quinta-feira, 14 de abril de 2022

Dominação japonesa: Por quê?

 

Sunday Silence.


A constatação é óbvia após a Copa do Mundo do Turfe em Dubai, o Japão e seus cavalos estão em alta no cenário internacional. E mais do que nunca com 5 vitórias no último sábado, os milhões investidos na compra de éguas e garanhões em todo mundo por mais de 50 anos consecutivos anunciam uma era de ouro para a Terra do Sol Nascente.



Shahryar, um dos 5 vencedores japoneses durante o "Super Sábado" em Meydan.


Longe vão os dias em que os europeus e norte-americanos riam e diziam que o Japão era "um grande buraco onde tudo entrava, mas nada saía". Sendo a criação mundial de cavalos de corrida baseada no puro-sangue inglês, o Japão teve que construir seu império de corrida do zero, comprando éguas e garanhões do ocidente para esperar ser um dia competitivo no palco internacional. É claro que muitas décadas depois de suas primeiras compras, os japoneses atingiram um novo patamar, depois de terem conquistado suas primeiras corridas na Breeder's Cup em 2021 e dominado os encontros da Copa da Arábia Saudita e agora Dubai.



O treinador japonês Yoshito Yahagi marcou 3 em Dubai.


Com 5 vitórias durante o "Super Sábado" em Meydan na grama e terra, mostram que as centenas de milhões investidos ao longos dos anos permitiram que a criação japonesa apresente animais que possam competir vitoriosamente com qualquer campeão de outros grandes turfes. A dinastia Yoshida obviamente teve muito a ver com isso através de seus investimentos aparentemente infinitos, com o famoso "reino das 1000 reprodutoras" construído pelos irmãos Katsumi, Teruya e Haruya Yoshida, filhos de Zenya Yoshida, sendo que seu avô começou a comprar éguas e formar seu plantel a mais de um século.



Teruya Yoshida (à direita), junto com sua família, mudou o destino das corridas japonesas. 


O garanhão que mudou o destino das corridas japonesas foi NORTHERN TASTE. Esse filho de Northern Dancer possuia um inbreeding 2x3 sobre a matriarca Lady Angela. Ele foi comprado por Teruya Yoshida para seu pai no leilão de Saratoga por U$ 100.000 quando tinha 1 ano de idade. Apaixonado pela França, Zenya Yoshida confiou o potro para John Cunnigton, treinador em Chantilly. Precoce, ele venceu aos 2 anos os Grs.3 Prix Eclipse e Prix Thomas Bryon e aos 3 anos o Prix de La Foret (Gr.1), além de boas colocações nos Grs.1 2000 Guineas e Epson Derby. Enviado para reprodução no Japão quebrou todos os recordes estabelecidos até então e lançou definitivamente os alicerces do império Yoshida.


Northern Taste.


Teruya Yoshida declarou a imprensa que o sucesso de Northern Taste lhe permitiu comprar todos os animais posteriores e disse "...e Deus sabe o quanto foram numerosos e caros!" A medida que Northern Taste envelhecia, teve a feliz ideia de buscar um novo garanhão, e o escolhido foi SUNDAY SILENCE. Odiado nos EUA, era tratado pela imprensa como "O Pato Feio", Sunday Silence era um cavalo de pelagem preta e desarmonioso fisicamente, que experimentou uma série de problemas além do que um cavalo poderia ter enfrentado e suportado. Apesar disso tornou-se um craque, vencendo duas etapas da tríplice coroa norte-americana, os Grs.1 Kentucky Derby e o Belmont Stakes, além da Breeder's Cup Classic (Gr.1), sempre duelando com Easy Goer, o queridinho da imprensa e do público. Yoshida adquiriu 1/4 de Sunday Silence por U$ 2.5 milhões quando ele foi sindicalizado na entrada dos 4 anos de idade. Mas Sunday Silence teve problemas e foi encaminhado para reprodução, por seu pedigree "fora de moda" não suscitou maior interesse da criação norte-americana e Zenya Yoshida comprou os 75% restantes por U$ 7 milhões, mudando assim a história do turfe japonês para sempre.



Sunday Silence, o milagre da Terra do Sol Nascente.


No haras bateu todos os recordes de Northern Taste, mas infelizmente desenvolveu um péssimo caráter, que fazia seu tratador além de o manter com uma focinheira, ter que sempre portar um taco de beisebol durante sua lida. Seu sangue é onipresente no Japão, que encontrou seu sucessor em DEEP IMPACT. Agora é necessário encontrar correntes alternativas para ele fora do Japão, e uma das maiores expectativas encontra-se em Galileo. O sangue de Sunday Silence é encontrado em 4 dos 5 vencedores japoneses do sábado em Dubai. O único que não, Panthalassa, é um filho de Lord Kanaloa - por KING KAMEHAMEHA, sendo que os filhos deste, são a grande alternativa local para a genética de Sunday Silence. Esse filho de Kingmambo foi adquirido no ventre de sua mãe Manfath em 2000 nos leilões de Keeneland.


Panthalassa é o unico vencedor japonês de sábado sem o sangue de Sunday Silence.


Os criadores japoneses com a alavancagem das apostas em seus hipódromos compraram com seus milhões tudo que havia de bom na Europa e nos Estados Unidos, sejam éguas de excepcionais pedigrees, como éguas vitoriosas em provas de grupo e garanhões com alta perspectiva. Por muito tempo, os fabulosos prêmios da programação japonesa fizeram com que eles mantivessem seus campeões em casa. Mas os primeiros grandes sucessos internacionais como os de El Condor Pasa na França, os empurraram além de suas fronteiras  para disputarem as provas clássicas. De fato, a criação local é voltada para suas maiores provas que são disputadas nos 2.400 metros e até mesmo nos 3.000 metros, mesmo assim, esses eventos  considerados hoje mais longos são disputados em um ritmo alucinante, as parciais das corridas japonesas impressionam. Andamento esse que é determinante para as vitórias internacionais japonesas em todas as distâncias.

Os criadores japoneses buscam incessantemente no exterior pedigrees de velocidade nas éguas que importam. Por exemplo, o vencedor da Godolphin Mile (Gr.2), Bathrat Leon é neto do veloz e precoce New Approach e sobrinho de Serious Attitude, um vencedor do Cheveley Park Stakes (Gr.1). Seu pai Kizuna  foi um puro clássico, vencedor do Derby japonês (Gr.1) e quarto colocado no Prix de L'Arc de Triomphe (Gr.1). 

Vencedor da Dubai Gold Cup (Gr.1) à frente de Manobo, Stay Foolish, que também brilhou no encontro da Arábia Saudita vem de uma pura linha brilhante. Treinada por Maurice Zilber, sua avó Silver Lane havia vencido o Prix La Grotte (Gr.3) e placée no Irish Oaks (Gr.1). 

O vencedor do UAE Derby (Gr.2), Crown Pride, por sua vez, teve seu pedigree planejado para brilhar na terra. Sua linha materna revelou após algumas gerações um ganhador do Arlington Classic (Gr.3) nos EUA. Quanto a seu pai, Reach The Crown, que não foi necessariamente um fenômeno nas pistas conseguiu evoluir bem da milha aos 2.400 metros e é um neto da campeã norte-americana Classic Crown... evolução em poucas gerações!



Crown Pride, um japonês projetado para brilhar na terra.


O vencedor da Dubai Turf (Gr.1), Panthalassa, é filho da irlandesa Miss Pemberley por Montjeu, irmã de Great Dane, um conhecido cavalo de meia distância. Seu pai Lord Kanaloa é considerado hoje o melhor garanhão em serviço no Japão e apresenta inúmeros vencedores clássicos em várias distâncias, onde se destaca Almond Eyes, vencedora da Japan Cup e do Japanese Oaks, ambos Gr.1 e em 2.400 metros. Ele próprio foi desenhado a partir de uma linha norte-americana, a de sua avó Saratoga Dew, dupla vencedora de Gr.1 na terra. 



Lord Kanaloa, considerado o melhor sprinter nascido no Japão.


Quanto a Shahryar, vencedor do Scheema Classic (Gr.1) é um cruzamento didático, já que sua mãe Dubai Majesty foi uma estrela de velocidade nos Estados Unidos - adquirida em Keeneland por U$ 1.1 milhões em 2010 - e com Deep Impact deu a esse excelente cavalo de distância clássica.



Deep Impact, um sucessor digno de Northern Taste e Sunday Silence.


Na verdade Deep Impact é um exemplo perfeito da política de reprodução japonesa. Melhor continuador de Sunday Silence, ele é filho da irlandesa Wind In Her Hair, uma vencedora do Aral-Pokal (Gr.1) nos 2.400 metros e placées nos Grs.1 Epson Oaks e Yorkshire Oaks, e que ainda está viva aos 31 anos . Ela descende de uma das melhores famílias maternas europeias, é uma neta da campeã Highclere. Além disso é prima da famosa Height Of Fashion, égua base da criação do Sheikh Hamdan Al Maktoum e que pode ser encontrada em pedigrees de campeões em atividade, como o múltiplo vencedor de Gr.1 Baaeed.



Wind In Her Hair, a mãe de Deep Impact, foi uma excelente égua de pistas.


Portanto, não é tão surpreendente ver o Japão dominar internacionalmente em uma variedade de distâncias e superfícies, uma vez que sua criação foi construída com a nata do turfe mundial. Evidentemente que isso requer tempo e uma margem de erro bastante grande, já que nada é escrito com antecedência na criação... e também é necessário muito dinheiro. Além disso é de se notar que eles estão convidando os melhores jóqueis da atualidade para montar seus craques, e, claro, possuem sua estrela adotiva Christophe Patrice Lemaire. 

Ainda lhes falta o santo graal que várias vezes tocaram com as pontas dos dedos: o Prix de L'Arc de Triomphe! Não é fácil, pois o outono no Japão possui provas milionárias como o Tenno Sho Autumn e a Japan Cup, portanto nem sempre são as maiores estrelas japonesas que são enviadas para tentar conquistar a maior prova do turfe mundial. No entanto, quando vemos o ataque realizado pelos japoneses nos últimos meses em todo o mundo, dizemos a nós mesmos que o tempo deles talvez nunca tenha estado tão próximo.


France Sire

Tradução: Ricardo Imbassahy