segunda-feira, 19 de março de 2018

O Mito da Família Feminina



Esse artigo foi originalmente publicado na edição de 23 de outubro de 2003 do The Blood-Horse.


O Mito da Família Feminina


Joseph A. Estes argumentou de forma incessante através de seus escritos que a campanha de uma égua PSI era a referência mais importante para o seu sucesso futuro como reprodutora. Em “The Estes Formula for Breeding Stakes Winners”, escreveu: “… em relação à seleção de pedigree, esse, em geral, deve ser o acessório menor para a seleção individual, sendo razoável se buscar o equilíbrio na tomada de decisões através do mérito individual “. Estes foi um fiel defensor da aquisição de éguas bem-sucedidas em pistas para a reprodução, sendo famílias femininas e pedigree algo de menor consideração.

Do outro lado da questão, ícones da indústria como Seth Hancock, Claiborne Farm,  defendem as famílias femininas fortes, mais do que a classe demonstrada nas pistas. No livro de Edward L. Bowen “Matriarchs: Great Mares of the 20th Century”, Hancock escreve: “De forma geral, acredito, na velha premissa de que a família materna seja mais forte que o indivíduo. Conectado a essa linha de raciocínio creio no fato de que somente o desempenho em corrida não seja sempre uma verdadeira medida”.

Embora não seja tão unilateral como Estes em suas crenças, Hancock claramente sai em defesa de seu argumento para as éguas com sangue azul através das famílias femininas que sempre formaram o plantel de seu campo de criação.

Decidimos olhar esse assunto a partir de um ângulo puramente estatístico  e, esperançosamente, lançar alguma luz sobre o tema. Para construirmos um banco de dados sobre essa questão, adquirimos os catálogos de vendas da Keeneland de novembro e janeiro entre os anos de 1984 e 1988. Para o nosso primeiro grupo de estudos, tabulamos as primeiras 60 éguas que vieram de famílias femininas fortes, mas, que não tinham nenhum óbvio talento para corrida. As éguas que não foram apresentadas em pistas foram descartadas e não estão inclusas neste trabalho.

Para o nosso segundo grupo de estudo, reunimos as primeiras 60 éguas que possuíam óbvio talento para corridas (vencedoras ou colocadas em provas de grupo), mas, oriundas de famílias femininas obscuras. Os pais das éguas representadas nesse segundo grupo, como um todo, são menos proeminentes e bem sucedidos que os pais das éguas constantes no primeiro grupo do estudo.

As mães foram selecionadas simplesmente com base em uma das duas teorias, e não no que já haviam produzido. Nosso objetivo foi isolar as duas principais variáveis (habilidade em corrida e famílias femininas fortes), tanto quanto possível, e ver como cada grupamento atuou na reprodução nos anos futuros. As estatísticas de corrida são até 2001 para a produção nascida antes de 1999.

Claramente os garanhões e avôs maternos das mães  apresentadas no grupamento 1 são mais proeminentes, suas famílias femininas igualmente impressionantes, mas, entre as 60 éguas nenhuma conseguiu vencer uma única corrida sequer, são filhas de garanhões consistentes como: Northern Dancer, Seattle Slew, Roberto, Danzig, In Reality, Graustark, Alydar, Nijinsky e Riverman. Por outro lado, as éguas pertencentes ao grupamento 2 provêm de garanhões menos prestigiados. A título de subsídio esses catálogos apresentaram 22 ganhadores de provas de grupo e com ganhos somados de mais de 10,7 milhões de dólares.

Uma vez que compilamos nossos dois grupos, olhamos para o futuro, por assim dizer, e tabulamos registros de produção completa dessas 120 éguas. As éguas que foram selecionadas pela força da família materna produziram 283 filhos vivos e 217 que correram até o final de 2001. Mães que foram selecionadas com base em seu desempenho como corredoras produziram 345 filhos e 257 corridos para o mesmo período. Somente animais norte-americanos e provas Black-Type foram incluídos nesse estudo.

A primeira comparação demonstra o percentual de vencedores. A tabela 1.2 ilustra as diferenças entre os dois grupos e como eles se comparam com a média da raça:




Houve aqui algumas diferenças, com ambos os grupos de estudo superando a média da raça, em forma geral, havendo apenas distância moderada entre eles. Mas, obter quase 80% de vencedores a partir de éguas com classe superior em corrida, embora, pertencentes a linhagens considerados "inferiores" é um dado significativo, podendo ser indicador de uma maior solidez transmitida por essas éguas.

A próxima comparação analisa apenas as percentagens de vencedores em provas Black-Type. As estatísticas da indústria sobre as médias da raça nessa categoria não foram utilizadas, pois incluíram todos os vencedores, em vez de apenas vencedores Black-Type. As tabelas 1.3 e 1.4 oferecem uma clara idéia sobre como cada grupo se apresentou em termos de produção em participações.




É aí que a separação entre os dois grupos começa a ocorrer. Existe uma lacuna significativa entre os dois, com as éguas de alta competência em corrida quase que duplicando a produção de ganhadores se comparadas com a produção das éguas originárias das famílias fortes. O mesmo padrão parece continuar ao se olhar para a produção global de vencedores, conforme ilustrado na tabela 1.4 abaixo:




Os defensores das famílias femininas fortes geralmente apontam para os vencedores de provas graduadas pertencentes a essas famílias como o motivo pela opção de se buscar famílias fortes em detrimento a indivíduos fortes. Eles argumentam que, embora as boas éguas em corrida sejam aptas para produção de ganhadores, tanto em provas comuns como provas de grupo, é condição "sine qua non" pertencer a uma família materna forte para obtenção de potenciais animais com a qualidade necessária para vencer as principais provas de grupo. No entanto, neste estudo, esse não parece ser o caso. A tabela 1.5 corrobora isso:




Não só as éguas que demonstram classe em corrida produzem seus homólogos, como produzem mais do que o dobro de vencedores em provas Black-Type. Mães com habilidade de corrida produziram cinco vezes mais o número de vencedores em provas graduadas do que a égua média do PSI, enquanto que, as éguas com famílias femininas fortes produziram apenas mais do que o dobro da média.

Finalmente, de um ponto de vista puramente financeiro, calculamos o lucro médio para os potros produzidos por ambos os grupos. A tabela 1.6 mostra como os bolsos dos criadores podem ser afetados por suas escolhas nas perspectivas da criação.




Novamente, éguas com habilidade em corrida superaram as éguas com famílias fortes, dessa vez praticamente duas a uma. Interpretado de outra maneira, animais provenientes de éguas com classe em corrida ganharam uma média de US$ 40.271 a mais que animais produzidos por éguas que sejam, apenas, pertencentes a uma família forte. Ambos grupamentos superaram a média da raça, mas, também foi notável o relativamente pequeno intervalo entre a média da raça e as éguas pertencentes a famílias fortes.

Com base nesses números, a força do indivíduo parece ser mais relevante do que a força da família. Se dois compradores tivessem sido enviados de volta no tempo armados com as duas teorias aqui discutidas, é relevante entender que o comprador que acredita em classe de corrida teria obtido melhor resposta ao seu investimento.

Nós não podemos deixar de pensar que Joe Estes, onde quer que esteja, seguramente estará dando belos sorrisos.

Autores:
Jason Hall e Mariana Lopez
Tradução:
Ricardo Imbassahy


Nota do tradutor: Em algumas publicações, sem comprovação de fonte, consta que as famílias 1 - 2 - 3 - 4 - 5 - 9 - 13 e 22, as 6 - 7 - 8 - 10 - 11 - 16 e 17 (que compartilham o mesmo DNA mitocondrial com as famílias 2 - 4 - 13 e 22), e mais as 14, 20 e 21 são consideradas as famílias femininas elite do turfe; um total de 18 linhas ventrais. Elas representariam em conjunto, mais de 80% dos vencedores de provas de grupo disputadas nas últimas 3 décadas no calendário turfístico mundial.