segunda-feira, 15 de maio de 2023

Reynato Sodré Borges - 3ª carta

 


Artung (J.M. Silva up), mais um craque do Haras Tibagi fruto de cruzamento planejado por Dr. Reynato.


Meu Caro amigo,

 

Vamos falar  sobre o PESSOAL, em letras maiúsculas, para acentuar a importância. Em primeiro lugar, um gerente, um “tomador de conta”, enfim, o homem que será a figura principal do haras. Você pode cogitar de um officier des haras (formado no Haras du Pin), um stud groom inglês, um premier garçon francês, mas por favor, não cogite um cavalariço egresso de algum dos nossos hipódromos. É desse modo que agem, a maioria de nossos criadores, pois não sabem ou não podem cogitar de homens de cavalo. Existem ainda elementos oriundos de famílias européias que foram trazidas para o nosso meio, por criadores de elevado padrão, como os Crespi, por exemplo, que trouxeram Rondelli ou o barão e a baronesa Von Leithner que trouxeram Joseph Gatti. Mas, esses bons elementos, são difíceis de obter, pois em regra estão bem colocados.

Então como agir para obter o bom gerente? Procure um jovem zootecnista recém formado que goste de cavalo. Contrate-o assinando sua carteira com um salário digno, ofereça no haras uma confortável residência e solicite a Comissão de Fomento do JCSP, autorização para que ele faça um estágio no Posto de Campinas, sob a orientação do Dr. Ulrich Reinier e sua equipe. A época própria é no início do 2.º semestre. Lá ele aprenderá muito, em como lidar com as éguas vazias, com as prenhas, as com cria e com os garanhões. A rufiagem e a monta possuem técnicas próprias. A maneira de cuidar da égua, como limpá-la, conduzi-la só ou com sua cria ao lado, a lida com um garanhão, enfim, o manejo dos animais em um haras. As atenções necessárias na monta, nos partos e dos pequenos ferimentos que ocorrem nos piquetes e nas cocheiras, cuidados de assepsia, etc. Simples rotinas que qualquer pessoa com treinamento básico pode fazer.

Para se obter um funcionário com estes recursos, é indispensável, como já ressaltei anteriormente, dar uma casa confortável para morar e um bom salário. Lembre-se que você vai criar cavalos puro sangue de corrida, empreendimento para pessoa de recursos e vai adquirir éguas por elevado preço, por isso também é necessário uma pessoa capaz e responsável, gerindo o seu haras. Você sabe melhor do que eu, que a organização e a gerência estão na dependência da grandeza do investimento.

Nos nossos hipódromos grandes, Rio e São Paulo, existem cerca de 700 cavalariços em cada um deles. Majoritariamente não gostam do cavalo, apesar dele ser seu meio de vida. Não têm carinho com os animais que cuidam e não lhes foi ensinado que o cavalo quando entra em forma atlética, fica muito sensível e reage ao que não goste. E como reage com as patas e os dentes, recebe em troca lambadas e castigos.

Meu caro amigo, os brasileiros, como escrevi anteriormente, em geral não gostam de cavalos. Ao lidar com eles, querem sempre uma tala para atemorizá-los. Lembre-se, nas estações de águas, quando colocamos nossos filhos nos pangarés de aluguel, o tomador logo oferece uma tala, que já as tem enfileiradas. No sul é melhor um pouco, mas ainda longe do que vemos na França, Inglaterra e Irlanda. Nesses países o amansamento (relação entre o animal e o homem) é perfeito e mutuamente respeitoso, pois o cavalo o sente como um amigo, pois o limpa, o alimenta e o conduz.

Na Europa, o número de moças na função de lad ou garçon d’écurie é sempre crescente. Lembro-me em 1967 em Newmarket, assistimos a saída de 10 cavalos para treinamento, em fila indiana com o líder à frente. Quando demos conta 6 eram moças! Perguntamos o porque disso e nos disseram que eram filhas de treinadores ou de 2ᵒˢ  gerentes ou irmãs de lads, assim por diante. Caso isto ocorresse aqui, imagine a gozação, a pilhéria, pois ainda estamos muito subdesenvolvidos na atividade.  

Você já reparou as nossas partidas em dias de corrida? Conte o número de homens com pinguelins para acioná-los pois não sabem que o cavalo aprendendo a sair do partidor, ele o faz da melhor maneira que puder. Chicotadas, ameaças, só servem para obrigá-lo a cuidar-se delas, tirando sua atenção do partidor e portanto, já não saindo tão bem. Vá você explicar aos cavalariços, que para partir, o cavalo engaja os posteriores que o impulsionam no momento próprio e caso esteja sendo atemorizado por cima (jóquei) ou por trás (cavalariço), ele não pode compor-se para o movimento de impulsão. Quando os cavalos não querem sair é porque alguma coisa tem, ou nos posteriores (pequeno derrame de curvilhão ou estiramento muscular) ou lesões nos anteriores (juntas e tendões) que ao apoiar, a impulsão dos posteriores, sentem dor. Os treinadores esquecem ou não sabem observar, os veterinários de prescrever. E o resultado é receitar pinguelim no sem vergonha!...

Depois desta digressão voltemos ao gerente do seu haras. Será difícil à primeira vista, encontrar esse jovem recém formado que goste de cavalos? Acho que não, caso você saiba procurar.

Já os egressos de outros haras, elementos mais à vista, trazem maiores inconvenientes que vantagens, a não ser em condições de exceção. Um bom gerente escolhe seus auxiliares, ensinando mesmo aos jovens e formando sua equipe de trabalho. Olha meu caro amigo, acho que um bom gerente é mais valioso que uma boa égua de cria. Porque esta sob um gerente com orientação deficiente, não vai produzir bem pois seus filhos serão mal criados.

Caso você encontre um jovem zootecnista para a gerência do haras não se preocupe com as questões de saúde animal. Para a assistência veterinária você deve ter um consultor. Chama-se o veterinário como se chama o médico, quando há doença. As necessidades de cuidar de episódios quanto à saúde animal em um haras são totalmente distintos de um hipódromo, consequentemente não é mister se ter um veterinário residente.

Um zootecnista possui, em minha opinião, especialização mais adequada para a gerência de um haras, pois em seu curso aprende gestão das propriedades rurais, nutrição e manejo alimentar com as formulações de ração mais adequadas a cada estágio animal, manejo e conservação de pastagens, planejar, assinar e executar projetos de construções rurais específicos de produção animal, inclusive assinar projetos para financiamento rural. Temos que também considerar que como a principal função de um haras é o melhoramento genético animal, certamente um zootecnista terá mais “curiosidade” em se aprofundar nas questões genéticas do PSI, podendo tornar-se outra voz técnica na troca de ideias com você. Em todos os meus anos de turfe nunca encontrei um veterinário que tivesse noção apenas mais do que superficial quanto a genética do PSI, efetivamente, essa é uma questão não afeita a formação profissional veterinária.

As vacinas serão prescritas nos períodos certos por seu veterinário consultor  e quanto à verminose, principal óbice à criação do cavalo puro sangue de corrida, é importante não adotar o sistema de dar vermífugo todos os meses, pois é uma conduta errada e maléfica. Normalmente os exames de fezes são feitos em momentos estratégicos do ano, isto é, quando há mudanças de temperatura (março, junho, setembro e dezembro) e aplique o vermífugo, indicado por seu veterinário, para o tipo de infestação somente naqueles que estiverem parasitados. No Haras Tibagi fazíamos entre 40/50 dias, novo exame de fezes para controle. Seu veterinário consultor saberá o orientar quanto a essas rotinas.

O ferrageador é um personagem de suma importância que deverá ir ao haras pelo menos uma vez ao mês, de 15 em 15 dias. Cuidará dos cascos dos animais, aparando-os e curando-os, quando necessário. Um bom ferrageador consegue paulatinamente corrigir pequenos desvios que porventura algum dos potros possa apresentar...

Quanto ao número de funcionários, fora o manager, considerando todas as funções, a média em um haras bem administrado, é o de 1 para cada 10 animais.

Termino lembrando que é indispensável um planejamento bem feito para que seu haras venha a obter sucesso. Sempre procure consultoria especializada para suas maiores dúvidas, nada de vaidade pessoal, em se considerar "senhor" nas matérias após folhear superficialmente meia dúzia de livros. A criação do PSI é um tema muito complexo e o que mais se vê são haras abrindo e fechando as portas, em razão de seus proprietários se considerarem grandes “especialistas” em pedigrees, manejo, pastagens, veterinária  e acharem que uma consulta em algum manual lhe dará o suporte adequado frente a questões que surjam no dia a dia da propriedade.

Pense como uma nova empresa que você vai dirigir e que sem planejamento, boa assessoria, bons funcionários e organização não será lucrativa.


Reynato Sodré Borges

Tebas – maio - 1979