Frizli, outro craque do Haras Tibagi, fruto de cruzamento planejado por Dr. Reynato.
Meu Caro amigo,
Respondo a sua carta onde me conta como são as terras que
comprou, uma propriedade com 21 hectares na Serra dos Órgãos. Altitude de 900
metros com possibilidade de compor 18 hectares de piquetes, sendo que houve
algum movimento de terra que você diz ter sido de pequena monta. Mas, gostaria
de lembrar que qualquer movimento de terra destrói a matéria orgânica e
torna-se indispensável refaze-la. Evite ao máximo adubação química, pois ficará
sempre escravo dela e preferencialmente faça adubação verde. Plante nessa área
que foi movimentada leguminosas, é
claro, após preparar a área com aração, gradeamento e correção do ph. Pode ser
lab-lab (Dolichos lablab) ou mucuna preta (Mucuna aterrima). Qualquer dessas
leguminosas dá grande volume de massa verde e sua inclusão no solo deverá ser
feita quando florescer – antes de granar.
Dos 18 has para pastagens, aconselho que faças 17 piquetes,
um número ótimo que lhe proporcionará sempre ter áreas para descanso e produzir
feno e/ou corte verde, com 17 piquetes você deve aproveitar no máximo 12. Você
poderá pensar que a área é pequena para tantos piquetes, mas, lembre-se o
importante é a carga animal. E como necessariamente o seu haras terá um plantel
adequado a área de pastoreio haverá espaço mais do que suficiente nos piquetes
para as unidades de carga.
Sugiro que você faça 3 piquetes de 2 has e 10 de 1 ha, o
que soma 16 hectares. Os 2 hectares restantes serão destinado a 4 piquetes de ½
ha. Sugiro que 2 desses 4 piquetes de ½ ha (que serão os mais próximos ao casco
do estabelecimento) possam ter mais subdivisões para situações
específicas. Esse setor do haras
comportará os piquetes destinados ao garanhão residente, maternidade, animais
em condições extraordinárias, etc. Quanto a maternidade, é fundamental se ter
uma pequena edificação com 2 boxes de 25 m² (5x5 m) tendo entre eles o
alojamento para um empregado e um laboratório. Um dos boxes será o do garanhão
e o outro oposto será a maternidade.
Estou certo que vários amigos seus lhe dirão: “Por que
gastar com uma maternidade quando as éguas poderão parir num boxe de cocheira?”
Não se deixe levar por palpites, aparentemente bons. Veja bem: num boxe de
cocheira não se pode ter cuidados de antissepsia e o risco para o potro e para
a égua é muito grande. Deve ser boxe próprio , de paredes lisas e pintadas a
óleo (o que facilita a desinfecção) e construídas de modo a fazer ângulo obtuso
com o solo, não permitindo que a égua se tranque. A colocação de acolchoados
fixados de forma temporária nas paredes (para evitar lesões de colunas nos
potros) amortecendo o choque é também importante pois, com isso se faz a
profilaxia de futuras “bambeiras” nos cavalos de corrida. Deixo a sua
imaginação fértil a solução para a desinfecção desses acolchoados, consulte
sobre isso melhores autores... Não esqueça que a porta interna para o
laboratório deve ter uma abertura que permita uma ampla visão no momento da
parição. Não permita, meu caro amigo, visitantes na hora do parto. A égua deve
ficar só, vigiada pelo visor, para uma interferência quando necessária e nada
de conversas , risadas e outras atitudes perturbadoras. A parição é um ato que
merece respeito.
Entre as cercas dos piquetes você deverá plantar “cerca
viva”, que não permite que os animais de um piquete se comuniquem com os
outros, evitando sérios acidentes. Recomendo para tal a utilização de Tumbérgia
arbustiva (Thunbergia erecta), meu resultado com ela no Haras Fortuna, em
Teresópolis, foram excepcionais. Com um ano e meio de plantadas e bem adubadas,
já formavam ótimas sebes.
Considerando um módulo de 20 éguas devemos ter 50 boxes à
disposição, fora a maternidade e boxe do garanhão. Para cada égua reprodutora,
deve-se ter dois ou até três boxes: o da mãe, o do produto do ano seguinte ao
desmame e o do produto do ano anterior se ainda não foi treinar. Quanto ao
tamanho de sua propriedade, que oferece 18 hectares de pastagens o número ideal,
a meu ver, é o de 15 matrizes, podendo chegar em um limite máximo de 20.
Você deve construir 2 grupos de cocheiras no seu haras
com boxes de 4x4 metros, com acessos por suas laterais e corredor central de 3
metros para passagem do trator e caçamba no sentido de abastecer e limpar. As
paredes dos boxes para o corredor serão mais baixas declinando em uma meia
porta. Isto é importante, pois desse modo os animais se veem e ficam mais
tranquilos, além do groom poder fazer
uma fiscalização mais eficiente, pois não necessita abrir boxes para
observá-los.
O pavilhão destinado às éguas deverá ter 20 boxes, 10 de
cada lado, não esquecendo amplo e ventilado depósito para forragem, quarto para
arreios e ferramentas, banheiro, pequeno laboratório e guardados. O pavilhão da
potrada deve ter 30 boxes, 15 de cada lado, com depósito de forragem, quarto
para arreios e ferramentas, mais banheiro. Você com esses 30 boxes sempre terá
condição de receber eventuais animais de seu stud que necessitem algum período
de descanso ou manter no haras alguma fêmea reservada para a reprodução por
questões diversas.
Observe bem os pontos de água nos boxes. Ficam nas
paredes e protegidas para evitar acidentes na passagem dos animais. Os cochos
de água devem ser lavados constantemente e terem esgoto, deste modo o
funcionário é obrigado a lavá-los diariamente. Caso coloque dispositivo
automático no bebedouro verás que não conseguirás boa limpeza, pois ele sempre
cheio mostrará água limpa e a sujeira e o limo ficarão depositados em seu fundo
e paredes. Outro inconveniente é que esses bebedouros enguiçam facilmente, daí,
alagar a cama criando problema para os animais e na limpeza dos boxes.
O melhor piso para os boxes é o de tijolos maciços mas
estou certo que o criador brasileiro não aceita essa indicação. O piso deve ter
uma pequena inclinação para a porta – ao longo das quais correrá uma galeria de
esgoto para o sistema de captação do haras. O corredor deve também ser
pavimentado com tijolo maciço. O tijolo maciço é um magnífico piso para animais
desferrados como são os em élevage, a
durabilidade média desse tipo de piso é de 8 anos e lembremos que nas duchas é
indispensável o piso de tijolos para evitar acidentes lamentáveis. Contou-me um
amigo que assistiu a morte de uma égua ao escorregar no corredor de cimento da
cocheira, quando era apressadamente puxada a trote; bateu com a cabeça e
fraturou o crânio. Acidentes como esse não podem ocorrer e para tanto é
necessário que se monte uma estrutura correta para evitá-los.
Os piquetes devem ser cercados com moirões e ripas de madeira de boa qualidade e
sua fixação mais correta é a de parafusos, nunca fixe com pregos. Não permita
desníveis abruptos nos piquetes. E muito cuidado com buracos de formigas e
corujas que poderão causar lesões graves nos animais.
Caso esteja muito apressado na composição dos
piquetes há regras básicas para a
implantação de uma boa pastagem. Se o solo for ácido, o que é certo nessas
várzeas, convém aplicar 3.000 quilos de calcário dolomítico moído, que deverá
ser coberto por uma lavração de 10 a 15 cm de profundidade, 30 dias antes de
semear o adubo verde. Incorporada a massa vegetal do adubo verde ao solo,
pode-se fazer a adubação química. Quando possível, convém aplicar, por hectare,
3.000 quilos de esterco curtido, preferencialmente o de galinha, acrescido do
adubo químico por meio de uma gradagem leve. Uma fórmula de adubação química que
você poderá utilizar é:
1 – Nitrocálcio....................150 quilos
2 - Superfosfato
simples... 200 quilos
3 - Farinha de
ossos ........ 250 quilos
4 – Cloreto de potássio ......130 quilos
No Haras Fortuna, um haras bibelô de 8 éguas em
Teresópolis, que por razões alheias ao turfe teve curta existência, utilizei o
esquema acima citado, e que me foi passada pelo engº. agrº. Raymundo Pimentel
Gomes, obtendo sobre solos degradados ótimas pastagens.
O conselho de aproveitar a grama existente, bem
aclimatada é bom, mas é necessário enriquecer os piquetes com gramíneas de alta
qualidade. Se bem que, em boa parte da região serrana do Rio de Janeiro e mesmo
nas terras altas da Mantiqueira o capim quicuio (Pennisetum clandestinum) já se
naturalizou e passou a ser uma espécie endêmica. Se esse for o caso da sua
propriedade é bom o manter, pois é das melhores gramíneas para o cavalo, se dá
bem em altitude e resiste ao inverno e mesmo geadas, tem bom teor proteico e dá
também uma boa altura permitindo fazer corte verde ou o usá-lo para cama. O seu
inconveniente é ser altamente invasor e dominante, consequentemente de difícil
consorciação com leguminosas. Estudos agrostológicos indicaram que dentre as
leguminosas que melhor suportam a convivência com o capim quicuio estão o
amendoim-forrageiro (Arachis pintoi) e o cornichão (Lotus corniculatus) – ambas leguminosas aptas a cavalos pois não
causam timpanismo. Com piquetes de capim quicuio consorciado com alguma dessas
duas leguminosas você terá boas condições de criar cavalos de corrida.
O capim quicuio por possuir mais folhas que talos produz
um feno de ótima qualidade, como constatei no Stud Rocha Faria que o recebia de
seu haras.
Apesar do capim quicuio ser extremamente adaptado à sua
região não é prudente ficar dependente de uma mesma gramínea e/ou leguminosa em
uma fazenda.
Consequentemente, uma segunda opção de gramínea perene
torna-se fundamental. Sugiro o rye-grass inglês (Lolium perenne) como a outra
opção de gramínea para o seu haras. O rye-grass inglês é conhecido erroneamente
no Brasil como azevém perene, portanto ao adquirir sementes não confundir com o
azevém (Lolium multiflorum) que é uma gramínea anual. O rye-grass inglês foi
introduzido no Haras Fortuna e se tornou um tremendo sucesso. É uma planta de
fácil estabelecimento, a semente germina com rapidez e produz plantinhas
vigorosas que logo cobrem o terreno e formam uma densa pastagem definitiva.
Essa facilidade de estabelecimento a faz dominante por sua competência com
outras plantas quando semeadas em mescla. É mais exigente na fertilidade do
solo que o quicuio e em especial nitrogenada. A vantagem do rye-grass inglês é
sua preferência por solos ligeiramente ácidos. Semeamos com uma dose de 24 kg
por hectare associada ao amendoim-forrageiro (10 kg por hectare) e obtivemos
uma pastagem invejável, semelhante ou até mesmo superior aos outros piquetes
formados por capim quicuio e cornichão. Um cuidado que você deve ter em um
haras de criação intensiva como o seu é quanto ao corte das forrageiras do
piquete. Elas devem ser aparadas muito bem , para que os animais não precisem
buscar o alimento noutro lugar, se o de onde ele estiver for muito alto. Dessa
forma ele é mantido em seu lugar sem maiores problemas. O pasto deverá ser
cortado de 5 a 6 vezes por ano. Nesse mesmo período deverá ser feita 3
adubações. O fato de se fazer 3 em um ano é baseado em um raciocínio,
cientificamente lógico: se forem aplicadas a quantidade de adubo suficiente
para 3 aplicações de uma só vez a pastagem crescerá abundantemente nos
primeiros meses e será frágil no período de seca, mesmo que você use irrigação
por aspersão, como deverá fazer aproveitando o riacho que você disse ser
lindeiro à sua propriedade.
No Haras Guanabara a reforma total dos pastos se dava em
rodízio a cada 3 ou 4 anos.
A presença de leguminosas é muito importante. Diz-se de
um modo convincente que um animal dando uma bocada nas gramíneas leva 6% de
proteína e dando nas leguminosas leva 14%. As leguminosas hospedam bactérias
(os rizóbios) nos nódulos superficiais de suas raízes que capturam o nitrogênio
e rompem as suas ligações moleculares, efetuando assim, o processo de conversão
para formas utilizáveis pela planta. Daí o elevado valor proteico. E também
enriquecem o solo na sua vizinhança com a queda de suas folhas, sendo fácil
perceber que as gramas perto das leguminosas são mais verdes.
Para o plantio das leguminosas são necessários cuidados
especiais, assim, faz-se indispensável semear as leguminosas pratenses após a
aplicação dos específicos inoculantes. Em regra é aconselhável escarificar as
sementes e usar um adesivo para fixar os inoculantes. No Haras Fortuna banhamos
as sementes com leite e desse modo o inoculante se fixa, esse procedimento me
foi ensinado por Joseph Gatti, o competente manager
do Haras São Bernardo.
No Haras Santa Annita havia capineiras de capim pangola
(Digitaria eriantha), que era utilizado em corte na alimentação do haras, das
vacas leiteiras e ainda permite um bom aproveitamento para cama.
Em momento algum, prescindimos no Haras Fortuna da
supervisão de agrônomo especializado em pastagens e tudo o relatado acima
quanto a forrageiras foi executado sob sua orientação.
Quando você for a França em maio-junho procure perceber
nas planuras da Normandia a riqueza de trevos e isto é um dos característicos
de zona própria para se criar cavalos de corrida, o mesmo você observará no sul
do Brasil, Uruguai e Argentina. Infelizmente no Haras Fortuna, em Teresópolis, nunca conseguimos sucesso na implantação de qualquer tipo de Trifolium.
Com essas cartas, meu bom amigo, o meu desejo é fazê-lo
cursar o “Mobral” dando conhecimentos preliminares para permitir a sua
criatividade dentro de moldes corretos e também elevar o seu julgamento para
consultar bons autores. Sobre os piquetes, apesar de minhas sugestões, você
deve consultar um agrônomo com experiência em pastagens na região. Mas não
qualquer um e sim “aquele agrônomo” em letras de ouro e que tenha experiência
na criação de cavalos.
Na próxima carta conversaremos sobre o pessoal, mas
gostaria de reafirmar que em um haras bibelô como o seu e que não dispõe de uma
maior oferta de área para pastoreio o meu plantel nunca passaria de 15 éguas em
reprodução, pois teria um lote de 8 vacas**, preferencialmente da raça
Jersey para produzir leite. Ofertar leite desnatado a potrada é uma prática adotada em criações de sucesso como os Haras Guanabara, São Bernardo, Tibagi, Faxina e Santa Annita.
** O bovino por ser ruminante, teoricamente consome a
metade em pasto de um equino. Então 8/10 vacas e principalmente de uma raça
pequena com baixo consumo de forrageiras como a Jersey certamente manterá um
mesmo equilíbrio em pastoreio de 4 ou 5 éguas. Daí a minha sugestão por 15 éguas em
reprodução e não 20 para uma propriedade com o tamanho da sua.
Reynato Sodré Borges
Tebas – abril - 1979