sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Inbreeding, Outcross e Tesio




Procurar aprender com os grandes mestres do passado, e não aceitar simplesmente por aceitar como dogmas, doutrinações particulares que pretendem indicar único rumo aceitável no estudo de um futuro cruzamento, é aspecto fundamental para se poder filtrar a essência do tema. 
  
Apresentamos abaixo cópia, de nossa tradução, de apontamento original escrito pelo Dr. Franco Varola. Além de grande amigo, o Dr. Varola foi inquestionavelmente o mais fidedigno interlocutor de Tesio, e por consequência totalmente gabaritado para "explicar" a filosofia Tesiana de criação, bem como, aportar seus próprios conceitos quanto ao estudado.

O artigo do Dr. Franco Varola, mesmo tendo sido escrito no passado, continua atual e é um alerta para o cuidado a ser tomado com a febre dos tempos modernos quanto a nicks e inbreedings, sobre determinados garanhões, sem se analisar a tipologia funcional dos mensageiros envolvidos. Afinal, o que vale é a combinação de características. 

Inbreeding, Outcross e Tesio

Uma das questões fundamentais da criação do cavalo de puro sangue de corrida é a da utilização do inbreeding. O que será melhor, esse método de seleção ou o outcross?



Havresac II.

Havresac II, foi o maior exemplo de garanhão com forte inbreeding que prestou serviços na Itália, era um 2 x 3 em St.Simon; seu pai Rabelais era filho de St.Simon, enquanto que sua mãe Hors Concours era filha de Simona, esta por sua vez filha também de St.Simon. Esse grau de consangüinidade é, praticamente o mais fácil de ser praticado na
atualidade; foi repetido por TESIO com Naucide que era 2 x 3 sobre Havresac II ( Bellini – Cavaliere d’Arpino – Havresac II e Nogara - Havresac II ), com resultado total de 5 x 7 x 4 x 5 em St.Simon.

Certo que existe o inbreeding 2 x 2, ou seja, quando o pai e a mãe são filhos ou do mesmo pai ou da mesma mãe. Mas é muito raro, ainda que possamos citar os exemplos de Coronation, de BOUSSAC, por Djebel – Tourbillon em Esmeralda – Tourbillon e também Tanaka, de TESIO, por Tenerani – Tofanella em Tokamuro – Tofanella. 

Essa questão do inbreeding sempre foi uma das mais debatidas e como as questões relativas ao puro sangue de corrida, sempre deu lugar a juízos extremos. Há ardentes defensores do inbreeding, como há opositores do mesmo. Creio que, uns e outros, exageram, e torna-se necessário colocar as coisas em sua justa perspectiva.

Não estamos aqui para explicar as bases genéticas do inbreeding, isto é, a repetição de um antepassado comum no pedigree, com a esperança de que as qualidades deste sejam exaltadas pela união de genes afins; considerado fator hipotético, presente nos cromossomos, e explicativo das leis da herança, pois entendemos que tais noções sejam suficientemente conhecidas pelos criadores. Digo, no entanto, que se o inbreeding consiste nisso, seria absurdo investigar o modo de evitá-lo de todo, porque se cairia em contradição a respeito das finalidades que se procuram, pois afinal essa é uma raça com livro genealógico fechado.
Nas origens da raça, se tomarmos como base os 3 fundadores machos e as 50 fundadoras fêmeas, ou mais até de 50 segundo estudos recentes; veremos que é inevitável algum grau de parentesco.

Se o número dos sujeitos do cruzamento é limitado, não se pode evitar o inbreeding; tornando-se apenas uma questão de que em qual grau existe algum parentesco. Trata-se, pois, de uma questão de medida, entendemos dizer na prática, que o mesmo número não se encontra duas vezes nas primeiras cinco gerações de seu pedigree quando dizemos que o cavalo é de cruzamento livre ou em outras palavras mais claras, que seus 2 + 4 + 8 + 16 + 32 = 62 antepassados, são indivíduos diferentes um do outro e, ao contrário , quando dizemos que um cavalo é inbred, entendemos dizer, que um mesmo nome se repete duas ou mais vezes no espaço compreendido entre a primeira e a quinta geração, isto é, 62 antepassados mais próximos não são 62 indivíduos diferentes. 

Dito isto, e posto que o criador de nossos dias dado o grande desenvolvimento quantitativo da raça, possui o privilégio, negado a seu colega de há 200 anos atrás, de utilizar ou não o inbreeding, restando verificar porque ele,deveria, ou não, regular-se desse modo. Não devemos
esquecer que criamos essa raça eqüina para fazê-la correr,
e que insistir sobre um determinado animal pode significar somente que se quer aumentar a probabilidade de fixar as suas qualidades que são consideradas úteis. 

Nesse sentido devemos admitir que os criadores do passado, utilizaram de muito o inbreeding, e isso era necessário para se fixar as características funcionais da raça, priorizando assim a presença dos indivíduos mais corredores nos pedigrees. Desta maneira, foram obtidos alguns dos melhores corredores e reprodutores do século XIX, Galopin era inbred 3 x 3 sobre seu bisavô paterno Voltaire, e consequentemente, seu filho St.Simon, também era portador dessa duplicação 4 x 4 sobre o mesmo indivíduo que, nesse caso, era seu trisavô. Pode-se compreender bem que um exemplar inbred por sua vez, sobre St.Simon ( como Havresac II ) leva dentro de si uma concentração desse sangue que é absolutamente excepcional e o fato de que tenha sido um bom corredor, é sinal de que o inbreeding é um fator positivo na seleção. Recordemos aqui, que também Pharos, Nearco, Hyperion e Blue Peter, eram inbred sobre St.Simon. Tudo o exposto acima, não significa que o criador deva fazer o inbreeding apenas pelo prazer de fazê-lo. 


St. Simon.

Como é fácil notar, a simples presença de uns nomes em um pedigree não diz nada, se não se sabe o que representam esses nomes. Para se fazer inbreedings é mister, antes de tudo, saber o que representa o sujeito que se quer repetir no pedigree e através de quem ele é buscado.  

Sobre questões que se referem á melhores exemplos podemos extrair no estudo dos métodos de FREDERICO TESIO. 

Examinemos o pedigree de Braque, um dos muitos que podem servir a esse fim. Notaremos que na quarta geração figura duas vezes o nome de Hurry On. Isso não significa que TESIO haja querido fazer um inbreeding sobre Hurry On, através de Coronach e Althea. Mas, analisando a fundo, vemos que esse pedigree aparece como uma construção admirável baseada sobre grandes linhas clássicas. Os quatro pais de terceira geração são: Ortello, Coronach, Blenheim e
Pharos; e as quatro mães, são as “ Dormelleanas " Tempesta, Nogara, Althea e Bunworry. Esta simetria de garanhões consagrados e de grandes êxitos e éguas da casa não são outra coisa do que um exemplo sintético da habilidade e da perseverança com que TESIO chegou a construir seus próprios pedigrees e notemos, sem preocupar-se excessivamente no abstrato de fazer uns inbreedings e outros outcrosses, mas tomando cuidado em recolher o melhor sangue disponível da praça, misturando-o de novo em combinações sempre mais substanciais. Nota-se também, e é incidentalmente prova da difícil matéria de que estamos tratando, que Braque, se
assemelhava muito a Hurry On, porquanto se pode afirmar que
ele se assemelhou a seu pai Antonio Canale, que é um
elemento livre de inbred. O próprio TESIO afirmou que em
Braque a presença consecutiva de Hurry On fora casual.



A maioria dos pedigrees TESIANOS apresenta essa
admirável variedade na unidade, devido precisamente ao
cuidado de TESIO em procurar sempre e onde estivesse o
melhor sangue, e aqui é oportuno observar que os
conceitos de inbreeding e de outcross tem mais do que
outro, um valor ambiental e geográfico; como já
afirmamos, o criador inglês, francês, pode gastar parte de
seu tempo em investigar combinações particulares de
sangue, enquanto que o italiano ( leia-se TESIO ) se
preocupa de levar a sua casa tudo do melhor que possa
conseguir. 


Frederico Tesio.

Não gostaria que essas considerações pudessem dar a impressão de que o cálculo do inbreeding ou do outcross não tenha nenhuma importância; digo somente que não se pode aceitar um fetiche, nem de um, nem de outro, tendo o cuidado de não se tomar literalmente as teorias que se lançam de vez em quando e que normalmente possuem o
defeito de uma excessiva rigidez dogmática. O fato é, que
o inbreeding e o outcross são dois momentos da produção, de igual importância, e em última análise é o criador que deve julgar se é o caso de orientar-se em um sentido ou em outro. Trata-se de conceitos que valem somente se são vistos na perspectiva do momento em que se executa. 

Por outro lado, não tememos a formar, que de sua mais ou menos rigorosa planificação dos cruzamentos depende, em última análise, a prosperidade da criação e sua possibilidade de manter-se em um nível internacional. Amiúde, temos lido certas listas destinadas a garanhões e nos indagamos quais critérios presidiram á seleção ... Alguns criadores, mais perspicazes, após uma investigação de equilíbrio entre as qualidades físicas e morais do garanhão e da égua, fruto de raciocínio formal, fazem as escolhas. Quase sempre uma solução de momento, sem pensar que aquele cruzamento formará um dia, um esquema mais amplo.

Vejamos agora, 50 garanhões dos mais importantes das últimas décadas, dentro do ponto de vista inbreeding e
outcross, eles se dividem nos seguintes grupos:

A – Inbred sobre antepassados na linha direta masculina,
Havresac II, Blandford, Blenheim, Bois Roussel, Rock Sand,
Orby, Solario, Panorama, Pharis e Alycidon.

B – Inbred sobre outro nominativo, The Tetrarch, Son-in-Law, Gainsborough, Pharos, Spearmint, Tourbillon, Asterus, Congreve, Fairway, Hyperion, Nearco, Bayardo, La Farina, Ortello, Donatello II, Bahram, King Salmon, Phalaris e Big Game.

C – Inbred sobre nominativo e com pai inbred: Oleander.

D – Cruzamento livre: Teddy, Bull Lea, Ticino, Nasrullah, Chaucer, Rabelais,Cicero, Tetratema, Dark Ronald, Fair Play, Swynford, Alcantara II, Sunstar, Black Toney, Chateau Bouscaut, Prince Rose, Admiral Drake, Hurry On, Fair Trial e Precipitation.

Note-se a curiosa situação de Oleander, que é bastante típica da criação alemã. O cruzamento Oleander – Ostana ( égua clássica italiana ) por contraste, deu lugar ao cruzamento livre Orsenigo, que por sua vez obteve seus melhores resultados com éguas também de cruzamento livre. Isso não prova absolutamente nada, mas demonstra o movimento pendular dos termos inbred e outcross. 

Também não prova nada a constatação de que entre os 50 garanhões acima mencionados, haja 30 inbred contra somente 20 outcross. Especialmente no patamar mais clássico da criação inglesa é muito mais fácil fazer um inbreeding do que evitá-lo, por isso, quase todos os cavalos são inbred, e somente são lembrados os que deram resultados, convenientemente não afloram á mente as centenas ou milhares de produtos inbred que nunca se destacaram, nem em corrida nem em criação. 

O mesmo raciocínio serve para os outcross. Em nossa larga resenha de grandes garanhões, falamos de animais pequenos, como Hyperion e grandes como Hurry On; férteis como Sunstar e praticamente estéreis como The Tetrarch; pacíficos como Gainsborough e intratáveis como Nasrullah; filhos de pais excelsos como Alcydon ( Donatello II ) e filhos de pais modestos como Bayardo ( Bay Ronald ), belos como Pharis e feios como Admiral Drake; preciosos com Cicero e duradouros como Son-in-Law; anatomicamente perfeitos como Bahram e defeituosos como Blandford e, sem embargo, cada um deles contribuiu para o desenvolvimento da
raça. Em substância, estudar e não sentenciar deve ser o
dote do criador.


Franco Varola, Rio de Janeiro, 1979.


Outros pedigrees Tesianos: