos sprinter... Consideramos que los italianos son los que han sabido evitar esta moda perniciosa ... ". Nota-se que este elogio dirige-se especificamente à criação italiana e não a outras que também estão igualmente isentas do perigo dos sprinters.

Colocando no índice 4 a relação mínima entre sangues brilhantes e sangues consistentes, para alcançar as distâncias clássicas, notamos que todos os maiores vencedores italianos estão muito além desse índice. Citando ao acaso, temos: 

a) com índice 4 e 1/2, Ribot, Bragozzo e Antelami; 

b) com índice 5 e 1/2, Toulouse Lautrec; 

c) com índice 6, Traghetto, Molvedo, Scai e Malhoa; 

d) com índice 7, Tissot; 

e) com índice 8, Antonio Canale; 

f) com índice 14, Braque; 

g) com índice 16, Alipio, e assim por diante, 

isso usando para o cálculo apenas os 50 garanhões chefes-de-raça suplementares que brevemente apresentarei, os índices seriam ainda mais altos. E as fêmeas clássicas italianas apresentam em geral índices não menos altos que os dos machos. Por exemplo, o de AIibeIIa é 6, o de Bronzina é 8, etc.

Se, portanto, o problema italiano fosse apenas o  de obter dosagens suficientes, já estaria resolvido e os criadores italianos poderiam dormir tranquilos. Mas, além do fato de que na criação de cavalos não é possível adotar tão cômoda posição, existem pelo menos três observações importantes a serem feitas, que atenuam em parte o otimismo das dosagens.

1ª -  As dosagens acima citadas são avaliadas posteriori, enquanto a grande utilidade da dosagem é a de permitir uma avaliação a priori. O criador pode determinar, antecipadamente, embora por ampla aproximação, as características da produção que deseja obter. É um trabalho a longo prazo que, uma vez iniciado, deve ser mantido de ano para ano e também por gerações sucessivas, a fim de obter resultados apreciáveis. A utilização das dosagens somente a posteriori pode servir, é verdade, como sinal de alarme; mas, considerando-se o ciclo um tanto longo das operações de criação, corre-se o risco de receber o alarme quando já é tarde demais para tomar providências. Portanto, as dosagens deveriam servir tanto ao estudioso, que as pode apreciar somente a posteriori, quanto ao criador, que é o único em condições de poder servir-se delas «a priori».

2ª - Os bons índices de consistência observados nos expoentes clássicos italianos não nos devem enganar, porquanto o índice é apenas o resultado sintético da dosagem, mas esta exprime-se antes de tudo e  principalmente pelo diagrama. Um diagrama ideal é 5-5-5-5-5 e, com relação a este ideal, o pedigree médio italiano apresenta pelo menos dois desajustes bastante graves: um no setor brilhante e outro no setor robusto.

No setor brilhante, a ausência é frequentemente exagerada até à inexistência. Em outras palavras, o índice não é obtido por relações tipo 25:5 ou 20:4, etc., mas por relações em que o dividendo se encontra contra um divisor 1 ou um divisor zero. Por exemplo, Braque é índice 14 porque este é o produto da divisão 14:1 e, da mesma forma, Sedan 12:0, Antonio Canale 8:0, Toulouse Lautrec 11:2, Bonnard 8:2, Bragozzo 9:2, Ribot 9:2, etc. Isto é, os expoentes clássicos não possuem em geral mais de um ou dois nomes brilhantes no pedigree e, com frequência, não possuem nem mesmo um. E verdade que é preciso controlar a influência brilhante para evitar que ela venha a predominar em detrimento de outras qualidades, mas também é verdade que não é possível prescindir totalmente da contribuição brilhante para fazer progredir a raça. Pode-se, portanto, afirmar que a criação italiana evitou os prejuízos do brilhantismo de tipo inglês, mas ao preço de não poder infundir em seus produtos a dose que em cada caso seria desejável. O mesmo pode-se dizer, ao contrário, com relação aos nomes robustos. Há um excesso destes e é comum no pedigree italiano a distribuição, por exemplo, 2-4-4-8-4, na qual como se vê, o índice de consistência 20:2 = 10 é obtido não só a custa da escassez de nomes brilhantes, mas também graças à exagerada presença de nomes robustos. Estes últimos são apreciados, mas sua superabundância pode dar origem a uma certa vulgaridade que pesa quando, por exemplo, um garanhão italiano se encontra em atividade no Exterior, em um ambiente de qualidade difusa média. Portanto, também a abundâncIa de Spearmint e de Rabelais, que se encontra na criação italiana, foi a que  a salvou da inconsistência, mas pode, caso seja demasiado acentuada, criar uma monotonia genética que, a longo prazo, se reflete na qualidade média.

Como prova do que acima foi dito, apresento o seguintes dados relativos a diversos garanhões italianos vivos,  escolhidos entre os de nível médio e, portanto, típicos:

Índice de consistência

Morengo ......................17

Seaulieu ......................16

Verdun .........................13

Iroquois ....................... 11

Songkoi ....................... 8 1/2

Este ............................  8

Barda Toni...................  7

Golfo ........................... 7

Nakamuro.................... 7

Fiorilio ........................  6

Scai ............................ 6

Alniorú .......................  4

Arísteo .......................  4

Tais índices correspondem aos seguintes diagramas:

Morengo...................... 0-2-3-9-3

Seaulieu ......................1-3-2-9-2

Verdum ....................... 0-0-3-8-2

Iroquois ....................... 1-2-3-4-2

Songkoi ....................... 2-2-2-9-4

Este.............................. 0-1-0-7-0

Barba Toni ................... 2-2-3-6-3

Golfo.............................1-1-0-6-0

Nakamuro.....................1-2-1-3-1

Fiorilio...........................1-1-2-2-1

Scai ..............................1-1-1-2-2

Alinoró ..........................1-2-0-2-0

Aristeo ..........................1-0-0-4-0


Somando-se os vários grupos, nota-se que as presenças do setor robusto (71) são mais numerosas que as dos outros quatro setores reunidos e que as presenças do setor brilhante (12) são inferiores às de qualquer outro setor (intermediários  20, clássicos 19 e profissionais 20).

3ª -  As duas observações precedentes levam inevitavelmente à terceira: o velocismo na Itália é quase inexistente. Quem desejar, criar velocistas fá-lo-á por sua própria conta e risco, porquanto nos programas não existem prêmios adequados a tal especialidade. Esta ausência de especialização evita o perigo do brilhantismo, mas, repetimos, levada ao excesso, evita também a introdução na criação da porcentagem justa de sangue veloz, necessária à evolução natural. O defeito dos pedigrees italianos é o de serem demasiado pobres em sangues nobres, não obstante as notáveis importações de reprodutoras e de coberturas.

Uma primeira providência poderia ser a de instituir uma grande prova nacional de milha, precedida e contornada por outras provas adequadas. Se isso chegasse a diminuir alguns dos inumeráveis grandes prêmios que atulham os programas, o mal não seria tão grave e a vantagem a longo prazo constituiria uma compensação mais do que adequada.


(continua)