quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Influência da idade da mãe

 


Risota aos 23 anos, no Haras Faxina, com o derby-winner Rabat (Tratteggio) ao pé. Foto histórica de José Laudo de Camargo.


O envelhecimento materno influencia negativamente o desenvolvimento e o desempenho em corrida de seus filhos? 

Esse é um tema muito levado em consideração e bastante questionado por aqueles que pretendem adquirir uma égua de mais idade para seu haras.     

Para testar essas hipóteses o pesquisador Sota Inoue, Nagoya University e Kyoto University, examinou o efeito da idade da reprodutora no desempenho em corrida de sua prole. Foram estudadas 9.686 éguas, cujas idades variaram dos 2 aos 25 anos e 695 garanhões, de 3 aos 27 anos. 

No geral, os resultados mostraram que o desempenho em corrida dos cavalos nascidos de éguas mais velhas foi menor do que o de cavalos nascidos de éguas mais jovens.

Entretanto, modelos mistos indicaram que a qualidade dos garanhões está significadamente associada ao desempenho de corrida da prole, ao invés da idade da égua em si. Consequentemente, o envelhecimento materno foi insignificante ou apenas limitado e, ao contrário, a qualidade do pai é que foi estatisticamente o mais importante quanto ao desempenho em corrida dos produtos. O que foi constatado é que a medida que uma égua envelhece, ela é enviada para garanhões de menor desempenho, em média, e esse é um fator determinante dos resultados das corridas das éguas mais velhas.   

O estudo com link abaixo, forneceu uma nova perspectiva científica sobre o efeito do envelhecimento materno no desempenho atlético de suas proles e no complexo sistema da criação de cavalos PSI. 

Ao se adquirir uma égua de mais idade oriunda de outros campos de criação, sempre julgamos que diversos aspectos, e não apenas a idade, são mais importantes para serem considerados.


Influence of broodmare aging on its offspring's racing performance 

https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0271535



Desejamos a todos os nossos clientes, amigos e leitores os melhores votos de um Feliz Natal e Próspero Ano Novo.




sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Alipio e como se prospectar um ótimo garanhão

 

Na falta de uma foto de Alipio fica o craque Orpheus, seu melhor filho brasileiro.




A importação de Alipio mostra como é possível encontrar um excelente garanhão fora do senso comum, e é mais uma lição que Francisco Eduardo de Paula Machado deixou para o turfe brasileiro.

Com o declínio físico de Fort Napoléon tornava-se fundamental encontrar um substituto a altura do pastor-chefe do Haras São José & Expedictus.

Dr. Francisco sempre atualizado com o turfe europeu conhecia o histórico de Alipio e o escolheu como sucessor de Fort Napoléon. Alipio teve uma campanha sui generis, pois debutando aos 3 anos mancou no fim dessa campanha, reaparecendo somente aos 6 anos de idade. 

Nessas duas temporadas Alipio demonstrou boa categoria, tendo participado somente em corridas de nível clássico. Venceu 11 provas, dos 1500 aos 2400 metros. Foi 2º colocado no GP della Repubblica, derrotado no photochart por Sedan (o craque da geração), também foi 2º no GP Cittá di Roma e 3º no St. Leger Italiano.

Seu pai Verso II, foi o melhor cavalo francês em seu tempo, tendo vencido os Prix de L'Arc de Triomphe, Prix du Jockey Club, Prix Royal Oak, Prix Hocquart, Prix Kergolay, Prix de Condé e Grand Prix de Deauville. Também foi excelente reprodutor, dentre seus melhores produtos podem ser destacados  Lavandin (vencedor do Derby de Epson) e Barbara Sirani (líder italiana 2yo e 3yo). Como avô materno também demonstrou ótimo desempenho, tendo entre outros netos, Le Fabuleux (Prix du Jockey Club) e Pretendre (King Edward VII Stakes). Foi o lider da estatística de avô materno na França em 1964.


Verso II.

Alipio pertencia a E.V. Crespi, um pequeno criador/proprietário que atuava entre a Itália e França. Levado para a reprodução em 1960, já com 7 anos de idade, teve apenas 20 filhos corridos na Itália e provou ser um consistente reprodutor. Dentre seus filhos destacaram-se Chio (8 vitórias, inclusive o St. Leger Italiano; 2º no Derby Italiano; 2º no GP di Milano; 2º na Coppa d'Oro di Milano; 3º no GP d'Italia e 3º Prêmio Parioli), Fauno (1º Derby Trial Italiano) e os vencedores clássicos Conte d'Argento, Orlono e Vacuna.

Chio e Fauno nasceram em 1963, Alípio foi importado no início de 1966, antes que esses seus 2 filhos fossem vencedores do que hoje chama-se provas de grupo. Nas estatísticas de 1966 na Itália, Alipio com apenas 13 produtos em corrida, ocupou o 6º lugar, sendo que todos os seus filhos foram vencedores e levantaram um total de 33 provas.

Dr. Francisco explicou que os 4 filhos de Alipio nascidos em 1961 e 1962 haviam sido monitorados, e que todos foram bons vencedores, sendo que 2 haviam vencido provas clássicas*. 

*Nota: Acreditamos que, nos termos de hoje, essas provas clássicas seriam consideradas listeds. 

Somava-se que Alipio era dono de régio pedigree, pois além de ser filho de Verso II, sua terceira mãe Alena foi uma vencedora do Gran Criterium e do Oaks Italiano e também avó materna de Alberigo (líder de sua geração na Itália com 14 vitórias, 1º 2000 Guinéus Italiano, 1º 2x Prêmio Omnium - Coronation Cup, 2º Derby Italiano, 2º Gran Criterium, 2º GP di Milano, 2º GP di Napoli, 3º Criterium Nazionale, 3º GP Cittá di Roma, etc.).

E Alberigo servindo no Haras Mondesir, com pouquíssimos filhos, já havia produzido o destacado parelheiro Egoísmo (1961), vencedor dos GP's Derby Paulista, Conde de Herzberg, Outono e Antenor  de Lara Campos. Consequentemente a proximidade familiar materna de Alberigo agregava valor para Alipio como reprodutor. 

Alipio é um exemplo de que ao se saber interpretar tecnicamente todo o histórico de um cavalo é possível se aumentar as possibilidades de sucesso na escolha de um garanhão. Dr. Franco Varola sempre citava a importação de Alipio como o modelo a ser seguido dentro de um máximo que o conhecimento do PSI poderia alcançar.

Infelizmente Alipio morreu em 1969, apenas 3 anos após a sua importação, tendo deixado 4 diminutas gerações no Brasil, das quais somente 20 produtos foram apresentados às pistas. Destes, 6 foram ganhadores black-type, totalizando o extraordinário número de 30% de sucesso na classe.

A lamentável curta passagem de Alipio em nossa criação experimentou uma tragédia. A queda de um raio nos pastos do Haras São José ceifou a vida de 10 de suas filhas - Obalala, Odalisque, Odinea, Olguita, Omision, Orangerie, Orestia, Orion, Orsila e Ortygia - todas pertenciam ao lote elite daquela que veio a ser a última geração de Alipio.

A lacuna deixada por Alipio às vésperas da temporada de coberturas criou um contratempo, as cartas de monta para 1969 já haviam sido estudadas e as éguas direcionadas a Alipio já estavam definidas. Com a sua falta, o arrendamento de Chio (Alipio em Chiloé por Orsenigo) junto ao Haras Guanabara, foi uma solução pragmática para substituir seu pai e evitar dessa forma uma profunda alteração nos estudos direcionados a Alipio e uma quebra total das esperanças envolvidas nos mesmos. 

Dessa única temporada de Chio em Rio Claro nasceram em 1970, Pavane (4º GP Henrique Possolo), que vindo a ser servida por Falkland gerou o craque Baronius, Pilcomayo (1º GP Estado do Rio de Janeiro) e Porto Alegre (2º GP Derby Club, 3º GP Oswaldo Aranha e 3º GP Pres. Vargas).

A utilização de Chio em substituição ao seu pai Alipio, deixa evidente o pensamento cartesiano de Francisco Eduardo de Paula Machado como criador de PSI.









domingo, 11 de dezembro de 2022

Emerson e os equívocos da criação brasileira



O "europeu" Emerson.


Assistindo uma antiga live no YouTube, houve assombro com a declaração de que o Brasil criava no passado animais que podiam ser classificados como "puro-sangue brasileiro", e subentendeu-se que esse tratamento pejorativo era em razão de serem portadores de genéticas supostamente de menor qualidade. 

De fato a criação brasileira sofreu a partir da década de 90 a influência de agentes com interesses econômicos na criação norte-americana e os haras brasileiros foram infestados, de forma quase que majoritária, por indíviduos de quinta categoria oriundos daquele turfe. 

Portanto, se o espaço-tempo referido naquela live está compreendido após os anos 90 concordamos com tal assertiva. Mas se a referência está para antes dos anos 90 somos obrigados a discordar. 

A criação brasileira do final dos anos 1940 ao fim dos 1980 importou garanhões como Coaraze, Swallow Tail, King Salmon, Sayani, Mât de Cocagne, Alberigo, Orsenigo, Felicitation, Sandjar, Hunter's Moon, Birikil, Royal Forest, Normanton, Violoncelle, Pharas, Faublas, Cadir, Téléférique, Fort Napoléon, Blackamoor, Karabas, Cigal, Dragon Blanc, Elpenor, Waldmeister, Felício, Alipio, Tratteggio, Locris, etc. Infelizmente todas essas genéticas estão hoje praticamente perdidas e graças aos interesses daqueles profissionais que convenceram os criadores brasileiros quanto a necessidade de "modernizar" seus plantéis. Logicamente com a importação de animais norte-americanos seja lá de que qualidade for. 

Entendemos que o abandono das éguas e mesmo garanhões descendentes dessas linhas anteriores a década de 90, mais o advento da importação de genética norte-americana discutível, criaram a atual situação de baixa qualidade do plantel PSI no Brasil. 

Um aspecto importante é quanto a tipologia funcional e que se reflete na morfologia do cavalo de corrida. Nossos principais hipódromos tiveram suas pistas projetadas e construídas dentro do modelo europeu. Grandes retas entre os 600 e 750 metros com curvas de arcos abertos e a genética europeia é selecionada para desenvolver o seu melhor esforço nessas condições de desenho de pista. 

Já a genética norte-americana é selecionada de forma diametralmente oposta, seus principais hipódromos possuem retas com média 250 metros de extensão e arcos de curva fechados. 

Outro aspecto fundamental é que as nossas provas de elite com maiores dotações são na pista de grama e a genética norte-americana é selecionada para correr no dirt, que dependendo do hipódromo pode ser qualquer coisa, desde terra batida até uma areia de estuário.

Evidentemente se tivermos uma prova em 2400 metros na grama, formada unicamente por filhos e/ou descendentes de éguas e garanhões norte-americanos inferiores com genéticas aptas para o dirt e mesmo inaptas para a distância, algum cavalo terá que chegar na frente... E o PSI criado no Brasil segue em sua curva descendente de qualidade técnica.

Sem maior esforço de análise é mais do que claro que a melhor genética para as nossas principais provas é a europeia. Tal fato não impede de termos algum respeito por garanhões norte-americanos como Kitten's Joy, English Channel, Medaglia d'Oro, War Front e More Than Ready, mesmo sabendo que os parelheiros europeus quando levados aos EUA, para disputarem os grandes embates internacionais na grama, esmagam as genéticas locais. 

E isso acontece em desenhos de pistas totalmente inadequados as suas características de esforço atlético quanto a sua seleção zootécnica.


Retornando a Emerson... 


Em cinco apresentações aos três anos, Emerson não perdeu uma só carreira. Estreou em 1400 metros, na pista de areia, três semanas depois venceu os 1800 metros, na raia de grama, do Clássico America. No dia 15 de Novembro, venceu na Gávea o GP Cruzeiro do Sul - Derby Brasileiro e completou a série como líder de sua geração, com sua convicente vitoria no Derby Paulista. Em 1962, seguiu para  correr em Cidade Jardim no 5º Derby Sul-Americano, importante carreira internacional lamentávelmente extinta, obteve sua última e esmagadora vitória diante dos melhores 3 anos sul-americanos.

Emerson foi levado para reprodução na França, onde se destacou como excelente garanhão.



Emerson, com a elegância de seu biotipo europeu retornando após sua vitória no Derby Sul-Americano. Obs: Nessa prova Emerson correu com 462 quilos, segundo programa da época.




Acima pedigree de Emerson, para análise de nossos leitores quanto a qualidade do "puro-sangue brasileiro" do passado. 






                                     




quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

O Efeito Avô Materno

 

                                

Secretariat, considerado o melhor avô materno do turfe mundial.


                        O EFEITO AVÔ MATERNO

 

Em 2022 o Dr. Douglas Antczack, Baker Institute for Animal Health, apresentou na 50º Conferência Anual de Genômica Equina um estudo no qual citou a hipótese do Genomic Impriting ou Efeito Avô Materno. A teoria do Efeito Avô Materno levantada pelo Dr. Antaczack tomou forma a partir das descobertas do Dr. W.R "Twink" Allen no final da década de 60 e do Dr. Azim Surani em 1986.

O Dr. Allen descobriu que um hormônio que aparecia em alto nível em éguas prenhas aparecia em baixo nível nas jumentas prenhas, quando as duas espécies eram cruzadas para produzir bartodos (cavalo x jumenta) e mulas (jumento x égua). A observação de que um mesmo hormônio havia sido registrado em altos níveis nas jumentas que haviam sido prenhas por cavalos e em baixos níveis nas éguas emprenhadas por jumentos suscitou a idéia de que os machos influenciavam nos níveis hormonais das fêmeas, independente da espécie. Mas nenhum estudo avançou quanto a essa descoberta.

Não havia ainda uma resposta para tal questão até que o Dr. Surani manipulando óvulos de ratas fertilizados em ginogênese (contendo pares de cromossomos unicamente da mãe) e androgênese (contendo unicamente pares de cromossomos do pai) constatou que todo macho androgênico desenvolvia em suas mães grandes placentas e pouco tecido embrionário. Ao passo que as fêmeas ginogênicas desenvolviam em suas mães pouco volume de placenta e muito tecido embrionário 

Ficou então evidente que as cópias dos genes maternos não se comportavam da mesma forma como as cópias dos genes paternos, o que indicou que os machos exerciam maior influência no desenvolvimento da placenta e as fêmeas maior influência no desenvolvimento embrionário.

O Dr. Surani e colegas explicaram esse fenômeno com uma hipótese que se opunha a Primeira Lei de Mendel = cada caráter hereditário  é determinado por um par de fatores que se segregam, separam-se, durante a formação dos gametas, sendo assim, pai e mãe transmitem apenas um gene para seus descendentes, genes são dominantes ou recessivos. Os dominantes se expressam e os recessivos não, genes recessivos só se apresentam quando são pareados. Exceções são quando genes são codominantes ou se expressam em recombinação gênica.

A nova teoria proposta, na época, foi que alguns genes se expressam ou não dependendo do gênero do pai responsável pela contribuição do gene. Esse processo epigenético é conhecido por genomic impritingGenes de impressão materna são geralmente expressos quando herdados dos pais e genes de impressão paterna no caso de um gene que é transmitido pela mãe.

Na impressão genômica o gene metilado não se perde, ele fica aguardando ser transmitido, esses genes silenciados podem ser expressos na geração seguinte se for contribuído pelo pai do sexo oposto. Uma fêmea pode passar informação sobre um imprinted gene, mas apenas seu filho pode demostrar o efeito genético. E o raciocínio invertido pode ser aplicado ao macho, que também pode transmitir informação sobre um imprinted gene, mas somente suas filhas poderão demostrar o efeito. Isso explica alguns interessantes zig-zags da herança genética.

O Dr. Antczack concluiu que o efeito avô materno em cavalos pode ser o resultado de imprinted genes, pelo meio do qual a perfomance genética relativa a um garanhão é transmitida de forma inativa e não são ativados até que sejam passados a uma sua filha. Considerando a teoria do Dr. Antczak podemos acreditar que provavelmente a metade das filhas  de um garanhão, que fracassou como pai de ganhadores, podem ser soberbas mães e produzir indivíduos de primeira categoria.

A impressão genômica está relacionada com o gênero e é diferente da herança ligada ao sexo. Herança ligada ao sexo é a herança genética relacionada a genes presentes na parte não-homóloga dos cromossomos sexuais, ou seja,  que no caso do PSC é a capacidade de um garanhão ter de forma indiferente filhos e filhas grandes ganhadores. 


                              


Nessa apresentação o Dr. Antaczak versou como exemplos de sua hipótese a SECRETARIAT, GRAUSTARK, BUCKPASSER e KEY TO THE MINT,  destacados cavalos em pistas mas incapazes de procriar um macho que se aproximasse de suas qualidades, mas haviam sido capazes de oferecer filhas que se tornaram mães de extremo sucesso, produzindo inúmeros cavalos de exceção. 

De fato, ao examinamos os pedigrees dos exemplos que foram citados pelo Dr. Antczak, encontraremos que todos são em filhas de destacados avôs maternos e essas mães também possuem outros destacados avôs maternos em seus pedigrees. 

SECRETARIAT e KEY TO THE MINT têm como suas mães filhas de PRINCEQUILLO. BUCKPASSER tem como avô materno a WAR ADMIRAL e é o pai da segunda mãe  de KEY TO THE MINT. BLUE LARKSPUR é o pai de BUSANDA, a segunda mãe de BUCKPASSER e pai de RISQUE BLUE, a terceira mãe de KEY TO THE MINT. SECRETARIAT e BUCKPASSER possuem em suas linhas ventrais filhas de TEDDY, outro conhecido brilhante avô materno. GRAUSTARK segue o mesmo padrão quanto a presença de ótimos avôs maternos em sua linha ventral, ALIBHAI,  BEAU PERE e MAHMOUD. Todos esses garanhões citados acima, são reconhecidos na criação mundial como "pais de mães" e não "pais de pais".

Não é demasiadamente difícil  perceber o padrão de construção de um bom avô materno, mas para tal o criador deve além de talento ter muito estudo das estatísticas.

Em 1977 fomos surpreendidos pelo mestre Dr. Francisco Eduardo de Paula Machado com a notícia de que ele havia comprado KARABAS. Como habitué de sua biblioteca no palácio da rua Dona Mariana, sabíamos pelo acesso as publicações importadas, que KARABAS naquele momento já com 12 anos e mesmo tendo sido um corredor de primeira grandeza, não havia produzido nada de maior destaque. Daí foi feita a inevitável pergunta: "Qual a razão técnica para importar um garanhão já com certa idade e que não havia produzido nada?" A resposta: "Formar mães. Necessito mudar o rumo de minha criação e conto com o talento feminino de WILD RISK."

Não devemos esquecer que WALDMEISTER era filho de WILD RISK e já havia sido por diversas vezes avô líder nas estatísticas nacionais.

KARABAS, além de muito destacado avô materno, se tornou o mais importante pai de segundas e terceiras mães que já existiu na criação brasileira. Teve como ganhadores de grupo 14 netos, 18 bisnetos e 8 trinetos!

Entre todos os nossos mestres do passado, certamente o com maior compreensão para "formar plantel", conjugando linhagens convergentes, foi o Dr. Francisco Eduardo.

Tudo indica que a ideia de formar famílias maternas próprias não seja uma prática relevante à grande maioria dos criadores da atualidade no Brasil. Apesar do fato de que são os avôs maternos que imprimem um efeito duradouro na raça e na geração de importante parcela de seus melhores corredores. 

No Brasil os haras formadores e mantenedores de famílias maternas próprias são apenas dois, o Haras Santa Maria de Araras e o Haras Doce Vale. Não é uma mera casualidade que ambos obtenham geração após geração estrondosos sucessos com seus crioulos.

Nos alinhamos com o pensamento que o aporte adicional  de genes desse tipo de garanhões "femininos", na formação do plantel de um haras, esteja entre os aspectos mais importantes do élevage.

Esse tema fundamental já foi por tratado em:

pais-fracassados-e-grandes-avôs-maternos


Obs: ginogênese é uma forma de reprodução assexuada que requer a presença de espermatozóides sem a contribuição real de seu DNA para sua fertilização. O DNA paterno é destruído antes que possa se fundir ao ovo e androgênese é a mesma forma, mas, considerando o óvulo, contendo unicamente pares de cromossomos do pai. 

    


                                              







segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Classe Materna


   


 CLASSE MATERNA 

Por FLOYD OLIVER 


Esse tema faz parte dos tópicos mais controversos que temos escrito acerca do cavalo puro-sangue de corrida. É necessário que o leitor tenha uma mente aberta para que todas as informações apresentadas sejam apreciadas, porque em muitas formas  essas informações vão contra vários conceitos já estabelecidos e que são sustentados sem maiores bases técnicas.

Faz muitos anos decidi examinar os cavalos campeões para ver que nível de classe corredora havia sido alcançado por suas mães. Para levar isso a cabo, necessitaríamos de um índice que indicaria um nivel aproximado da classe corredora e que fosse válido para 1940 ou em 1980. Decidimos usar o "índice Tabor". Mr. William Tabor utilizou uma média entre o average earning por partida do SSI - Standard  Starts Index e o prêmio médio para o ano no qual se correu. Se um cavalo ganhou $5000 por partida  em um ano no qual o prêmio médio ou average purse  foi $5000 teremos um índice de 100, se ele ganhou $50000 por saída  teremos um índice corredor de 1000. Não que esse índice seja perfeito, mas é apropiado para os propósitos do nosso estudo.

Para começar, assinalaremos as mães dos vencedores de provas de grupo nos EUA, grama e dirt, de 1940-1982, que fizeram parte do estudo: 


Fig.1

Da informação da tabela 1 vemos que 2/3 dos campeões  são produzidos por mães cujos índices são maiores que 21, é evidente que o pior grupo é aquele cujas mães pertencem a pobre classe corredora 0.

Uma boa regra de aferição será que uma égua clássica com um índice de 100 ou mais e éguas entre 21-99 de index, vencedoras ou colocadas em  allowances, stakes e graded stakes são as mais consistentes mães.

Por exemplo, K.D.PRINCESS, a mãe de CONQUISTADOR CIELO, obteve um índice de 2.61 sobre o SSI e 43 pelo índice Tabor, seu race record teve 6 triunfos em 60 saídas  com ganhos de $68,293, ela foi placê em 5 stakes, esses stakes tinham valores entre $15,000 e $35,000, obviamente ela foi uma égua com alguma classe corredora, mas estava longe de estar entre as melhores. Por longo tempo estive dizendo aos clientes que a melhor oportunidade custo-benefício está em escolher um potro de éguas com índice 21-99.

MY CHARMER, a mãe de SEATTLE SLEW, obteve um índice de 45 con 6 triunfos en 32 saídas para un total de $34,133 em ganhos, ela foi uma ganhadora de stakes. WON'T TELL YOU, a mãe de AFIRMED, teve um índice de 56, con 5 triunfos em 21 saídas e ganhos de $21,210, ela foi uma ganhadora de allowances com nenhum placê em stakes, mas cujo índice corredor a coloca na mesma classe relativa  das mães de SEATTLE SLEW e CONQUISTADOR CIELO, isso é, estatísticamente as éguas elite, mas apenas boas vencedoras, são as que  produzem mais cavalos clássicos.  

Um último comentário sobre a classe corredora antes de seguirmos. Dos 287 campeões estudados, as mães super vencedoras clássicas e que alcançaram índices de 400 ou mais são apenas 6, e elas são:



Fig.2

Foi constatado que mães com índices superiores a 400 criaram somente 2 % dos campeões durante os 42 anos do período estudado. É ao redor do índice de 400 que a “lei da diminuição" surge, deste esse ponto em diante, quando se incrementa o índice corredor, a habilidade de produzir crias de exceção decresce. Lembre, eu digo cavalos de primeiro patamar, não ganhadores de stakes. Mães com índices de mais de 400 com frequência entregam ganhadores de stakes. Mas esses ganhadores possuem, em imensa maioria estatística, índices marcadamente inferiores aos de suas mães. Quando abordamos o tema “classe da mãe" sem avaliarmos seu índice, podemos nos equivocarmos pelo fato que um grande número  de ganhadores de stakes são produzidos por mães ganhadoras de stakes. E isso pode nos induzir a acreditarmos que uma maior classe corredora da mãe é melhor. 

Outra conclusão à ser destacada do index é quando essas mães de tão alto índice levantam o índice de suas crias. Na figura 2 podemos observar que, das 6 mães super-elite, 4 produziram corredores com maior índice que elas e esses corredores fracassaram na reprodução. TIN TAM só produziu uma boa égua, TOSMAH. FORWARD PASS e PERSONALITY  não foram nem regulares, PHALANX produziu apenas 2 bons cavalos, FISHERMAN e CAREER BOY. BOWL OF FLOWERS gerou de relevante como corredor apenas a SPRUCE  BOUQUET, cujo índice corredor foi de apenas 11% do de sua mãe.

Por outro lado, MAR KELL que teve um índice corredor da metade de sua mãe NELLIE FLAG, produziu  MARK-YE- KELL, cujo índice corredor foi de 742, ou seja três vezes mais que ela. 

Outro ponto interessante  é que BOWL  OF FLOWERS, mesmo que tenha produzido cavalos muito abaixo do seu próprio índice,  produziu 2 bons garanhões, eles são BIG BURN e  WHISKY ROAD. O último é um filho de NIJINSKY que serve na Austrália, onde é pai de STRAWBERRY ROAD, ganhador de sua prova mais importante, a Copa de Melbourne.

Também foi possível concluir nesse estudo que filhos campeões com índices mais altos que o de suas mães de alto índice, posteriormente tiveram pobre atuação no haras. Contrariamente, quando mães com alto índice produzem cavalos com um índice mais baixo eles são bons garanhões.

Outro bom exemplo desse fenômeno é MARSHUA, ela teve um índice de 820 e seus filhos obtiveram índices mais baixos. Logo sua descendência foi marcadamente inferior a ela como corredores, mas foram melhores que ela na reprodução. TURN TO MARS, que não correu produziu DEBBY’S TURN  ganhador de $469,000. Também MARSHUA DANCER produziu SYNCOPATE. Outra filha sua, CALL ME GODDES  com um índice corredor de 47  produziu SMUGGLY ganhador do grupo 1 Prix de Saint Alary. Outra de suas filhas PRINCESS MARSHUA, com um índice de 12 produziu MY DARLING ONE  ganhadora do Oaks, e MASHTEEN, outra de suas filhas, produziu a altamente rankeada em 1983 CEDILLA.

OS AVÔS MATERNOS SÃO A CHAVE

Analisando as mães dos 287 campeões  podemos ver  que de todas  desse variado grupo de mães, desde as que não correram até as que indexaram tão alto como 1000, são representadas por um substancial número de campeões. Isso nos assinala que mães de qualquer classe corredora são capazes de produzir campeões, mesmo em percentuais diferentes. Mas, o que essas mães possuem em comum?  O que lhes dá a habilidade de produzir campeões? A resposta é simples: OS AVÔS MATERNOS.

Examinando a lista  de campeões,  foi visto  que muitos dos sementais são repetidos, como suas filhas produzem mais de um campeão, alguns deles como PRINCEQUILLO, COUNT FLEET, WAR ADMIRAL e BULL LEA não necessitam apresentação. Mas, muitos não são familiares e foram ótimos corredores como  ON WATCH, o avô materno de STYMIE e MARKET WISE, ou WILDAIR que é avô materno de ALSAAB e BEWITCH, ou JACK HIGH, o avô materno de NEEDLES e PLATTER.

Para assinalar o quão é importante a influência dos avôs maternos  na habilidade materna para produzir altos índices de corredores, apresentamos  a lista de mães de campeões, com índices de 0, ou seja, as menos prováveis de produzir campeões.


Fig.3


SOMETHING ROYAL  é por PRINCEQUILLO, que aparece como avô materno  9 vezes nessa lista de campeões. A mãe do craque chileno COUGAR II, é filha de MADARA, que é irmão inteiro de ROYAL CHARGER. WAR GLORY, brilhante avô materno,  é irmão ¾ de WAR ADMIRAL,  um avô materno líder, com 6 campeões na lista. TIM TAM  é o avô materno de 3 campeões. PILATE é o avô materno de PARLO e pai de EIGHT THIRTY, ele mesmo um excelente avô materno e cujas filhas produziram os campeões EVENING OUT e JAIPUR. OMAHA produziu a mãe do campeão DOUBLE DOGDARE  e é também o avô materno de SUMMER TAN,  que por sua vez é o avô materno de TOP KNIGHT  e TEMPEST QUEEN, DISC DONC  é um meio irmão do líder materno CHICLE. SICKLE aparece na lista como o avô materno de 4 campeões.

As mães con índices de zero, que mesmo assim puderam produzir campeões possuem uma característica comum em seus pedigrees. Todas são filhas de garanhões com excepcionais rendimentos como avôs maternos ou são parentes próximas de excepcionais avôs maternos. Uma muito alta percentagem das mães desses 287 campeões têm essa condição como comum.

Curiosamente poderíamos entender que os melhores avôs maternos foram criados para serem avôs maternos. Seus pedigrees estão carregados  com os sangues de outros excepcionais avôs maternos, ao ponto que seu sucesso sobre o lado materno pode ser prognosticado.
Como um exemplo tomemos o excelente avô materno SAILOR. Os 7 garanhões encontrados nas primeiras 3 gerações de seu pedigree são, EIGHT THIRTY, PILATE, JACK HIGH, FRIAR ROCK, HIGH TIME , JHON P GRIER e MAN O’ WAR. Todos esses garanhões, exceto HIGH TIME,  podem ser encontrados como avôs maternos de ao menos onze dos 287  campeões estudados. HIGH TIME ainda que muito novo para ter  un impacto na lista, foi o avô materno líder nos EUA em 1940.

Concluímos que resta pouca dúvida sobre o potente impacto do avô materno sobre o pedigree no PSC. Quando mais sabemos dos avôs maternos melhores certezas teremos para a obtenção do sucesso nessa indústria. 

 

Tradução: Ricardo Imbassahy 

                                                                                                                              Nota do tradutor - Esse é um tema exaustivamente estudado no PSC e todas as conclusões induzem para estratégias de pensamentos convergentes. Em nosso blog o assunto já foi tratado em:

O Mito da Família Feminina.

Potencial papel da linhagem materna na criação do puro-sangue.







segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Vuillier, Karl Marx e o Derby Paulista





      
Karl Marx em belíssima imagem de Porfírio Menezes.



Antes de provar que é um corredor de alguma classe, o que é plausível para um vencedor do Derby Paulista, o pedigree de Karl Marx não poderia ser descrito como elegante. Muito provavelmente, se Karl Marx fosse apresentado em leilão não seria objeto de nenhum lance, quando muito R$ 100,00 de parcela e isso por não ter um pedigree "modinha". 

Mas, conforme mostrado pelos dados abaixo, seu pedigree está realmente dentro das normas dos pedigrees contemporâneos de primeira categoria, principalmente para a distância clássica.


Sadler's Wells (392) - 287

Northern Dancer(469) - 467

*Roi Normand(216) - 119

*Fast Gold(118) - 81

Mr. Prospector(152) - 212

*Waldmeister(224) - 224

*Clackson(227) - 227

Nearco(307) - 306

Native Dancer(199) - 203

Almahmoud(134) - 129

Hail To Reason(111) - 111

Raise A Native(87) - 151

Buckpasser(78) - 75

 

Os dados apresentados acima são baseados em nossas pesquisas sobre uma implementação do sistema de dosagem Vuillier. Os números de dosagem entre parênteses representam a contribuição genética média dos arquétipos listados nos pedigrees dos vencedores das corridas mundiais mais importantes desde 1984 e das brasileiras desde 1971. Os números na coluna são as dosagens dos mesmos arquétipos no pedigree de Karl Marx.

Naturalmente, as maiores variações de dosagem estão nos arquétipos mais jovens listados, como Sadler's Wells, Roi Normand e Fast Gold. É assim que os pedigrees funcionam. A influência genética dos garanhões e éguas mais importantes se estabilizam gradualmente com o passar do tempo e seus nomes retrocedem ainda mais fundo nos pedigrees.

O sistema Vuillier oferece uma visão holística dos pedigrees e consequentemente uma melhor avaliação da direção que se deve tomar com os acasalamentos.

Em uma análise inicial, até a quinta geração de seu pedigree é fácil ver que Karl Marx tem muito Mr Prospector e Raise A Native, mas é simplesmente impossível ver os desequilíbrios em ancestrais mais distantes, mas essa avaliação é de vital importância e Karl Marx é fruto de um acasalamento equilibrado.

O sistema Vuillier mostra de forma óbvia esses desequílibrios, ele é baseado na suposição de que um acasalamento que produz um pedigree mais semelhante em equílibrio ao pedigree dos vencedores das melhores corridas tem mais probabilidade de produzir outro vencedor dessas mesmas corridas do que um que não produziu. 

A beleza do sistema Vuillier é que ele fornece o máximo em flexibilidade na aplicação desses insights.

Outro aspecto a ser considerado para Karl Marx é que ele apresenta um pedigree razoavelmente aberto, possuindo apenas um inbreeding de 4x4 sobre Mr Prospector e um 5x5x5 sobre Raise A Native, o que atende ao entendimento moderno de que é fundamental para esse momento de tanta fragilidade física da raça se abrir os pedigrees em busca do conceito de vigor híbrido.

Fica o convite aos nossos leitores para estudarem os pedigrees dos vencedores do fim de semana da Breeder's Cup. Desses 14 vencedores apenas Goodnight Olive possui o que se pode considerar uma forte consanguinidade, o outro exempo de um inbreeding mais acentuado é o de Elite Power, e mesmo assim com apenas um 3x4 sobre Mr Prospector. Inclusive o atual fenômeno norte-americano Flightline possui tão somente um 4x5x5 sobre Mr Prospector.

Não somos contra inbreedings apertados, eles são perfeitamente factíveis e  inúmeros craques gerados em consanguinidade assim o demonstram, mas, para se trabalhar com consanguinidade é fundamental saber diferenciar o que é alho do que é bugalho.

Karl Marx é filho de Hinton Wells e acreditamos que não cabe maior desprezo à ele por seu pai, conforme a ótica brasileira. Pois, importante parcela dos nossos criadores tradicionalmente importam cavalos com pedigrees nobres e campanhas pouco recomendáveis, ficando no aguardo de acontecer algum milagre.

Evidentemente existem haras que procuram trazer qualidade e devem ser aplaudidos por isso.

Seu avô materno Tchintchulino, 17-4-5-4, além de possuir um pedigree de boa categoria foi um corredor interessante, seus principais resultados:

1º GP Ministro da Agricultura, Gr.3, 2400m, GB;
2º GP Antonio da Silva Prado, Gr.2, 2400m, GB;
2º GP Francisco Eduardo de Paula Machado, Gr.1, 2000m, GM;
3º GP São Paulo, Gr.1, 2400m, GRP;
3º GP ABCPCC - Mathias Machline, Gr.1, 2000m, GM.
3º Cl Natal, LR, 1800m, GM.

Ao vermos o pedigree de Karl Marx e ao compararmos com os dos demais inscritos no Derby Paulista iremos notar que Quantify, um outro cavalo com alcance stamínico foi o segundo colocado. Ele é filho do nacional Ganesh e neto de Nedawi, sendo portanto outro outsider por não possuir pedigree "modinha". 

Por Quantify o staff do Stud Red Rafa também deve ser parabenizado por prestigiar seus crioulos na reprodução e através de combinações dentro da mais fina técnica ter retomado o caminho do sucesso.

Na criação do cavalo de corrida não existe mágica, e sim o dever de casa bem feito.






 
          




sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Entrevista com H.H. Aga Khan. Celebrando os 100 anos de criação familiar.

 



Sua Alteza o Aga Khan IV recorda os primeiros anos do seu envolvimento nas atividades de corrida e criação fundada pelo seu avô, o Aga Khan III e continuada pelo seu pai, o Príncipe Aly Khan. Explica como anos de esforço e aprendizagem criaram as condições para os atuais sucessos dos Aga Khan Studs.


"A ideia de entrar em uma atividade que não era de forma alguma central para o Imamat Ismaili, e da qual nem eu e meus irmãos tínhamos qualquer entendimento por si só levantou um grande ponto de interrogação. Teria eu tempo e capacidade para aprender algo sobre uma atividade com a qual não estava totalmente familiarizado? Quando o líder de um empreendimento familiar desaparece, a próxima geração não necessariamente continua... Ser o novo jovem proprietário que entraria e faria a operação desmoronar não era necessariamente o que eu queria!"


Entrevista concedida por Sua Alteza Aga Khan a Philip Jodidio:

P.J.: Quais são suas primeiras lembranças das atividades de corrida e criação de seu avô e pai? Parece que o senhor não esteve muito envolvido nessas atividades quando jovem. Quais são alguns dos fatores que levaram à sua decisão de assumir a responsabilidade das operações posteriores à morte de seu pai em 1960?

S.A. Aga Khan: Quando meu irmão e eu éramos crianças, tínhamos muito pouco contato com corridas e a criação de cavalos. Fomos estudantes no internato Le Rosey em Rolle, Suiça desde tenra idade, meu irmão tinha sete anos e eu oito. Estudei nove anos na Suiça e meu irmão dez anos e, claro, não havia por lá corridas de cavalos ou muito pouco. Fomos para Harvard e em Boston também não tem muitas corridas, em Cambridge ainda menos. Sabíamos das corridas e da criação de nossa família, mas de uma maneira distante. Eu estava ciente de meu pai indo as corridas, sabia das reuniões que ele costumava ter com seus amigos desse universo. Vi meu pai trabalhando nas corridas e conhecia as propriedades da família voltadas para a atividade. Quanto a meu avô eu nunca o vi no processo de tomar suas decisões quanto a atividade.

Minha mãe e meu pai se separaram, mas quando estávamos de férias com nosso pai percebemos seu interesse pelas corridas. Este foi o caso em Deauville em particular porque passávamos metade dos nossos verões lá. Quando estávamos em Paris era a mesma coisa, tanto quanto me lembro, não tivemos nenhum contato com as corridas na Inglaterra e muito pouco com as corridas na Irlanda, embora às vezes passássemos uma semana ou dez dias do verão nas propriedades de lá.

Meu avô faleceu em 1957. Meus primeiros anos de responsabilidade no Imamat envolveram um compromisso institucional muito significativo. Foi uma época de descolonização em grande parte da África e das consequências imediatas da descolonização na maior parte da Ásia. A Guerra Fria ainda estava em fúria. O processo de descolonização foi instável, muitas vezes não planejado. A posição das comunidades ismaelitas no mundo em desenvolvimento era uma questão muito presente na minha mente e nas minhas atividades. Tínhamos questões a resolver sobre as instituições de saúde, econômicas, educacionais e outras criadas por meu avô. A quantidade de tempo e esforço necessários para levar avante esse trabalho institucional de forma responsável e coerente foi realmente considerável. Quando meu avô morreu, herdei todas essas responsabilidades e obviamente não tinha pessoal próprio.

No ano em que meu pai morreu, ele estava tendo um sucesso notável com a operação de corrida. Como um jovem que não sabia nada, achei esse sucesso assustador. Havia um grande número de pessoas que dedicaram muito tempo de suas vidas a essa atividade, pessoas que foram muito leais ao meu pai e meu avô. Meu pai só foi dono da operação por três anos. Na verdade, ele herdou a maioria das pessoas-chave que trabalharam por um longo período com meu avô.

Havia um contexto  de fortes relações humanas e lealdade, e eu estava genuinamente desconfortável por não respeitar isso se tivesse decidido não continuar. Por outro lado, imaginei que essas pessoas poderiam olhar para mim daqui a cinco anos e dizer: "Como é que isso aconteceu: acabamos nas mãos de um jovem de vinte e três anos que não sabe absolutamente nada de cavalos de corrida!". Esse foi um pensamento muito desagradável. Tentei decidir se poderia reorganizar a vida para encontrar tempo para aprender sobre turfe. Eu queria ser capaz de fazer julgamentos de valor quanto ao futuro da operação. Se eu fosse me envolver, esperava aprender sobre a atividade e entendê-la, ou não deveria continuar. Após seis meses percebi que provavelmente poderia reorganizar meu trabalho de uma maneira que me permitisse encontrar janelas de tempo para seguir essa atividade, mantendo-me totalmente comprometido com minhas responsabilidades institucionais. 

P.J.: Como o senhor aprendeu o que precisava saber sobre corridas e criação? O que o senhor descobriu enquanto investigava a situação existente?

S.A. Aga Khan: Certamente não sabia o suficiente para entender quais eram as fragilidades, e as fragilidades eram enormes. Este é o tipo de atividade em que sua vitrine pode parecer brilhante, mas o que está na loja pode ser de muito baixa qualidade. Isso é, em certo sentido, o que eu encontrei. Perguntei-me com quem poderia trabalhar? Tive Mme. Vuillier e Robert Muller, que eram duas pessoas especializadas em cruzamentos, Major Hall era o gerente na Irlanda, e havia Alec Head, que era o treinador de meu pai. Essa foi a equipe com a qual eu comecei.

Era um sistema sujeito a forças centrífugas, no sentido de que a operação de criação na França estava pensando uma coisa, enquanto a operação na Irlanda dizia outra. As corridas na França e na Inglaterra também tinham posições divergentes. Embora meu pai fosse inteiramente capaz de lidar com essa situação, ali estava um jovem de 23 anos preso no meio dessas forças centrífugas puxando em direções opostas.

Nos primeiros anos, tudo o que eu podia fazer era ouvir. Passei muito tempo escutando Mme. Vuillier e Robert Muller.  Analisamos o Sistema de Dosagem e a tarefa de manter o método atualizado, e ele tinha que ser atualizado com frequência. O sistema têm aspectos matemáticos e de julgamentos pessoais.  O treinamento foi outro ponto complexo da operação. Alec Head tinha trabalhado com meu pai. Ele treinou vários cavalos excepcionais, mas quando se tornou um proprietário-criador, em vez de apenas treinador, fiquei bastante desconfortável com essa decisão, e nos separamos em muitos bons termos. Foi por isso que comecei a trabalhar com François Mathet. Na época da separação de Alec Head, eu tinha um contato considerável com Mme. Vuillier e Robert Muller, não muito com Alec Head, e menos ainda com Noel Murless, que era o treinador da família na Inglaterra e mesmo com o Major Hall, gerente na Irlanda. O verdadeiro "ambiente das pessoas" era frágil, para dizer o mínimo.

P.J.: A morte do seu avô e depois do seu pai levou à venda de cavalos. Qual foi o impacto dessas sucessivas vendas? Qual era o estado da infraestrutura física da operação quando o senhor assumiu?

S.A. Aga Khan: De início, não percebi o grau de dano causado ao plantel pelas vendas de herança devidas à morte de meu avô e de meu pai em um intervalo de três anos. Tivemos algumas decisões muito difíceis de tomar. Meu pai teve que comprar a parte dos outros herdeiros, além de pagar o imposto pela herança. Ele tinha que decidir que tipo de ação tomar, embora jamais tenhamos discutido isso, acredito que ele tomou a mesma decisão que eu tive que tomar três anos depois com a sua morte, que foi vender as éguas de alto valor e manter as éguas mais jovens e garanhões. Isso por si só foi uma decisão muito difícil de tomar. As éguas de alto perfil estabeleceram seu alto preço, eram éguas que já haviam produzido um bom filho ou tiveram uma carreira de corrida excepcional ou mesmo possuíam um pedigree de primeira categoria. 

Quando herdei a operação tive que comprar a parte dos outros herdeiros e pagar o imposto de morte. Tive que tomar a mesma decisão que meu pai havia tomado três anos antes, vender as éguas de alto valor que restaram daquela venda. Logicamente acabamos com um plantel de jovens éguas não testadas, com carreiras de corrida muitas vezes moderadas. Eu não tinha noção do quão frágil a operação havia se tornado. Outro aspecto que não compreendi completamente foi a importância do investimento necessário em todos os ativos físicos da operação. Não fazia ideia, não tinha noção da real necessidade de investir nos haras e talvez até no centro de formação da potrada. 

Os haras não estavam de acordo com o padrão, eles não tinham cercas suficientes. Quando você não possui um haras com divisões suficientes, você não pode colocar cavalos nos piquetes. Se você não pode colocar  cavalos nos piquetes, você está criando o mesmo número de cavalos em cada vez menos área física e, portanto, os cavalos ficam cada vez mais frágeis por não poderem se exercitar ao ar livre durante a sua formação física. Isso, obviamente, na minha operação, foi uma grande fonte de atrito entre os treinadores e os gerentes dos haras. Os gerentes diziam: "Não podemos fazer melhor" e os treinadores diziam: "Não podemos treinar cavalos frágeis". Toda a operação em 1960 foi, francamente, mais tênue do que eu jamais poderia ter imaginado. Daquele momento em diante, a questão era o quanto não sabíamos, não o quanto sabíamos. Onde iríamos obter as informações necessárias para a reconstrução? A atividade, à primeira vista, teve um resultado glorioso, mas era, de fato, imensamente frágil. Essa foi a realidade de um desafio inesperadamente exigente.

P.J.: Além da influência familiar, pessoas como o treinador François Mathet ou outras tiveram um papel significativo em seu interesse pelas corridas? François Mathet o auxiliou na compra da operação Dupre?

S.A. Aga Khan: François Mathet era o que chamamos um treinador público. Quando ele pegou meus cavalos, seu principal proprietário era François Dupre e depois sua viúva. Ele também trabalhava para Etti Plesch e Jorge de Atucha, além de mais um ou dois outros proprietários com menos cavalos. Quando me juntei a ele, eu ofereci uma quantidade bastante grande de cavalos para ele treinar, mas de forma alguma esse número teve o mesmo impacto em seus resultados como os do estoque Dupre. Nas décadas de 1960 e 1970, os Dupres possuíam a operação dominante de corrida e reprodução na França. Eles produziam um cavalo clássico após o outro. François Dupre e François Mathet trabalhavam em equipe. Acho que eles se falavam todos os dias, a operação deles era muito bem sucedida. Etti Plesch era uma boa criadora, sabia de cavalos, e Jorge de Atucha também tinha bons cavalos. Eu era o novo nome na estrutura Mathet e, efetivamente, tinha um poder muito fraco. Aprendi com o tempo o quão fraco era, assim, nos primeiros anos eu era essencialmente um observador. Estava em modo de aprendizagem. 

Tentei ir a todas as seções de treinamento que pude, e procurei compreender como funcionava. Eu fui a todas as corridas, procurei compreender o programa de corrida, porque se você não entende o programa é muito difícil executar uma operação bem focada. François Mathet e eu trabalhamos cada vez mais juntos. Foi uma verdadeira parceria construída em torno da reconstrução, ele foi um parceiro significativo nesse processo de reconstrução. Ele acompanhava a criação Dupre, a criação Plesch e a criação Aga Khan. Visitava as nossas fazendas todos os anos e revisávamos a potrada juntos, ele sabia o que estaria chegando futuramente para suas mãos. 

Ao mesmo tempo, observei outras operações falhando gradualmente. Quando François Dupre morreu, a estrutura foi continuada por sua viúva. Nesse período vi o declínio gradual da atividade Dupre. Achei que entendia as causas desse declínio e identifiquei as decisões que pareciam erradas, na criação e em outras áreas. Por outro lado, como havia aprendido muito com François Mathet eu sabia avaliar a qualidade do que consistia o plantel Dupre. Quando Mme. Dupre faleceu decidi adquirir a operação. Lembro-me de discutir essa aquisição com François Mathet, que a conhecia intimamente. Ele disse: "Não, você não deve fazer isso. Por qual razão você compraria uma operação que está em notável declínio em um momento no qual a sua está evoluindo? Não precisamos disso." Lembro-me de lhe dizer: "Acredito que precisamos adicionar novas linhagens. Você conhece essas linhagens melhor do que qualquer um. Se elas estiverem sob o meu controle, você continuará treinando o mesmo sangue que conhece tão bem. Se eu puder corrigir os problemas de upstream, poderei fornecer indivíduos que voltarão ao antigo nível Dupre." 

No primeiro ano após a aquisição tivemos a sorte de ter Top Ville.



Top Ville.


Quando comprei a operação Dupre eu não comprei o haras. Isso foi, visto em retrospectiva, um erro, mas na época eu não precisava de terras. Eu tinha área sobrando, por causa de nossas duas sucessões familiares o número de cavalos caiu tão significativamente que eu tinha terras em excesso na Irlanda e França. É por isso que vendi Gilltown, que posteriormente recomprei, e várias outras fazendas para diminuir a propriedade de terras. Quando você analisa essa atividade, vai observar que tudo está vinculado. Você não pode se mover em um setor sem que isso tenha impacto em outra parte, se você pretende ser ativo em todo o ciclo de vida do puro-sangue, criando em suas próprias fazendas, treinando em seus próprios centros e desenvolvendo seu melhor plantel de corrida para o retornar a sua criação. Uma operação circular. É claro que esse não é o único formato viável, pois muitos proprietários e criadores são bem sucedidos sem ter controle sobre todos os componentes do ciclo.

P.J.: O uso de uma administração financeira moderna foi um elemento significativo no desenvolvimento da operação? Isso influenciou na aquisição da criação Marcel Boussac? 

S.A. Aga Khan: Entre 1960 e a compra do plantel Boussac me preocupava a qualidade da gestão de nossa operação, a falta de uma contabilidade analítica era extremamente preocupante. Já havíamos investido muito na aquisição Dupre e decidi que para entender a dimensão econômica da operação teria que desenvolver meu próprio formato contábil. Não havia, na época, nenhum método contábil padrão na indústria de corridas de cavalos. Quando assumi, na maioria dos países nem era necessário apresentar um balanço às autoridades nacionais. Eu introduzi um procedimento contábil e trabalhei nele até que pudéssemos ter uma contabilidade de custos que fosse precisa.

No momento em que a operação de Marcel Boussac ficou disponível, ela estava nas mãos do Syndicat de la Faillite. Eu nunca vi o plantel, nunca fui a Fresnay-Le-Buffard, apenas conhecia um ou outro corredor nos hipódromos. Por causa da contabilidade de custos que eu havia implementado, eu sabia o custo de um determinado cavalo em uma determinada data de sua vida e era capaz de determinar um preço racional a pagar e qual seria o resultado se eu fosse capaz de trazê-lo de volta aos seus níveis anteriores de sucesso. Eu sabia que  M. Boussac vinha condicionando seu programa de reprodução com base na ausência de recursos financeiros. Portanto, ele estava utilizando seus próprios garanhões extensivamente, colocando cada vez mais éguas de volta para seus reprodutores, e ele terminou tristemente em uma espiral de declínio técnico. Mas sua linhagens maternas eram notáveis, e tinham sido notáveis por muitos anos. Notei que quando M. Boussac utilizava um garanhão fora de sua própria linhagem, muitas vezes produzia um bom cavalo. Eu sabia que a crise econômica que ele estava enfrentando era a causa dos danos à sua operação. Se eu fosse capaz de mudar isso, teria uma alta probabilidade de trazer essas linhagens de volta.

Negociamos com o Syndicat de la Faillite e eles aceitaram minha oferta porque queriam uma venda única e fechada. Nessa fase, era muito difícil atribuir um valor comercial ao plantel devido ao seu apelo limitado no mercado. Para ajudar a financiar essas aquisições, tomei decisões que criaram liquidez para o negócio, vendi Blushing Groom e, posteriormente, sindicalizando Shergar.

P.J.: Como o senhor absorveu o plantel Boussac na sua operação? 

S.A. Aga Khan: Com François Mathet analisamos os pedigrees do plantel e notamos que M. Boussac, em seus últimos anos, reconduziu três cavalos como garanhões. Um deles chamado Labus, tinha um antigo pedigree inglês pois era filho de Busted. Descobrimos que Labus estava produzindo bons filhos, mantivemos sua produção e Labus seguiu como garanhão em nossa operação. Decidimos doar os outros dois garanhões - Kouban e Dankaro - para o Haras Nationaux e começamos a servir as éguas Boussac por garanhões comprovados. Muito mais rápido do que qualquer um poderia esperar, essas éguas começaram a produzir bons cavalos novamente. Aplicamos nosso método de cruzamento ao plantel, procurando cruzamentos apropriados. François Mathet e eu passamos por muitas etapas emocionantes que nos levaram a trabalhar como parceiros em estratégia. Eu era responsável por tomar as decisões-chave, mas ele era responsável por fazer com que essas decisões produzissem os resultados que queríamos. Nós nos divertimos muito. Ele era também um homem de grande inteligência com quem se podia conversar sobre qualquer assunto. Às vezes, depois dos treinos, tomávamos café da manhã juntos e conversávamos sobre assuntos como questões de desenvolvimento no Terceiro Mundo, sobre Ásia e África, e ele lia sobre eles na imprensa francesa séria. Tínhamos uma relação pessoal muito boa.

P.J.: O senhor formou uma excelente equipe com François Mathet e o jóquei Yves Saint-Martin . Como isso ocorreu?

S.A. Aga Khan: François Mathet era cartesiano, muito incisivo em seu pensamento, muito lógico e aparentemente sem emoção. Por dentro, ele era de fato muito emotivo, mas nunca quis demonstrar isso. Quanto a Saint-Martin, ele pensava nele como seu próprio filho, a quem criou para se tornar um dos maiores atletas do mundo. As coisas ficaram difíceis com Yves Saint-Martin, que havia sido aprendiz de jóquei com ele e a certa altura houve a separação, e Yves Saint-Martin foi para os Wildensteins.

François Mathet e eu, estudando caso a caso, encontramos outras soluções de equitação. Ele era um treinador tão bem sucedido e meus cavalos estavam alcançando bons resultados, consequentemente éramos um time atraente para um bom jóquei trabalhar. Mas este não foi um momento fácil. É uma atividade que deve ser observada todos os dias, o tempo todo. Eu esperei e lembro-me de acompanhar a trajetória de jóquei de Yves Saint-Martin. Quando achei que havia uma oportunidade, no momento em que ficou claro que os Wildensteins e ele iam se separar, fui a Saint-Martin e disse: "Você se tornaria meu jóquei?".  Ele entendeu o que eu quis dizer. Ele não estaria sob contrato com François Mathet, estaria sob contrato do Aga Khan. Nesse momento, ele viu uma relação completamente diferente que poderia ter com François Mathet e comigo. Ele respondeu: "Eu adoraria, mas só posso aceitar se François Mathet me aceitar de volta". Fui até François Mathet e disse-lhe: "Como seu proprietário principal, gostaria de ter meu próprio jóquei e esse é Yves Saint-Martin". Mathet concordou e Yves Saint-Martin voltou. Reunir aquele time talvez tenha sido um dos momentos mais importantes da vida de François Mathet e acho que foi a mesma coisa para Saint-Martin. Daquele dia em diante, nunca houve uma palavra dura entre eles. Tive uma relação longa, complexa e fascinante com François Mathet. Vivemos outras crises, incluindo a questão Vayrann, onde as autoridades britânicas de corrida sustentavam que o cavalo havia sido drogado com esteroides anabolizantes. Uma parceria deste tipo é reforçada pelas provas que a vida oferece, não apenas por algum possível erro.

 


S.A. Aga Khan, François Mathet e Yves Saint-Laurent.


P.J.: Porque o senhor achou que era melhor comprar operações inteiras em vez de selecionar cavalos em leilões de acordo com suas linhagens?

S.A. Aga Khan: Uma das coisas que sempre ouvi meu pai ou Alec Head dizerem era que esta é uma atividade em que você precisa constantemente reforçar seu inventário de éguas. Se você ficar preso em um determinado momento em seu plantel de reprodução, seja do lado masculino ou no lado feminino, perderá sua capacidade de realizar. Fui a leilões, revisei catálogos, comprei cavalos - não muitos - e aprendi os bons e os maus aspectos desse tipo de atividade. Percebi que o risco de comprar indivíduos em leilão é muito alto, principalmente com potros. Comprei desta forma essencialmente para adicionar novas linhagens, mas também me tornei prudente em comprar potrancas em leilão. Você compra uma potranca de três anos e ela fica fora de treinamento. O que ela vai produzir? Ela vai ter uma produção válida? Você compra um potro e ele também pode não se apresentar...

Se aprendi indo a leilões, também aprendi observando os animais em corrida das operações em andamento. Quando vejo cavalos nos hipódromos ano após ano, acho que saberei mais sobre uma criação do que posso ler em um catálogo. Por meio da observação, acredito que posso obter uma melhor compreensão de uma operação, principalmente se ele estiver sob a mesma propriedade por um longo período. Posso vê-la subir ou descer tecnicamente e posso ver quais linhagens funcionam e quais não. Em termos de manter vivo o processo necessário de mudança, determinei que era melhor comprar operações válidas inteiras, mesmo que estivessem desacelerando, desde que eu conhecesse as razões de sua desaceleração, em vez de escolher indivíduos em um leilão.

Para as três aquisições de Dupre, Boussac e Lagardère, fomos capazes de medir a compatibilidade ou incompatibilidade de suas linhagens com as nossas. Eu estava criando um processo de mudança e esse processo provou sua validade. Avaliando esses fatores, conseguimos estabelecer o nível de interesse que deveríamos ter naquele plantel do ponto de vista da criação. Se era um estoque que simplesmente adicionava os mesmos pedigrees ou causava muita consanguinidade em uma família em particular, não havia sentido em olhar para ele. O extraordinário foi que todas as três aquisições - Dupre, Boussac e Lagardère - tinham linhagens totalmente compatíveis com as nossas e, portanto, não estávamos acrescentando cada vez mais indivíduos às mesmas famílias, e sim linhagens compatíveis, mas não idênticas. Trazendo assim, linhas familiares convergentes para a nossa operação.

P.J.: Sua criação é famosa pela qualidade de suas reprodutoras. Como o senhor conseguiu o número de éguas necessário?

S.A. Aga Khan: Com o tempo tentamos descobrir o número ideal de éguas para que elas alcançassem com sua produção algum tipo de estabilidade em nosso desempenho nas corridas. Analisamos a probabilidade com um determinado número de éguas e chegamos ao que pensávamos ser um número ideal de 165 matrizes. Quando comprei as operações Dupre, Boussac e Lagardère, fomos muito acima desse número, então tivemos que começar a considerar reduções. Com 165 éguas você precisa de uma certa quantidade de terra, um determinado número de treinadores e garanhões, e você enfrenta um certo custo de manutenção. Nessa escala, torna-se uma atividade muito complexa e você não pode deixá-la fora do controle, a menos que você tenha outros motivos para estar na atividade. Se você deseja executá-la como uma operação essencialmente autossustentável, deve ser cauteloso. Isso era a teoria, mas que não foi totalmente implementada. Demos tanta ênfase à qualidade que, comprando Dupre, Boussac e Lagardère, não conseguimos manter os números do nosso plantel dentro do que considerávamos o número ideal. Fazer isso nos levaria a vender éguas que não deveríamos vender. Em algum momento, tivemos que aceitar que nos tornaríamos uma operação maior, no entanto, eu não gostaria que fosse muito maior do que temos agora.

P.J.: O que o senhor pensava quando comprou a operação de Jean-Luc Lagardère?

S.A. Aga Khan: Quando comprei a criação Lagardère, ela era bastante singular. Jean-Luc tinha comprado as fazendas Dupre. Quando adquiri a sua operação, não hesitei em comprar suas fazendas, que havia deixado de comprar de Mme. Dupre trinta anos antes. Quando primeiro os Dupre e depois Jean-Luc Lagardère foram ativos nas corridas e criação de puro-sangue, eles utilizaram o Haras d'Ouilly como sua fazenda de criação de yearlings. Durante esse período, Ouilly acabou sendo, na minha opinião, a melhor área da França para criar puro-sangues. Tive a sorte infinita de ter uma segunda chance para adquirir esse pedaço de terra na região, que julgo, a mais fértil do país. Na Irlanda, penso que Sheshoon esteja nas terras mais férteis do país. Posso estar errado, não sou agrônomo, mas se você olhar para a história da criação dos grandes cavalos, você pode dizer qual região produz os grandes corredores e qual região não. 

No caso da operação Lagardère, comprei uma estrutura que era o epítome da antítese da minha. Jean-Luc tinha um garanhão chamado Linamix com o qual estava totalmente comprometido e para quem comprou éguas. Ele construiu sua operação de criação em torno daquele garanhão, algo que nunca tentaríamos fazer. Na verdade, somos diametralmente opostos. Decidimos que nunca enviaríamos mais de doze a quinze éguas para o mesmo garanhão. E ele estava enviando as mesmas éguas para Linamix dois, três ou quatro anos seguidos. Ele estava perpetuando o sangue de Linamix durante toda a sua operação de criação e assumindo um nível de risco que nunca teríamos praticado. Mas ele fez isso, e fez funcionar muitíssimo bem. Descobrimos não apenas que Linamix produzia excelentes corredores, mas também que ele era um excelente pai de reprodutoras. A confiança de Jean-Luc Lagardère naquele cavalo foi comprovada com o tempo. Ele e eu conversávamos sobre criação e eu entendia que suas técnicas eram totalmente diferentes das nossas. Ele usou a ideia do chef-de-race muito menos que nós, trabalhou de uma forma altamente individualista e muito criativa. Não existe um modelo absoluto no élevage do puro-sangue, você não pode necessariamente dizer que um método seja mais eficaz do que outro e ele fez seu trabalho de uma forma magistral.

P.J.: O senhor alcançou notável grau de sucesso nas corridas e criação. Quais as metas para aperfeiçoar ainda mais a sua criação?

S.A. Aga Khan: Um dos objetivos é estabilizar  os homens e mulheres que trabalham nas fazendas. Na Europa está em curso um processo de urbanização e industrialização, a remuneração agrícola tende a ser menor do que a do trabalho industrial e a questão é como encontrar as melhores pessoas e mantê-las. Elas precisam do respeito e cuidado que todos os outros grandes colaboradores têm.  Quando alguém está a quarenta anos com cavalos e se aposenta ou quando você tem um bom colaborador e ele por motivo  de hospedagem ou salário decide trabalhar na indústria, você perde uma pessoa importante. A operação da fazenda depende do número de pessoas que você tem e da qualidade do ambiente de trabalho. Temos que olhar para os processos de mudança... idade do pessoal do campo, idade dos treinadores, idade dos jóqueis, idade do plantel...olhando para o futuro. Se esta é uma empresa que você deseja manter viva, você deve ser capaz de reconhecer jovens talentosos que estão surgindo e pagar bem por isso. 

É necessário ter a capacidade de identificar cavalos importantes. A identificação precoce do bom garanhão e da boa égua é fundamental para essa atividade. Se perdermos um desses eixos  podemos estar comprometendo toda a nossa operação. Esses animais são tão raros e marcam a criação por tanto tempo que você não os pode perder. Se o nome de um cavalo aparece com frequência nos pedigrees, isso significa algo...

P.J.: Como o atual sucesso de sua criação nas pistas se reflete nas decisões que o senhor tomou nas últimas décadas?  

S.A. Aga Khan: Ao longo de minha trajetória nessa atividade, me perguntei qual a estrutura ideal que eu e minha família precisávamos para garantir um sucesso contínuo. Como se isso fosse possível... Quantos treinadores, quanta terra, quantas éguas, em quantos países devo operar? Acho que o momento mostra que a estrutura está funcionando a contento tanto quanto eu seja capaz de fazê-la girar. Quando você pensa em como eu comecei e observar o atual momento verá que há uma diferença considerável. Temos um conjunto diferente de países em que operamos; temos uma relação diferente entre as fazendas e as operações de corrida. Integramos um centro de treinamento privado na França, mas também usamos treinadores públicos na França e Irlanda. Se existe algum momento em que uma operação tradicional na criação do puro-sangue esteja estável, acredito que estamos mais perto disso do que nunca. Mas, não significa que não há muito ainda a ser feito. Existe muito trabalho a fazer e, mesmo quando feito, não há garantia de que esse emocionante jogo de xadrez com a natureza possa ser definitivamente vencido.