sexta-feira, 21 de abril de 2023

Reynato Sodré Borges - 2ª carta



Frizli, outro craque do Haras Tibagi, fruto de cruzamento planejado por Dr. Reynato.

  

Meu Caro amigo,

 

Respondo a sua carta onde me conta como são as terras que comprou, uma propriedade com 21 hectares na Serra dos Órgãos. Altitude de 900 metros com possibilidade de compor 18 hectares de piquetes, sendo que houve algum movimento de terra que você diz ter sido de pequena monta. Mas, gostaria de lembrar que qualquer movimento de terra destrói a matéria orgânica e torna-se indispensável refaze-la. Evite ao máximo adubação química, pois ficará sempre escravo dela e preferencialmente faça adubação verde. Plante nessa área que foi movimentada leguminosas, é claro, após preparar a área com aração, gradeamento e correção do ph. Pode ser lab-lab (Dolichos lablab) ou mucuna preta (Mucuna aterrima). Qualquer dessas leguminosas dá grande volume de massa verde e sua inclusão no solo deverá ser feita quando florescer – antes de granar.

Dos 18 has para pastagens, aconselho que faças 17 piquetes, um número ótimo que lhe proporcionará sempre ter áreas para descanso e produzir feno e/ou corte verde, com 17 piquetes você deve aproveitar no máximo 12. Você poderá pensar que a área é pequena para tantos piquetes, mas, lembre-se o importante é a carga animal. E como necessariamente o seu haras terá um plantel adequado a área de pastoreio haverá espaço mais do que suficiente nos piquetes para as unidades de carga.

Sugiro que você faça 3 piquetes de 2 has e 10 de 1 ha, o que soma 16 hectares. Os 2 hectares restantes serão destinado a 4 piquetes de ½ ha. Sugiro que 2 desses 4 piquetes de ½ ha (que serão os mais próximos ao casco do estabelecimento) possam ter mais subdivisões para situações específicas.  Esse setor do haras comportará os piquetes destinados ao garanhão residente, maternidade, animais em condições extraordinárias, etc. Quanto a maternidade, é fundamental se ter uma pequena edificação com 2 boxes de 25 m² (5x5 m) tendo entre eles o alojamento para um empregado e um laboratório. Um dos boxes será o do garanhão e o outro oposto será a maternidade.

Estou certo que vários amigos seus lhe dirão: “Por que gastar com uma maternidade quando as éguas poderão parir num boxe de cocheira?” Não se deixe levar por palpites, aparentemente bons. Veja bem: num boxe de cocheira não se pode ter cuidados de antissepsia e o risco para o potro e para a égua é muito grande. Deve ser boxe próprio , de paredes lisas e pintadas a óleo (o que facilita a desinfecção) e construídas de modo a fazer ângulo obtuso com o solo, não permitindo que a égua se tranque. A colocação de acolchoados fixados de forma temporária nas paredes (para evitar lesões de colunas nos potros) amortecendo o choque é também importante pois, com isso se faz a profilaxia de futuras “bambeiras” nos cavalos de corrida. Deixo a sua imaginação fértil a solução para a desinfecção desses acolchoados, consulte sobre isso melhores autores... Não esqueça que a porta interna para o laboratório deve ter uma abertura que permita uma ampla visão no momento da parição. Não permita, meu caro amigo, visitantes na hora do parto. A égua deve ficar só, vigiada pelo visor, para uma interferência quando necessária e nada de conversas , risadas e outras atitudes perturbadoras. A parição é um ato que merece respeito.

Entre as cercas dos piquetes você deverá plantar “cerca viva”, que não permite que os animais de um piquete se comuniquem com os outros, evitando sérios acidentes. Recomendo para tal a utilização de Tumbérgia arbustiva (Thunbergia erecta), meu resultado com ela no Haras Fortuna, em Teresópolis, foram excepcionais. Com um ano e meio de plantadas e bem adubadas, já formavam ótimas sebes.

Considerando um módulo de 20 éguas devemos ter 50 boxes à disposição, fora a maternidade e boxe do garanhão. Para cada égua reprodutora, deve-se ter dois ou até três boxes: o da mãe, o do produto do ano seguinte ao desmame e o do produto do ano anterior se ainda não foi treinar. Quanto ao tamanho de sua propriedade, que oferece 18 hectares de pastagens o número ideal, a meu ver, é o de 15 matrizes, podendo chegar em um limite máximo de 20.

Você deve construir 2 grupos de cocheiras no seu haras com boxes de 4x4 metros, com acessos por suas laterais e corredor central de 3 metros para passagem do trator e caçamba no sentido de abastecer e limpar. As paredes dos boxes para o corredor serão mais baixas declinando em uma meia porta. Isto é importante, pois desse modo os animais se veem e ficam mais tranquilos, além do groom poder fazer uma fiscalização mais eficiente, pois não necessita abrir boxes para observá-los.

O pavilhão destinado às éguas deverá ter 20 boxes, 10 de cada lado, não esquecendo amplo e ventilado depósito para forragem, quarto para arreios e ferramentas, banheiro, pequeno laboratório e guardados. O pavilhão da potrada deve ter 30 boxes, 15 de cada lado, com depósito de forragem, quarto para arreios e ferramentas, mais banheiro. Você com esses 30 boxes sempre terá condição de receber eventuais animais de seu stud que necessitem algum período de descanso ou manter no haras alguma fêmea reservada para a reprodução por questões diversas.

Observe bem os pontos de água nos boxes. Ficam nas paredes e protegidas para evitar acidentes na passagem dos animais. Os cochos de água devem ser lavados constantemente e terem esgoto, deste modo o funcionário é obrigado a lavá-los diariamente. Caso coloque dispositivo automático no bebedouro verás que não conseguirás boa limpeza, pois ele sempre cheio mostrará água limpa e a sujeira e o limo ficarão depositados em seu fundo e paredes. Outro inconveniente é que esses bebedouros enguiçam facilmente, daí, alagar a cama criando problema para os animais e na limpeza dos boxes.

O melhor piso para os boxes é o de tijolos maciços mas estou certo que o criador brasileiro não aceita essa indicação. O piso deve ter uma pequena inclinação para a porta – ao longo das quais correrá uma galeria de esgoto para o sistema de captação do haras. O corredor deve também ser pavimentado com tijolo maciço. O tijolo maciço é um magnífico piso para animais desferrados como são os em élevage, a durabilidade média desse tipo de piso é de 8 anos e lembremos que nas duchas é indispensável o piso de tijolos para evitar acidentes lamentáveis. Contou-me um amigo que assistiu a morte de uma égua ao escorregar no corredor de cimento da cocheira, quando era apressadamente puxada a trote; bateu com a cabeça e fraturou o crânio. Acidentes como esse não podem ocorrer e para tanto é necessário que se monte uma estrutura correta para evitá-los.

Os piquetes devem ser cercados com  moirões e ripas de madeira de boa qualidade e sua fixação mais correta é a de parafusos, nunca fixe com pregos. Não permita desníveis abruptos nos piquetes. E muito cuidado com buracos de formigas e corujas que poderão causar lesões graves nos animais.

Caso esteja muito apressado na composição dos piquetes  há regras básicas para a implantação de uma boa pastagem. Se o solo for ácido, o que é certo nessas várzeas, convém aplicar 3.000 quilos de calcário dolomítico moído, que deverá ser coberto por uma lavração de 10 a 15 cm de profundidade, 30 dias antes de semear o adubo verde. Incorporada a massa vegetal do adubo verde ao solo, pode-se fazer a adubação química. Quando possível, convém aplicar, por hectare, 3.000 quilos de esterco curtido, preferencialmente o de galinha, acrescido do adubo químico por meio de uma gradagem leve. Uma fórmula de adubação química que você poderá utilizar é:


1 – Nitrocálcio....................150 quilos

2 -  Superfosfato simples... 200 quilos

3 -  Farinha de ossos ........ 250 quilos

4 – Cloreto de potássio ......130 quilos


No Haras Fortuna, um haras bibelô de 8 éguas em Teresópolis, que por razões alheias ao turfe teve curta existência, utilizei o esquema acima citado, e que me foi passada pelo engº. agrº. Raymundo Pimentel Gomes, obtendo sobre solos degradados ótimas pastagens.

O conselho de aproveitar a grama existente, bem aclimatada é bom, mas é necessário enriquecer os piquetes com gramíneas de alta qualidade. Se bem que, em boa parte da região serrana do Rio de Janeiro e mesmo nas terras altas da Mantiqueira o capim quicuio (Pennisetum clandestinum) já se naturalizou e passou a ser uma espécie endêmica. Se esse for o caso da sua propriedade é bom o manter, pois é das melhores gramíneas para o cavalo, se dá bem em altitude e resiste ao inverno e mesmo geadas, tem bom teor proteico e dá também uma boa altura permitindo fazer corte verde ou o usá-lo para cama. O seu inconveniente é ser altamente invasor e dominante, consequentemente de difícil consorciação com leguminosas. Estudos agrostológicos indicaram que dentre as leguminosas que melhor suportam a convivência com o capim quicuio estão o amendoim-forrageiro (Arachis pintoi) e o cornichão (Lotus corniculatus)  – ambas leguminosas aptas a cavalos pois não causam timpanismo. Com piquetes de capim quicuio consorciado com alguma dessas duas leguminosas você terá boas condições de criar cavalos de corrida.

O capim quicuio por possuir mais folhas que talos produz um feno de ótima qualidade, como constatei no Stud Rocha Faria que o recebia de seu haras.

Apesar do capim quicuio ser extremamente adaptado à sua região não é prudente ficar dependente de uma mesma gramínea e/ou leguminosa em uma fazenda.

Consequentemente, uma segunda opção de gramínea perene torna-se fundamental. Sugiro o rye-grass inglês (Lolium perenne) como a outra opção de gramínea para o seu haras. O rye-grass inglês é conhecido erroneamente no Brasil como azevém perene, portanto ao adquirir sementes não confundir com o azevém (Lolium multiflorum) que é uma gramínea anual. O rye-grass inglês foi introduzido no Haras Fortuna e se tornou um tremendo sucesso. É uma planta de fácil estabelecimento, a semente germina com rapidez e produz plantinhas vigorosas que logo cobrem o terreno e formam uma densa pastagem definitiva. Essa facilidade de estabelecimento a faz dominante por sua competência com outras plantas quando semeadas em mescla. É mais exigente na fertilidade do solo que o quicuio e em especial nitrogenada. A vantagem do rye-grass inglês é sua preferência por solos ligeiramente ácidos. Semeamos com uma dose de 24 kg por hectare associada ao amendoim-forrageiro (10 kg por hectare) e obtivemos uma pastagem invejável, semelhante ou até mesmo superior aos outros piquetes formados por capim quicuio e cornichão. Um cuidado que você deve ter em um haras de criação intensiva como o seu é quanto ao corte das forrageiras do piquete. Elas devem ser aparadas muito bem , para que os animais não precisem buscar o alimento noutro lugar, se o de onde ele estiver for muito alto. Dessa forma ele é mantido em seu lugar sem maiores problemas. O pasto deverá ser cortado de 5 a 6 vezes por ano. Nesse mesmo período deverá ser feita 3 adubações. O fato de se fazer 3 em um ano é baseado em um raciocínio, cientificamente lógico: se forem aplicadas a quantidade de adubo suficiente para 3 aplicações de uma só vez a pastagem crescerá abundantemente nos primeiros meses e será frágil no período de seca, mesmo que você use irrigação por aspersão, como deverá fazer aproveitando o riacho que você disse ser lindeiro à sua propriedade.

No Haras Guanabara a reforma total dos pastos se dava em rodízio a cada 3 ou 4 anos.

A presença de leguminosas é muito importante. Diz-se de um modo convincente que um animal dando uma bocada nas gramíneas leva 6% de proteína e dando nas leguminosas leva 14%. As leguminosas hospedam bactérias (os rizóbios) nos nódulos superficiais de suas raízes que capturam o nitrogênio e rompem as suas ligações moleculares, efetuando assim, o processo de conversão para formas utilizáveis pela planta. Daí o elevado valor proteico. E também enriquecem o solo na sua vizinhança com a queda de suas folhas, sendo fácil perceber que as gramas perto das leguminosas são mais verdes.

Para o plantio das leguminosas são necessários cuidados especiais, assim, faz-se indispensável semear as leguminosas pratenses após a aplicação dos específicos inoculantes. Em regra é aconselhável escarificar as sementes e usar um adesivo para fixar os inoculantes. No Haras Fortuna banhamos as sementes com leite e desse modo o inoculante se fixa, esse procedimento me foi ensinado por Joseph Gatti, o competente manager do Haras São Bernardo.

No Haras Santa Annita havia capineiras de capim pangola (Digitaria eriantha), que era utilizado em corte na alimentação do haras, das vacas leiteiras e ainda permite um bom aproveitamento para cama.

Em momento algum, prescindimos no Haras Fortuna da supervisão de agrônomo especializado em pastagens e tudo o relatado acima quanto a forrageiras foi executado sob sua orientação.

Quando você for a França em maio-junho procure perceber nas planuras da Normandia a riqueza de trevos e isto é um dos característicos de zona própria para se criar cavalos de corrida, o mesmo você observará no sul do Brasil, Uruguai e Argentina. Infelizmente no Haras Fortuna, em Teresópolis, nunca conseguimos sucesso na implantação de qualquer tipo de Trifolium.

Com essas cartas, meu bom amigo, o meu desejo é fazê-lo cursar o “Mobral” dando conhecimentos preliminares para permitir a sua criatividade dentro de moldes corretos e também elevar o seu julgamento para consultar bons autores. Sobre os piquetes, apesar de minhas sugestões, você deve consultar um agrônomo com experiência em pastagens na região. Mas não qualquer um e sim “aquele agrônomo” em letras de ouro e que tenha experiência na criação de cavalos.

Na próxima carta conversaremos sobre o pessoal, mas gostaria de reafirmar que em um haras bibelô como o seu e que não dispõe de uma maior oferta de área para pastoreio o meu plantel nunca passaria de 15 éguas em reprodução, pois teria um lote de 8 vacas**, preferencialmente da raça Jersey para produzir leite. Ofertar leite desnatado a potrada é uma prática adotada em criações de sucesso como os Haras Guanabara, São Bernardo, Tibagi, Faxina e Santa Annita.


** O bovino por ser ruminante, teoricamente consome a metade em pasto de um equino. Então 8/10 vacas e principalmente de uma raça pequena com baixo consumo de forrageiras como a Jersey certamente manterá um mesmo equilíbrio em pastoreio de 4 ou 5 éguas. Daí a minha sugestão por 15 éguas em reprodução e não 20 para uma propriedade com o tamanho da sua.

 

Reynato Sodré Borges

Tebas – abril - 1979