terça-feira, 8 de agosto de 2023

Reynato Sodré Borges - 7ª carta

 


A lindíssima France - Vasco de Gama e Francoise por Cobalt - (cruzamento idealizado por Reynato Sodré Borges). A criação nacional infelizmente jogou no lixo essas maravilhosas éguas do passado, e a reboque suas genéticas de primeira ordem. 

Infelizmente não soubemos, talvez por questões culturais, seguir o mesmo caminho japonês e australiano, o de manter e apostar em nossas fêmeas de alta classe.

A triste escolha foi se deixar seduzir pelos espertalhões de plantão e acreditar na necessidade de "modernização" do nosso plantel e inundar a criação nacional importando indivíduos de qualidade abaixo da crítica. 

Como sempre, também no turfe, o Brasil perdeu o passo da história.


Meu Caro amigo,

 

Recebi outra carta sua e isto é bom, pois, posso manter esse sentido coloquial no que exponho. Você insiste em saber do regime alimentar do haras.

Em primeiro lugar, exija de seu gerente pastagens de ótima qualidade. Isto é fundamental, se queres ser um criador positivo. Vá na segunda carta que te enviei e veja o que foi praticado com sucesso no Haras Fortuna quanto a pastagens. Mas não posso deixar de recordar que há cerca de 15 anos atrás, vi no Haras Guanabara, uma consorciação de capim rhodes (Chloris gayana) e alfafa (Medicago sativa) feita pelo Dr. Arturo Anwandter, que dava cortes verdes para ser fornecido aos animais nas cocheiras. Tudo pode ser obtido, desde que se procure trabalhar com pessoas competentes. Não se esqueça do conselho para que um agrônomo especializado em pastagens te oriente quanto a implantação e manutenção das mesmas em seu haras. A minha insistência é para que você se conscientize que a boa pastagem é o fundamento principal. Nos EUA vi, no início desse ano, que começam a oferecer quase que exclusivamente aos cavalos em treinamento ração industrializada em forma de pellets, a base de milho pré-cozido, aveia laminada, extrusados e melaço liquido... o que só poderia ser coisa de norte-americanos!!!  O cavalo é um herbívoro e seu organismo está preparado para retirar sua subsistência do verde. O cavalo sintetiza a vitamina B1 no intestino e daí ele ser carente – quando em treinamento dessa vitamina pois, o dominante ou melhor, quase exclusiva, é a alimentação por grão. Assim ele precisa de feno pois, um pouco de celulose é necessária para a sua digestão, que é quase totalmente intestinal.  A boa pastagem é tão importante que pode-se criar potros sem grão até 1 ano ou 1 ½. Esta é a conduta utilizada na Argentina, Uruguai e Rio Grande do Sul, por numerosos criadores. E a nosso ver, é a melhor pratica. É óbvio, que é necessário extensas pastagens com verde de boa qualidade (gramíneas e leguminosas).

Na Europa, já não existe grandes pastagens, mas lá não se vê superlotação nos piquetes e um sistema rotacionado Voisin muito bem dirigido é aplicado para manter os piquetes sempre em condições ótimas. Eles são obrigados no rigor do inverno a dar muito grão (aveia é a dominante e quase exclusiva) - que por sua alta qualidade nutritiva,  pode ser considerada como alimento essencial para o cavalo doméstico. Mas, sempre intercalando com rações cozidas (mashes) a base de centeio, cevada e linhaça mais o essencial feno. Cenouras, beterrabas e hortaliças como: chicória, almeirão, etc são muito utilizadas. Na Normandia também se oferece muita maçã durante a safra.

Na serra existe muitos produtores de hortaliças e talvez seja possível a você se associar a produtores de cenouras e comprar os descartes dessa produção, ou seja, aquelas que por razões diversas não são passíveis de venda no CEASA.

Citando feno lembro-me do capim quicuio, pois seu feno é de boa qualidade como constatei no Stud Rocha Faria que o recebia de seu Haras Santa Annita.

Todo haras deve investir em plantações de alfafa para corte. Apesar de ser uma planta forrageira de clima temperado, a alfafa apresenta uma enorme gama de variações genéticas com variedades de cultivares adaptadas aos climas subtropical e tropical. Extremamente exigente em fertilidade, é indispensável proceder à prévia análise do solo para calagem e adubação adequadas. Você sabe que a alfafa fenada é o melhor feno que existe. Mas, a alfafa verde é um alimento de riqueza excepcional, pois não perdeu ainda algumas substancias importantes que faltarão no feno. A quantidade que se dá é menor do que a fenada. Desta deve-se dar cerca de 6 quilos por animal, 2-2-2 caso você alimente em 3 rações ou 3-4 caso use a política de duas rações.

Outra magnífica leguminosa que você poderá plantar para corte é a marmelada de cavalo (Desmodium discolor).

Na década de 50, o embaixador Oswaldo Aranha falou-me dela, que a plantou em seu Haras Vargem Alegre. Disse-me que recebeu sementes vindas do nordeste, que era menos exigente do que a alfafa quanto ao solo e que estava muito satisfeito com o resultado. Pedi a ele 2 quilos de sementes que foram semeadas no Haras Santa Annita, que teve um tremendo sucesso com esta leguminosa de corte, lá tendo chegado a produzir 20 toneladas de massa verde por hectare ano. Ela dá um arbusto que chega a 1¹/² metros com folhas largas, terminando em trifólio. O seu caule é grosso, 1 a 2 centímetros, mas muito tenro e os animais o comem, até com voracidade, pois tem boa palatabilidade. Anos após, plantei no Haras Fortuna, em Teresópolis, com o mesmo extraordinário sucesso.

Então, parece-me que quanto ao verde você está orientado. Mas, lembre-se, que o feno é também necessário. A alfafa oferecida nos hipódromos é principalmente vinda da região de Bandeirantes (Paraná) e é boa, mas inferior a alfafa argentina, que apesar de importada é muito mais barata. Consequentemente sugiro que contate importador de confiança para lhe fornecer feno de alfafa de procedência argentina.

A principal questão quanto a alimentação é não permitir qualquer alimento mofado, pois certamente inutilizará o seu plantel. Não estou exagerando, pois, o seu teor tóxico é muito grande. Voltarei ao assunto.

Vamos aos grãos. A aveia é um alimento fundamental do cavalo PSI a 300 anos. Pose ser dada inteira, despontada ou não. A aveia achatada que se dá nos hipódromos eleva o risco do mofo, pois não se pode percebê-lo em sua fase inicial, o que não ocorre na aveia inteira. O mal hábito de se dar, entre nós, aveia achatada é devido a que sempre restam da mastigação do cavalo pequeno número de grãos inteiros e que passam pelo tubo digestivo sem serem digeridos pois a sua capa de celulose os protege das enzimas digestivas. Falo isto, devido ao nosso clima, subtropical, com elevado grau de umidade. Nos grandes studs, há alguns anos, a aveia era achatada no dia e desse modo não havia inconveniente algum. Mas nas cooperativas, isto não é possível, e, algumas toneladas são achatadas por vez, a aveia empilhada e vendida pela ordem, ou seja, dependendo do pedido. Assim você poderá adquirir sacos de aveia que já tenham sido achatadas a 1 ou 2 meses atrás e daí, o enorme risco de recebe-los com porções mofadas.

O mesmo se passa com o milho, que é um bom grão para alimentar cavalos. O milho, principalmente o tipo catete e catetinho são muito duros, exigindo que seja quebrado antes de ser oferecido aos cavalos. Entretanto mal ele perde sua proteção de celulose, facilmente se deteriora com a umidade. Também precisa ser quebrado no dia em que vai ser dado como ração.

É muito importante armazenar os grãos e feno em silos apropriados com condição ideal de ventilação e controle de pragas. O risco de se dar alimento poluído, para não dizer infestado, é muito grande e pode devastar a sua criação.

Lembro a você que o cavalo não regurgita alimento, isto é, não vomita. Ele tem uma espécie de válvula na cárdia (orifício proximal do estomago) que não permite o alimento regurgitar. Daí, as frequentes cólicas estomacais, que, quando responsabilizadas por elementos deteriorados, são quase sempre mortais. E quando não o são, trazem um quadro tóxico grave, como icterícia e consequente anemia (muitas vezes confundida por nutaliose). Assim, acho que entre nós, país subtropical com elevado grau de umidade, é muito perigoso dar grãos achatados ou quebrados, salvo quando isto é feito na hora da composição diária da ração.

As rações indicadas por Fournier e Duret para os haras franceses podem ser adaptadas a nossa cor local. Antes de soltar nos piquetes pela manhã (5/6 horas) oferecer 2 litros de aveia prensada e 1 litro de milho quebrado; recolher às 10/11 horas da manhã, dando 2 litros de aveia prensada e 1 litro de milho quebrado estará dando uma boa ração, que deverá ser acrescida de 1¹/² kg de alfafa ou leguminosa verde ou 2 kg de alfafa fenada. Soltá-los às 2/3 horas nos piquetes e recolhe-los às 5/6 horas da tarde e novamente a mesma quantidade de grão e o dobro de feno. Quando recolher, será a oportunidade de examinar cascos (rachaduras, brocas, etc.), limpá-los e examinar os potros que fazem pequenos ferimentos que deverão ser tratados.

Além da ração normal as éguas no período da seca devem receber 2 litros de aveia germinada, muito rica em vitamina E, por isso mesmo útil para a reprodução.

O que também é indispensável na alimentação, é a ração cozida - mashes. Ela deve ser dada 3 vezes por semana, todas as tardes e será às segundas, quartas e sextas em um grupo de cocheiras e terça, quarta e sábado no outro grupo de cocheiras. Desse modo, o empregado que aprendeu a prepará-la o fará, como rotina todos os dias.

Ela poderá ser composta de:

Aveia em grão     5 litros,

Milho em grão     3 litros,

Farelo de trigo     2 litros

Sal grosso           60 gramas.

 

Para um latão de 20 litros.

Estas quantidades não são fixas.

Os animais adoram, e, a quantidade a dar é também 2 litros. É claro que maior quantidade deve ser dada as éguas que estão aleitando e/ou prenhes.

A quantidade de ração cozida a ser dada aos animais não é fixa, e, ficam a critério de gerente, que terá discernimento para saber quais animais necessitam de mais ração.

A ração cozida é indispensável, e, muito econômica, pois o volume do cozido dobra. O levedo de cerveja é muito rico em vitaminas do complexo B, no Haras Guanabara era dado diariamente duas colheres de sopa a cada animal.

Na lactação aconselho a deixar à égua sal e mistura mineral à vontade na cocheira. Isto deve ser tomado em conta pois algumas reprodutoras precisam mais de uma ou de ambas as substâncias. Ficando do lado oposto de onde é colocada a ração normal, só são procurados pela fêmea quanto esta sentir necessidade.

Ainda você poderá enriquecer a alimentação dos animais, dando ovos. A primeira vez que vi usar ovos no regime alimentar de cavalos PSI, foi no Haras Vale da Boa Esperança do saudoso Júlio Cápua, criador dos mais brilhantes que o nosso turfe teve. Na estreia de sua 1ª geração ganhou um clássico. Foi aquele espanto: criador em Petrópolis, como conseguiu? Interrogavam os entendidos. No segundo ano, novamente, cavalos e éguas de primeira qualidade. Resolvi conhecer o haras, e, para lá fui com amigo comum. Piquetes pequenos quase que só permitia passeios e mais uma excelente pista de treinamento (onde eram treinados exclusivamente os cavalos que defendiam o seu stud) com piquetes maiores em seu redondel, o gerente me disse que esses 6 hectares eram o setor principal de pastagens do haras. E ele me explicou a alimentação, que era de 1ª qualidade, alfafa e aveia importados diretamente da Argentina, além do haras possuir uma pequena granja com galinhas da raça Legorne, para que pudessem dar ovos aos animais.

Disse-me que dava às vezes ½ dúzia por refeição. Mas, o principal eram as éguas de bom pedigree e linhas maternas magníficas, o plantel quando dessa minha visita era constituído por 11 éguas. O garanhão era AMPHIS (1º Grand Prix de Vichy, G3, 2º Prix Eugene Adam, G2 e 3º Criterium Stakes, G3), que com um filha de NEARCO deu HYPERIO, que com uma filha de DELIRIUM deu SABINUS, um dos garanhões de seleção do Brasil. Acho que não é necessário dizer algo mais para você entender o meteórico e extraordinário sucesso que Júlio Cápua teve com a sua criação.

No Haras Tibagi, também tínhamos cerca de 300 galinhas em confinamento, nos dando ovos e o esterco que misturado com terra, servia de adubo no alfafal e ao trevo- vermelho (Trifolium pratense) de corte.

Nunca demos mais de 3 ovos por ração e isto, para as éguas com cria. As prenhes e aos potros eram dados 2 ovos em cada ração. Talvez devido ao grande porte dos animais a quantidade fosse pequena, mas, antes pouco do melhor, do que nada! Você sabe que o ovo é um alimento completo, como o leite. É só imaginar, que a clara e a gema alimentam um embrião formando um pinto com esqueleto, vísceras, olhos, etc.

Quanto ao leite, conversaremos mais quando da parição e alimentação do potro.

Lembro-lhe, que não há um esquema único para alimentação. Deve ser estabelecida uma rotina, mas, antes cabe ao gerente perceber aqueles indivíduos que precisam de mais ou menos ração.

 

 

Reynato Sodré Borges

Tebas – junho - 1979