sábado, 6 de julho de 2019

As Damas de Ferro da Criação



Urban Sea.



É hoje ponto pacífico entre os estudiosos do PSI, que a presença de  determinadas fêmeas em um pedigree, bem como a manutenção de suas linhas ventrais nos pais de um produto - quer com ou sem inbreedings - é condição quase que determinante na busca do grande craque.

Resgato notável trabalho do hipólogo José Maria Pinto Moreira, escrito na década de 90, sobre o tema. Os atuais interessados no assunto podem partir da linha de raciocínio exposta e procurar modernamente as éguas que exercem essas funções. Seguramente um belo exercício de aprendizado para compreensão dos motivos que somam no surgimento de indivíduos de exceção.


AS DAMAS DE FERRO DA CRIAÇÃO MUNDIAL.


Para um rápido entendimento, dosagem significa a mistura adequada das aptidões velocistas, de meia distancia e fundistas, quando se pretende obter um cavalo em condições de ser bem sucedido nas provas de uma tríplice coroa, por exemplo. De outra forma, quando se quer um animal para distâncias alentadas, lança-se mão de elementos portadores de cargas genéticas mais fundistas. Se a pretensão é um velocista, usa-se maior quantidade de sangues de velocidade brilhante. 

# Obs: O método de dosagem, como Varola explicou, serve apenas como uma "radiografia" do pedigree, mostrando os chefes-de-raça presentes e como a maior parte de sua produção se comportou em pistas quanto a aptidão corredora. De forma geral, a leitura do esquema aptitudinal corresponde ao que, de fato, foi o indivíduo em pistas quanto a funcionalidade. É importante ressaltar que não necessariamente a classe aptitudinal a qual o garanhão foi catalogado corresponde a seu comportamento em pistas, se bem, que a correlação é quase sempre verdadeira.


O primeiro “dosador” da história do puro-sangue foi o oficial francês chamado J. Vuilliers, que usou o pseudônimo de Lottery para denominar sua teoria de dosagens. Lottery valeu-se de 16 nomes consagrados do turfe internacional do século passado, entre os quais constava apenas uma égua: a excepcional Pocahontas. Depois veio o australiano Bruce Lowe com sua teoria de transmissão por via materna, consagrando o papel feminino como repassador das virtudes corredoras e reprodutivas. No fim dos anos 70, o italiano Franco Varola começou a estabelecer um novo processo de dosagem, bem mais “racional” que os anteriores, mas baseado apenas no poder transmissor dos machos. Mais recentemente, pode-se dizer, Varola foi atualizado pelo especialista norte-americano Steve Roman que formulou processo semelhante, mas ainda empregando apenas a parte masculina.

Desde que comecei, a lançar mão dos processos de dosagem, sobreveio-me a dúvida quanto a desconsideração das fêmeas nos cálculos das dosagens.


É quase evidente que a prepotência racial está mais ligada aos machos, como ocorre em várias espécies, mas também é questionável quanto a absoluta ausência de tipos femininos vigorosos que podem, muitas vezes, suplantar a preponderância masculina, mormente por efeitos
atávicos poderosos. Passei então a investigar quanto a possibilidade das fêmeas, algumas das mais expressivas nos pedigrees internacionais, poderem também ser “dosadoras”.


Não custou muito para me permitir comprovar que, pelo mínimo, 41 grandes éguas exercem, em muitos casos, marcante influência nas aptidões corredoras de grandes campeões, podendo, portanto, serem consideradas perfeitas “dosadoras”. Em primeira aproximação, deu para estabelecer que Friar’s Daughter, Lady Josephine, Lady Juror, Myrawalla, Mumtaz Mahal, Myrobella, Polly Flinders, Rough Shod
e The Squaw têm capacidade de transmitirem vocação velocista, são as brilliant


Apenas, como exemplo, Maniatao, bem sucedido produtor de grandes
velocistas, acusa em seu pedigree as presenças de Lady Juror, Lady Josephine e Mumtaz Mahal, assim como o "balaço" Hang Ten, possui inbeeding em Mumtaz Mahal da razão de 4 x 5.



                             

Mumtaz Mahal, um dos fenômenos da raça PSI. Origem de grande classe em todos os aspectos.



Outro grupo de fêmeas ilustres representado por Almahmoud, Boudoir II, Judy O’Grady, La Troienne, Pretty Polly, Qurrat-Al-Ayn e
Schiaparelli, seria responsável pela transmissão conjunta de velocidade e classicismo, o que modela bem a aptidão da classe intermediate de Varola. La Troienne está presente, tanto no
pedigree de Make Tracks, como no de Buckpasser, o primeiro velocista e o segundo um belo exemplo de animal de grande classicismo.

    

                               

Almahmoud, uma das mais importantes damas da criação norte-americana..



Aurora, Astronomie, Crepuscule, Dalmary, Djezima, Feola, Phase, Myrtlewood, Sister Sarah, Selene, Teresina e Zariba são transmissoras de evidente classicismo, consagrado no mundo inteiro, sendo que estes nomes podem ser encontrados em muitos pedigrees de ganhadores de Derby, é o grupamento classic



Selene, paradigma de uma matriarca classic , mãe de Hyperion, Hurry On, Sickle e Pharamond.


O grupo stout é o responsável por consistência e coragem, está formado por Book Law, Double Life, Nogara, Miss Disco, Plucky Liege, Scapa Flow, Trustful e Veneta, e é encontrado em muitíssimos cavalos portadores de campanhas que exigiram imenso combate entre grandes valores de maravilhosas gerações, como é o caso de Nearco, filho de Nogara, que venceu o Grand Prix de Paris sobre Bois Roussel, filho de Plucky Liége.

O último grupo, professional, é constituído por apenas três éguas que parecem dotadas do poder de transmitirem a stamina necessária para os grandes percursos, quais sejam Brownhylda, Brulette e Amber Flash. Essa aptidão para os percursos longos ainda pode ser transmitido por algumas das éguas do grupo anterior.



                                       

Brownhylda, uma das raras transmissoras de resistência e stamina.



Prossegui pesquisando o papel das grandes éguas da criação mundial e sua influência, ao nível das aptidões que transmitem a seus descendentes, ao longo de várias gerações. Algumas delas chegam a preponderar sobre a parte masculina, como é o caso de Scapa Flow, mãe dos irmãos inteiros representados pelos chefes-de-raça Fairway e Pharos, além da potranca Fair Isle. Tenho convicção de que sem a presença de Scapa Flow, jamais Fairway conseguiria ganhar 12 corridas, inclusive provas em distâncias alentadas, como os Eclipse,
Newmarket e Champion Stakes (todos em 2000 metros) e tampouco o St.Leger (2800 metros), assim como Pharos não teria triunfado em 14
corridas, inclusive na Liverpool Cup (2400 metros).


O contra-argumento seria a influência de Chaucer, o avô materno, mas parece perfeitamente comprovável que apenas ele, como transmissor de stamina, não seria suficiente para garantir a resistência desses filhos de Phalaris, não fosse a presença de Scapa Flow. Se analisado o pedigree de Fair Copy, ganhador de 8 corridas, desde os 1000 metros do Chesham Stakes, até os 2000 metros da Atlantic Cup, mais os places nas provas de fundo como o St. Leger e o Jockey Club Stakes, ambos em 2800 metros, apenas a presença do staminado Sunstar não seria suficiente para garantir tais façanhas.


                              

Scapa Flow, um dos primeiros exemplos de prepotência feminina.



Principalmente as transmissoras de velocidade, como a tríade Mumtaz Mahal, Lady Juror e Lady Josephine, assim como muitas daquelas éguas consideradas clássicas Astronomie, Djezima e Zariba, entre outras, seguem em muitos casos a tendência de predominar sobre os machos. Daí ter denominado essas fêmeas extraordinárias como as “damas de ferro” da criação mundial. Lady Josephine foi reconhecida como uma das éguas mais velozes de seu tempo, característica que passou, quase que intacta, a sua filha Mumtaz Mahal. Já Lady Juror, elemento também muito veloz, teve a capacidade de ganhar o Jockey Club Stakes, em 2800 metros, certamente por influência de seu pai, Son-In-Law, mas revelou-se como transmissora de velocidade, através de seus filhos e netos, como Fair Trial (milheiro e um dos paradigmas da velocidade), Festoon (sprinter a milheira), Neolight (idem), The Recorder (sprinter, mas que alcançou a milha e meia) e Tudor Minstrel (extraordinário sprinter/miler), entre outros.


                            
  
Lady Josephine, a grande raiz de velocidade pura, mãe de Mumtaz Mahal e Lady Juror.



Outras dessas damas de ferro ainda se caracterizaram como transmissoras de temperamentos fortes, às vêzes até de caráter instável, como foi o caso de Feola que, segundo John Aiscan era animal de péssimo gênio, que acabou transmitindo a muitos de seus descendentes.


                              

Feola, uma dama de péssimo gênio, mas transmissora de alta qualidade.



Além das broodmares inglesas, irlandesas, francesas e norte-americanas, analisei algumas outras, de grande influência nos pedigrees internacionais, oriundas da Itália, Alemanha, América do Sul (principalmente Argentina) e até mesmo as brasileiras Colita, Risota e Queen Fairy.


Mesmo que o número de éguas analisados seja muito pequeno em vista do imenso universo de grandes produtoras, considerando apenas
aquelas nascidas no século que finaliza, de qualquer modo é importante que se passe a cogitar quanto a elementos femininos, que chegaram a formar verdadeiros clãs na criação do puro de sangue de corridas, possam influenciar e servir como modeladores, no mínimo auxiliares, na aptidão corredora de um animal. Assim sendo, mais 39 éguas foram anexadas à antiga lista de “dosadoras” que havíamos
iniciado em 1991. Na classe brilliant teremos Alanesian, Barley Corn, Be Faithful, Bimba, Friar’s Carse, Grey Flight, High Voltage,
Iquem, Marchetta, Pearl Maiden, Perfume II e Point Duty. Como intermediates foram elencadas Eclair, Lavendula II, Malva, Pontoon,
as argentinas Eme e Margot e a brasileira Risota.



                            

Bella Paola, uma das mais importantes éguas do élevage alemão e que difundiu seu sangue por toda a Europa.



No grupo classic ficaram as argentinas Crescent, Fallow e Sierra Leona, as brasileiras Colita e Queen Fairy e mais, Bella Paola, Carissima, Lady Be Good, Lea Lark, Montagnana, Sansonnet, Source Sucrée e Striking. Cinco broodmares compõem o novo grupo de stouts, a saber Banish Fear, Loïka, Sans Tares, Schwarzgold e Tofanella. 

Finalmente, a classe professional reuniu somente duas representantes: Deasy e Jury. É evidente que muitas outras éguas de grande prestígio na criação internacional poderão ser citadas como integrantes desse grupo de elite, tais como Arbitrator, Aspidistra, Big Event, Flaming Page, Galla Colours, Intriguing, Missy Baba, Mixed Marriage, Neocracy, Polamia, Quick Thought, Rustom Mahal, Segula,
Topiary, Uganda,Vasthi e Vielle Maison, entre outras. 


No entanto é preciso que se verifique se as mesmas tem as qualificações como “dosadoras” e só mais uns tempos de pesquisa permitirão essa comprovação. Por enquanto, esse elenco de fantásticas broodmares, ao longo das análises por dosagem que tenho procedido, tem respondido adequadamente, muitas vezes corrigindo determinadas
distorções na definição da aptidão corredora em alguns animais, chegando a resultados mais próximos da realidade.



O quadro apresentado mostra as damas de ferro da criação internacional divididas nas classes aptidudinais de Franco Varola.