segunda-feira, 5 de abril de 2021

Garanhões no Brasil - Uma análise

 

  

Todos os que de alguma forma militam no turfe brasileiro sabem do abandono que os nossos criadores relegam ao CRAQUE nacional quando os mesmos passam para a reprodução. Entendemos essa questão como algo que foi arraigado por situações do passado e que infelizmente se tornou com o passar de décadas um infeliz  aculturamento do nosso turfe.

A nossa visão é histórica e bastante simples, em seu início a criação e as corridas eram um universo quase que exclusivamente fechado as elites dominantes. Foquemos no surgimento dos primeiros haras, que foram construidos tendo como lastro grandes fortunas que importavam éguas e garanhões, naqueles idos apenas da Europa.

Essas fortunas tinham uma visão da criação do PSI como algo muito proximo a poder familiar, possuiam seus plantéis fechados e não admitiam a saída de seus grandes craques nas pistas para servir em outros haras. O exemplo clássico é o Haras São José & Expedictus, cujo comando de plantel era praticado pelo notável criador dr. Francisco Eduardo de Paula Machado. A seção Expedictus, em Botucatu, ficou conhecida por ser um "depósito" de grandes corredores, OSSIAN, QUEBEC, ARAGON, DEVON, MAKI, NERU, MISTICO, OBELION, ORPHEUS, AFRICAN BOY, APORÉ, APOREMA, etc.

Diante do bom relacionamento com o dr. Francisco, tentamos adquirir o tordilho APOREMA para servir em Santa Catarina no Haras Três Figueiras, pois CORPORA apresentava problemas de fertilidade e a resposta foi algo como: "Nem pensar, não vou municiar nenhum haras com meus melhores cavalos".

 


 Aporema.

 

O exemplo acima era a visão corrente desses grandes criadores, para termos noção da rivalidade entre eles, quando o Haras Santa Annita - Carlos Gilberto da Rocha Faria - importou NORMANTON, um filho de BOIS ROUSSEL (o Galileo de sua época), o Haras Guanabara - Roberto Seabra - trouxe em seguida a ROYAL FOREST e o Haras Mondesir - AJ Peixoto de Castro Jr. - importou SWALLOW TAIL. Todos fihos de BOIS ROUSSEL nascidos em 1946 e respectivamente quinto, quarto e terceiro colocados no Derby de Epson de 1949.

Como já citado, o exemplo de "segurar" seus melhores corredores não era uma política exclusiva do Haras São  José & Expedictus e consequentemente havia um represamento dos grandes "sangues" da época nos haras dessas grandes fortunas. Todos esses haras de maior investimento reservavam as suas produções para  a defesa de suas fardas. Em São Paulo dentro desse patamar de elite podemos citar como investidores na importação de grandes corredores para reprodução os Haras Faxina e São Bernardo.

Outro importante aspecto a ser considerado é que esses haras, por também reservarem suas fêmeas, entravam em um modo de estrangulamento genético e a utilização de seus melhores  corredores na reprodução se tornava pouco possível, daí a necessidade de sempre se importar garanhões para servir essa base genética. Temos que sermos justos com o dr. Francisco Eduardo, pois o Haras São José & Expedictus era o único campo de criação que de alguma forma se preocupava em trabalhar famílias estanques para minimamente oferecer algumas éguas a seus garanhões nativos. 

Mas, já havia um mercado emergente ávido de cavalos, o dos pequenos e médios proprietários que tinha que ser abastecido. A partir desse momento começou a surgir estabelecimentos de menor investimento e consequentemente por essa capacidade financeira iniciou-se o ciclo de importação de cavalos com menos gabarito técnico. Era impensável que esses haras tivessem o mesmo poder de fogo dos campos de criação pertencentes a outro universo financeiro e que investiam na importação de grandes nomes.

Como esses haras praticamente vendiam a totalidade de suas produções o não retorno dos bons crioulos para servir nos seus locais de nascimento era comum. Outro aspecto a ser notado é que quando era possibilitada a chance na reprodução a esses bons cavalos, invariavelmente eles eram utilizados em haras de ainda menor expressão e/ou com muitos reduzidos plantéis. E sabemos que é fundamental para qualquer garanhão uma grande oferta numérica de éguas. Também deve ser observado o distanciamento de qualidade técnica de criação entre níveis de haras.

Um exemplo, Rio de Janeiro, década de 60, Haras Valente. O Haras Valente tinha como diretor técnico o compositor e grande conhecedor de turfe Paulo Soledade, que era sobrinho de Luiz G.A.Valente. Sob sua orientação o haras passou a investir em genética de precocidade e direcionava toda sua produção para o Tattersal do Hipódromo da Gávea. O Haras Valente sempre era o líder nas estatísticas de criadores dos 2 anos na Gávea, principalmente com os filhos de DERNAH, e sua produção fazia a alegria dos proprietários, pois venciam tudo na primeira campanha. Quando a "cavalaria pesada"  dos 4  grandes - Guanabara, São José & Expedictus, Mondesir e Santa Annita diziam presente no segundo semestre dos 3 anos para disputarem os grandes embates, havia a devida resposta quanto a qualidade genética e a festa acabava. 

Se considerarmos, naquela época, o turfe paulista e a gravitação de seus craques no enfrentamento com os melhores do Rio de Janeiro é possível ver que o seu sucesso era esporádico, em razão de que em São Paulo havia uma pulverização de pequenos/médios criadores e a qualidade genética, de forma geral, era inferior a dos haras pertencentes aos criadores do Rio de Janeiro. Não podemos deixar de citar os Haras Jahu & Rio das Pedras, Bela Vista, Ipiranga e Bela Esperança que apesar de também investirem na importação de corredores de menor expressão obtiveram expressivo sucesso. O Haras do Arado, do dr. Breno Caldas, era no Rio Grande do Sul o exemplo a ser seguido de um campo de criação que priorizava a importação de bons corredores com genética de ponta.

Acreditamos que esse avançar na importação de animais inferiores, somado ao massivo oferecimento de seus filhos e a quase total inexistência nos leilões de produtos dos garanhões nacionais e consequente raras aparições desses animais na programação dos hipódromos, criou no imaginário do mercado que o craque brasileiro como pai é inferior a medianos ou mesmo matungos importados.

Infelizmente essa situação persiste até os dias de hoje, onde vemos pangaré importado, sem uma única vitória, ser prestigiado por nossos criadores, que a ele ofereceram das nossas melhores éguas e grandes estruturas para a criação de seus filhos. Oxalá tenhamos uma grata surpresa, que esse cavalo se transforme em um milagre reprodutivo e transmita a seus filhos qualidade não vista em suas fracas performances nas pistas. Esperamos que seu régio pedigree consiga um salto atávico e que ele não se transforme no maior desastre da criação brasileira de todos os tempos, haja visto o expressivo número de éguas servidas, acreditamos que provavelmente algo em torno de 150 matrizes em 3 gerações. 

Em contrapartida é quase impossível que um garanhão nacional aprovado como por exemplo SKYPILOT, cujos números apresentamos abaixo, possa aparecer nos programas turfísticos se praticamente ele não serve um numero mínimo razoável de éguas. Se os futuros proprietários não encontrarem seus filhos nas corridas e/ou leilões terão a curiosidade de consultarem o Studbook para saber separar o joio do trigo? Achamos dificil...




SKYPILOT  https://purosanguedecorrida.blogspot.com/2017/12/skypilot.html


É evidente que existem critérios técnicos fundamentais a serem considerados na importação de cavalos para reprodução e que não tiveram nas pistas campanhas de peso. Quando esses aspectos são considerados, aumenta a possibilidade de que esse tipo de cavalo se transforme em garanhão de êxito. Entre nós podemos citar EARLDOM, ESQUIMALT, CIGAL, TUMBLE LARK, PHARAS, MILLENIUM, FAUBLAS, RIO BRAVO e alguns outros. Mas esse é um tema para proximo artigo.