sexta-feira, 17 de maio de 2024

PSI norte-americano, pistas, grama e Brasil





 Ascot Racecourse, Ascot, Inglaterra.


O turfe brasileiro foi construído em suas origens copiando, principalmente França e Inglaterra. Dessa forma os hipódromos da Gávea e de Cidade Jardim foram planejados obedecendo modelos europeus.

Por seguir esse padrão, o nosso calendário clássico foi organizado para ser corrido na grama e não no dirt. Seja o que for dirt, pois com esse nome, dependendo do hipódromo nos EUA, um cavalo vai correr em distintos tipos de terras ou areias, e cada hipódromo terá uma terra ou uma areia com diferentes granulometrias. Terra e areia são minerais e dependendo de suas origens podem ser totalmente dispares, por exemplo, a areia da praia de Copacabana é totalmente diferente em sua granulometria da areia da praia de Capão da Canoa no Rio Grande do Sul.

É indiscutível que raias de grama com longas retas, padrão standard nos hipódromos onde são disputados os grandes clássicos do turfe mundial, oferecem um parâmetro para aferição de qualidade que é senso comum. Uma raia de grama no Ascot Racecourse não é tão diferente de uma raia de grama do Tokyo Racecourse, ou de Longchamps.

Conforme molde europeu as pistas dos hipódromos da Gávea e Cidade Jardim apresentam longas retas. Na Gávea temos retas de aproximados 640, 170 e 740 metros e em Cidade Jardim duas longas retas com aproximados 610 metros e duas variantes com cerca de 380 metros. Outro aspecto que não pode ser esquecido é que ambos hipódromos possuem curvas suaves, ou seja, com grandes raios de curvatura. Já os hipódromos norte-americanos, a exceção de Kentucky Downs, são antíteses dos hipódromos europeus, pois possuem retas curtas e curvas fechadas. 

Considerando apenas Europa e EUA, há de se compreender que ambos centros de criação caminharam por conceitos distintos na seleção do PSI e esses entendimentos foram fundamentados em seus tipos de hipódromos e na obtenção de um cavalo que pudesse produzir neles o seu melhor desempenho.

A criação europeia privilegiou obter um atleta equino que possuísse estrutura física apropriada para sustentar velocidade ao longo de extensas retas e manter o ritmo em curvas abertas. 



Vadeni, de S.A. Aga Khan, vencedor do Prix du Jockey Club, 2100 metros, 2022 Horse Of The Year & Champion 3yo Male

Já a criação norte-americana objetivou conseguir um cavalo com maior poder de explosão para acelerar em retas curtas e  que pudesse se adequar ao esforço de paragem diante de curvaturas com raios curtos.



Justify, vencedor do Kentucky Derby, 2000 metros, 2018 Triple Crown Winner, Horse Of TheYear & Champion 3yo Male.                         

Consideramos preceitos básicos para a distinção entre veios genéticos do PSI construídos em ambientes de performance distintos. Apesar dessas genéticas, em um primeiro momento parecerem antagônicas, elas, ao contrário, em determinadas linhagens são complementares e tendem a potencializar a chance do sucesso.


Pensando em grama, o aspecto considerado fundamental, para que haja conjunção positiva entre linhagens europeias e norte-americanas, reside em como determinada linhagem norte-americana se comporta quanto a transmissão de cascos. Aspecto esse muito importante, pois o atual estoque genético norte-americano possui, em imensa maioria, linhagens de grande destaque em provas de grupo no dirt, mas com total aversão a pista de grama e consequentemente com rendimento abaixo da crítica nessa superfície.

Sempre há questionamentos do tipo: "mas o garanhão X pertence tanto por pai como por mãe a linhas de dirt e no Brasil produziu filhos vencedores de grupo na grama"? A resposta é simples: "algum cavalo sempre vai vencer". Em uma prova sobre qualquer distância na grama, se alinharmos 10 campeões de dirt, algum deles irá vencer, mas se dentre esses 10 competidores houver apenas um campeão na grama, é quase inevitável que esse cavalo irá vencer. E o raciocínio inverso é verdadeiro, tudo uma simples questão de seleção animal por aptidão.


A criação norte-americana produziu no início dos anos 2000 dois fantásticos garanhões que foram hegemônicos na grama local, ENGLISH CHANNEL e KITTEN'S JOY. 


English Channel



Kitten's Joy


Infelizmente os filhos de English Channel não tiveram oportunidade de correr na Europa. Nunca compreendemos a razão pela qual o mercado europeu não teve seu olhar atraído para English Channel.

Tal fato já não aconteceu com Kitten's Joy, que apesar de ter tido poucos filhos correndo na Europa, a absoluta maioria se destacou nas provas clássicas e podemos citar com seus principais resultados:

1 - Roaring Lion, Eclipse Stakes (Gb-G1, 2000m), Irish Champion Stakes (Gb-G1, 2000m), International Stakes (Gb-G1, 2100m), Queen Elizabeth II Stakes (Gb-G1, 1600m) e 3º Epsom Derby (Gb-G1, 2400m).
2 - Hawkbill, Eclipse Stakes (Gb-G1, 2000m) e Dubai Sheema Classic (UAE-G1, 2400m).
3 - Kameko, 2000 Guineas (Gb-G1, 1600m) e Futurity Trophy (Gb-G1, 1600m).
4 - Taareef, 2 x Prix Daniel Wildenstein (Fr-G2, 1600m) e 2º Prix du Moulin de Longchamps (Fr-G1, 1600m).
5 - Crossfirehurricane, Gallinule Stakes (Ire-G3, 2000m).

Felizmente os haras brasileiros se atentaram para Kitten's Joy e incorporaram Taareef e Camelot Kitten em seu estoque de garanhões. Camelot Kitten foi um bom cavalo nos EUA, venceu o American Turf Stakes (USA-G2, 1700m) e National Museum of Racing Hall of Fame (USA-G2, 1700m).

A atual criação brasileira conseguiu dar um gigantesco salto em seu entendimento do que seja qualidade para grama após o advento Agnes Gold, que foi seguido imediatamente por Hat Trick. E daí passou a importar bons filhos de ótimos garanhões gramáticos. Felizmente, os exemplos são muitos, além dos já citados Taareef e Camelot Kitten, temos Sangarius (Kingman), Outstrip (Exceed and Excel), Vin de Garde (Deep Impact) e Bravas (King Kamehameha).

Outro já provado e aprovado garanhão importado filho de um grande pai gramático (Pivotal) é Salto. Ele é pai de 13 vencedores black-type e dentre eles um vencedor de Derby e uma vencedora do GP Zélia Peixoto de Castro Palhares, mas, inexplicavelmente algo desprezado no turfe brasileiro.

Aguardamos ansiosos que as primeiras gerações dos novos garanhões importados com perfil gramático estreiem, para se provarem contra os existentes norte-americanos de dirt, que até o momento formavam absoluta maioria nos haras brasileiros. Não temos dúvidas, que a briga pelas primeiras posições nas estatísticas futuras, entre esses novos garanhões será por uma cabeça.

Agnes Gold mostrou que um bom gramático, com ótima genética gramática e bem apoiado, facilmente se torna hegemônico em um turfe cujas principais provas são disputadas na grama e cujos principais concorrentes de sua produção são filhos de garanhões que corriam em dirt e descendem de linhagens de dirt

Perguntarão: "como explicar Wild Event e Put It Back?" A resposta é simples: "o Haras Santa Maria de Araras seleciona seu plantel de éguas a 58 anos." E mesmo assim não podemos considerar Hot Dust, Tokatee, Bright Again e Adriano como exemplos de sucesso.






Hippodrome de Longchamps, Paris, França.