Mauser vencendo o GP Oswaldo Aranha (J.M. Silva up), cavalo de primeira prateleira do Haras Tibagi, oriundo de cobertura planejada pelo Dr. Reynato.
Meu Caro amigo,
Vou comentar um dos setores mais importantes de um haras
que é o constituído pelo plantel. É o setor da produção e portanto da
rentabilidade esportiva e econômica.
É possível criar bons cavalos em clima tropical
(impróprio) com cocheiras ou melhor abrigos de sapê, pisos de terra, cochos de
madeira, enfim com simplicidade como o fez o saudoso criador Frederico Lundgren
em seu Haras Maranguape em Paulista, Pernambuco (na oportunidade darei uma
explicação disso e porque) mas não é possível fazê-lo com éguas de baixa
qualidade.
Qualquer cavalo que não seja aleijado ou um total
matungo, ganha corrida. Mas, o objetivo de um bom criador é ganhar corridas
clássicas, sendo o DERBY (a mais importante prova para os 3 anos em qualquer
turfe do mundo) o galhardão máximo que consagrará a sua criação. O cavalo
clássico é o melhor entre os bons. CLÁSSICO é o que serve de modelo, é o que é
citado como exemplo, é o que demonstra categoria.
Como será possível alcançar esse objetivo? Selecionando
as éguas de cria, os ventres, principalmente pela linha materna. E mais uma vez
digo a você que nada existe de pessoal no que vou tentar expor, sendo tudo
resultante de cultura e vivência no assunto. E se as vezes a minha ênfase ou o
meu tom convincente chegarem a incomodar, peço excusas pois o meu único desejo
é que aprenda certo.
Devemos sempre não esquecer que por mais que saibamos de
turfe, o que ignoramos sempre será muito. E esse é justamente um dos encantos
do turfe, o de que nunca chegamos ao fundo do poço do conhecimento.
Gostaria de início que deixasse de lado nosso machismo
sul-americano pois a égua é o elemento principal no haras. Antes de pensar em
um garanhão pense em adquirir éguas pertencentes a boas linhas maternas e as
melhores que puder comprar. É melhor você ter uma boa égua do que 3 éguas mais
ou menos, mesmo que com o valor gasto por ela equivalha a essas 3... Procure
éguas que tenham mãe, avó ou irmãs clássicas, ou melhor, que tenham participado
com relativo sucesso nas provas clássicas. Não é fácil conseguir uma vencedora
do Diana, mas uma que tirou 2º ou 3º, ou então alguma que tenha chegado no
“bolo” próximo, o mesmo nos Criteriuns e
provas comparativas e mesmo, nos clássicos de 2 anos onde demonstram
precocidade (um dos critérios de seleção na criação mas não o mais importante).
A cor local quando se analisa turfe é indispensável.
Portanto deverás indagar sobre as éguas que te interessam do treinamento feito,
se muito científico ou não, pois os animais que ganham estimulados não vão transmitir
essa falsa qualidade que demonstraram e isto também é importante. Sempre compre
éguas em fim de campanha de forma direta ou nos leilões de animais em
treinamento. Evite totalmente as éguas de leilões de redução de plantel, pois
de forma geral são éguas que apresentaram algum tipo de problema em seus haras
de origem. Quanto aos leilões de liquidação, quando todo o plantel é ofertado à
venda, a situação é distinta e maior é a confiabilidade.
Mas por favor, não leve para seu haras aquela éguinha de
orelhas bonitas que sua esposa acha linda, e seu filho dá tabletes de açúcar,
que ganhou umas 3 corridinhas noturnas até os 6 anos de idade, filha de tatu
com cobra d’água. Ela irá produzirá ganhadoresinhos como ela a não ser que seja
coberta pelo MILL REEF!!! E mesmo assim teremos que rezar para que algum
milagre aconteça... E fique certo que o grande óbice ao sucesso dos haras
brasileiros é exatamente este. Além desse tipo de égua, levam para garanhão
aquele cavalo que ganhou umas corridas e nas quais acertou umas pules; e quando
com maior poder financeiro por questão de status
e glamour, importam para garanhão os
terríveis “matungos de régio pedigree” que tanto devastam a criação nacional.
Outro critério para compor o seu plantel é adquirir nos
leilões 2 ou 3 potrancas de boa linha materna e se possível, como já
comentei, filhas, sobrinhas ou netas de
ganhadoras clássicas que poderão em corrida, até aos 4 anos ressarcir em parte
ou no todo o que custaram. Isto não é difícil. Procure as entregar a um treinador
competente, que alcance o seu objetivo e que não seja adepto a artificialismos
no treinamento. Não faça como a maioria dos proprietários que ficam em cima do
treinador querendo ganhar corridas; deixe-o trabalhar com tranquilidade que o
sucesso virá. Caso alguma potranca não dê para correr, acidentando-se (as
nossas raias são muito ruins), não há impedimento algum para que faça parte do
seu plantel. Quanto ao pai dela, só é indispensável que não suje o pedigree
pois o principal entre nós, veja bem, na cor local brasileira, é a linha
materna já que o criador brasileiro possui por hábito não utilizar os craques
nacionais e preferem importar cavalos que em grande número são do 3º time para
usar uma comparação futebolística.
Recentemente morreu Fort Napoléon que no nosso turfe foi
um garanhão de seleção, muito em razão de ter encontrado muitas éguas filhas de
Formasterus da linha masculina de Asterus, obtendo-se assim o nick Tourbillon –
Asterus, mais a presença de inbreeding sobre a matriarca Basse Terre, o que
facilitou sua tarefa. Veja bem, isto em nada o desmerece e palmas aos seus
proprietários que souberam o escolher. Lembro-me de outros garanhões de seleção
que já morreram e deixaram marcas como King Salmon, Hunter’s Moon, Coaraze,
Formasterus, Swallow Tail, Sayani, Elpenor para citar alguns e todos com ótima
linha materna. É evidente que temos vários garanhões de 1º time e alguns poucos
que já podem ser considerados de seleção como Waldmeister, Locris, Felicio,
Zenabre e Sabinus. Os 3 primeiros tem soberbas linhas maternas.
Mas, volto ás éguas para o seu haras. Acabei de ler que
uma irmã própria de Daião vai a leilão em São Paulo e a meu ver vale uma nota.
E caso pesquise no catálogo oficial encontrará outras de padrão semelhante. Lembro
novamente a você que a filha, a neta e a sobrinha da égua clássica tem muito
mais probabilidades de ser clássica do que aquela que só tenha em seu pedigree
ganhadoras comuns. Buscar sempre o classicismo na linha materna e caso seja
filha de um garanhão vencedor ou produtor clássico melhor ainda. No momento há
um bom exemplo para citar que é o potro Land Force, líder de sua turma,
invicto e por performances convincentes.É filho de Locris, garanhão
líder em La Malma, égua inglesa, filha de Manacle (garanhão de 2ª) na Nearctica
e esta filha de Nearctic (um dos últimos Nearco e pai de Nijinsky, Northern
Dancer e outros bons) em Great Niece (linha da Pretty Polly) e tendo ainda
Nearctica um inbreeding 3x4 na Sister Sarah!!
Imagine como seria bom se você pudesse comprar uma filha
da La Malma para o seu plantel. É claro que o´criador sendo esclarecido não
venderá ou só o fará se já tiver uma ou duas filhas dela.
Mas existem outras éguas mães do mesmo padrão e cabe a
você procurar. Também poderá encontrar potrancas que não sejam perfeitas e que
o criador possa se desfazer por baixo preço, por não poderem correr. Não
esqueça, são raros os defeitos transmissíveis fora das linhagens conhecidas
pela transmissão de taras. Em regra os defeitos visíveis são adquiridos por
terreno impróprio, má alimentação, acidentes e correções incorretas. Além disso
há defeitos de atitude que não modificam a mecânica do galope que é em síntese
o principal no P.S.I. Quando comentar a parição você verá quantos defeitos da
primeira infância do potro podem ser imputados as más condições na ocasião do
parto.
Então, não esqueça meu caro amigo que o principal numa
égua de cria é a sua linha materna. Um dos mais consagrados critérios turfistas
é chamar de irmão um animal que tenha a mesma mãe e não o mesmo pai. Por que? É
fácil entender pois um bom garanhão em 10 anos de serviço produz em média 300
filhos e uma égua no máximo 8 produtos. Daí dizer-se que um potro é meio-irmão
de outro quando a mãe é a mesma e irmão inteiro quando pai e mãe são os mesmos.
Outro critério na escolha de éguas para criar é o de não
terem campanha longa, pois correr até os 6 anos, por exemplo, prejudica a fêmea
para criação pois o exclusivo treinamento já é estafante e intoxicante mesmo,
não faltando medicações estimulantes quase sempre tóxicas também, assim como
tratamentos para impedir a manifestação do cio. A medicação estimulante nos
hipódromos é quase toda a base de arsênico como o ácido arsênico, o licor de
Fowler e também é tóxico o arsênico orgânico pentavalente (Arsil) que os treinadores
tanto gostam. Em doses pequenas eles estimulam, mas o raciocínio do ignorante é
que se com x eles melhoram, com 5 x eles melhorarão mais.
A meu ver, reconhecendo ser mera hipótese, penso que o
número elevado de produtos com fragilidades e oriundos de primeira gestação
está relacionado a que essas éguas egressas dos hipódromos são imediatamente
servidas ao chegarem aos haras e não tiveram tempo de se desintoxicarem das
medicações a elas impostas durante as suas vidas nos hipódromos. Daí os
criadores bem orientados fazerem uma adaptação da égua no haras nunca inferior
a 6 meses. Nesse período, com abundância de verde (rico em complexo B) que é
desintoxicante e livre da tensão do hipódromo, elas se amatronam e se
condicionam para a reprodução.
A égua foi feita para parir e não para correr. Ela é
preparada para correr buscando-se mostrar seu potencial de corredora no sentido
de seleção, pois a maneira mais fácil de perceber a qualidade de um cavalo é vê-lo
chegar em 1º lugar. Mas, não é a única e em outra oportunidade vou procurar dar
a você elementos para pesquisar a qualidade antes da performance.
Meu caro amigo, faça as escolhas das éguas de cria com
bons critérios, sem pressa (pois ela é inimiga da perfeição já dizia o
Conselheiro Acácio) e procure se convencer que é mais sábio um número pequeno e
selecionado do que as 20 éguas para “encher” as 20 cocheiras.
Acho que na próxima carta ainda conversaremos sobre o
plantel.
Reynato Sodré Borges
Tebas – maio - 1979