Artung (J.M. Silva up), mais um craque do Haras Tibagi fruto de cruzamento planejado por Dr. Reynato.
Meu Caro amigo,
Vamos falar sobre
o PESSOAL, em letras maiúsculas, para acentuar a importância. Em primeiro
lugar, um gerente, um “tomador de conta”, enfim, o homem que será a figura
principal do haras. Você pode cogitar de um officier
des haras (formado no Haras du Pin), um stud
groom inglês, um premier garçon
francês, mas por favor, não cogite um cavalariço egresso de algum dos nossos
hipódromos. É desse modo que agem, a maioria de nossos criadores, pois não
sabem ou não podem cogitar de homens de cavalo. Existem ainda elementos
oriundos de famílias européias que foram trazidas para o nosso meio, por
criadores de elevado padrão, como os Crespi, por exemplo, que trouxeram Rondelli
ou o barão e a baronesa Von Leithner que trouxeram Joseph Gatti. Mas, esses
bons elementos, são difíceis de obter, pois em regra estão bem colocados.
Então como agir para obter o bom gerente? Procure um
jovem zootecnista recém formado que goste de cavalo. Contrate-o assinando sua
carteira com um salário digno, ofereça no haras uma confortável residência e
solicite a Comissão de Fomento do JCSP, autorização para que ele faça um
estágio no Posto de Campinas, sob a orientação do Dr. Ulrich Reinier e sua equipe.
A época própria é no início do 2.º semestre. Lá ele aprenderá muito, em como
lidar com as éguas vazias, com as prenhas, as com cria e com os garanhões. A
rufiagem e a monta possuem técnicas próprias. A maneira de cuidar da égua, como
limpá-la, conduzi-la só ou com sua cria ao lado, a lida com um garanhão, enfim,
o manejo dos animais em um haras. As atenções necessárias na monta, nos partos e
dos pequenos ferimentos que ocorrem nos piquetes e nas cocheiras, cuidados de
assepsia, etc. Simples rotinas que qualquer pessoa com treinamento básico pode
fazer.
Para se obter um funcionário com estes recursos, é
indispensável, como já ressaltei anteriormente, dar uma casa confortável para
morar e um bom salário. Lembre-se que você vai criar cavalos puro sangue de corrida,
empreendimento para pessoa de recursos e vai adquirir éguas por elevado preço,
por isso também é necessário uma pessoa capaz e responsável, gerindo o seu
haras. Você sabe melhor do que eu, que a organização e a gerência estão na
dependência da grandeza do investimento.
Nos nossos hipódromos grandes, Rio e São Paulo, existem
cerca de 700 cavalariços em cada um deles. Majoritariamente não gostam do cavalo,
apesar dele ser seu meio de vida. Não têm carinho com os animais que cuidam e
não lhes foi ensinado que o cavalo quando entra em forma atlética, fica muito
sensível e reage ao que não goste. E como reage com as patas e os dentes,
recebe em troca lambadas e castigos.
Meu caro amigo, os brasileiros, como escrevi anteriormente, em geral não gostam de
cavalos. Ao lidar com eles, querem sempre uma tala para atemorizá-los.
Lembre-se, nas estações de águas, quando colocamos nossos filhos nos pangarés
de aluguel, o tomador logo oferece uma tala, que já as tem enfileiradas. No sul
é melhor um pouco, mas ainda longe do que vemos na França, Inglaterra e
Irlanda. Nesses países o amansamento (relação entre o animal e o homem) é
perfeito e mutuamente respeitoso, pois o cavalo o sente como um amigo, pois o
limpa, o alimenta e o conduz.
Na Europa, o número de moças na função de lad ou garçon d’écurie é sempre crescente. Lembro-me em 1967 em Newmarket,
assistimos a saída de 10 cavalos para treinamento, em fila indiana com o líder
à frente. Quando demos conta 6 eram moças! Perguntamos o porque disso e nos
disseram que eram filhas de treinadores ou de 2ᵒˢ gerentes ou irmãs de lads, assim por diante. Caso isto
ocorresse aqui, imagine a gozação, a pilhéria, pois ainda estamos muito
subdesenvolvidos na atividade.
Você já reparou as nossas partidas em dias de corrida?
Conte o número de homens com pinguelins para acioná-los pois não sabem que o
cavalo aprendendo a sair do partidor, ele o faz da melhor maneira que puder.
Chicotadas, ameaças, só servem para obrigá-lo a cuidar-se delas, tirando sua
atenção do partidor e portanto, já não saindo tão bem. Vá você explicar aos
cavalariços, que para partir, o cavalo engaja os posteriores que o impulsionam
no momento próprio e caso esteja sendo atemorizado por cima (jóquei) ou por
trás (cavalariço), ele não pode compor-se para o movimento de impulsão. Quando
os cavalos não querem sair é porque alguma coisa tem, ou nos posteriores
(pequeno derrame de curvilhão ou estiramento muscular) ou lesões nos anteriores
(juntas e tendões) que ao apoiar, a impulsão dos posteriores, sentem dor. Os
treinadores esquecem ou não sabem observar, os veterinários de prescrever. E o
resultado é receitar pinguelim no sem vergonha!...
Depois desta digressão voltemos ao gerente do seu haras.
Será difícil à primeira vista, encontrar esse jovem recém formado que goste de
cavalos? Acho que não, caso você saiba procurar.
Já os egressos de outros haras, elementos mais à vista,
trazem maiores inconvenientes que vantagens, a não ser em condições de exceção.
Um bom gerente escolhe seus auxiliares, ensinando mesmo aos jovens e formando
sua equipe de trabalho. Olha meu caro amigo, acho que um bom gerente é mais
valioso que uma boa égua de cria. Porque esta sob um gerente com orientação
deficiente, não vai produzir bem pois seus filhos serão mal criados.
Caso você encontre um jovem zootecnista para a gerência do
haras não se preocupe com as questões de saúde animal. Para a assistência
veterinária você deve ter um consultor. Chama-se o veterinário como se chama o
médico, quando há doença. As necessidades de cuidar de episódios quanto à saúde
animal em um haras são totalmente distintos de um hipódromo, consequentemente
não é mister se ter um veterinário residente.
Um zootecnista possui, em minha opinião, especialização
mais adequada para a gerência de um haras, pois em seu curso aprende gestão das
propriedades rurais, nutrição e manejo alimentar com as formulações de ração
mais adequadas a cada estágio animal, manejo e conservação de pastagens,
planejar, assinar e executar projetos de construções rurais específicos de produção
animal, inclusive assinar projetos para financiamento rural. Temos que também
considerar que como a principal função de um haras é o melhoramento genético animal, certamente um zootecnista terá mais “curiosidade” em se aprofundar nas questões genéticas do
PSI, podendo tornar-se outra voz técnica na troca de ideias com você. Em todos os meus
anos de turfe nunca encontrei um veterinário que tivesse noção apenas mais do
que superficial quanto a genética do PSI, efetivamente, essa é uma
questão não afeita a formação profissional veterinária.
As vacinas serão prescritas nos períodos certos por seu
veterinário consultor e quanto à
verminose, principal óbice à criação do cavalo puro sangue de corrida, é
importante não adotar o sistema de dar vermífugo todos os meses, pois é uma
conduta errada e maléfica. Normalmente os exames de fezes são feitos em momentos estratégicos do
ano, isto é, quando há mudanças de temperatura (março, junho, setembro e
dezembro) e aplique o vermífugo, indicado por seu veterinário, para o tipo de
infestação somente naqueles que estiverem parasitados. No Haras Tibagi fazíamos entre 40/50 dias, novo
exame de fezes para controle. Seu veterinário consultor saberá o orientar quanto a essas rotinas.
O ferrageador é um personagem de suma importância que
deverá ir ao haras pelo menos uma vez ao mês, de 15 em 15 dias. Cuidará dos
cascos dos animais, aparando-os e curando-os, quando necessário. Um bom
ferrageador consegue paulatinamente corrigir pequenos desvios que porventura
algum dos potros possa apresentar...
Quanto ao número de funcionários, fora o manager,
considerando todas as funções, a média em um haras bem administrado, é o de 1
para cada 10 animais.
Termino lembrando que é indispensável um planejamento bem
feito para que seu haras venha a obter sucesso. Sempre procure consultoria
especializada para suas maiores dúvidas, nada de vaidade pessoal, em se considerar "senhor" nas matérias após folhear superficialmente meia dúzia de livros. A
criação do PSI é um tema muito complexo e o que mais se vê são haras abrindo
e fechando as portas, em razão de seus proprietários se considerarem grandes
“especialistas” em pedigrees, manejo, pastagens, veterinária e acharem que uma consulta em algum manual lhe
dará o suporte adequado frente a questões que surjam no dia a dia da
propriedade.
Pense como uma nova empresa que você vai dirigir e que
sem planejamento, boa assessoria, bons funcionários e organização não será
lucrativa.
Reynato Sodré Borges
Tebas – maio - 1979