A lindíssima France - Vasco de Gama e Francoise por Cobalt - (cruzamento idealizado por Reynato Sodré Borges). A criação nacional infelizmente jogou no lixo essas maravilhosas éguas do passado, e a reboque suas genéticas de primeira ordem.
Infelizmente não soubemos, talvez por questões culturais, seguir o mesmo caminho japonês e australiano, o de manter e apostar em nossas fêmeas de alta classe.
A triste escolha foi se deixar seduzir pelos espertalhões de plantão e acreditar na necessidade de "modernização" do nosso plantel e inundar a criação nacional importando indivíduos de qualidade abaixo da crítica.
Como sempre, também no turfe, o Brasil perdeu o passo da história.
Meu Caro amigo,
Recebi outra carta sua e isto é bom, pois, posso manter
esse sentido coloquial no que exponho. Você insiste em saber do regime
alimentar do haras.
Em primeiro lugar, exija de seu gerente pastagens de
ótima qualidade. Isto é fundamental, se queres ser um criador positivo. Vá na
segunda carta que te enviei e veja o que foi praticado com sucesso no Haras
Fortuna quanto a pastagens. Mas não posso deixar de recordar que há cerca de 15
anos atrás, vi no Haras Guanabara, uma consorciação de capim rhodes (Chloris
gayana) e alfafa (Medicago sativa) feita pelo Dr. Arturo Anwandter, que dava
cortes verdes para ser fornecido aos animais nas cocheiras. Tudo pode ser
obtido, desde que se procure trabalhar com pessoas competentes. Não se esqueça
do conselho para que um agrônomo especializado em pastagens te oriente quanto a
implantação e manutenção das mesmas em seu haras. A minha insistência é para
que você se conscientize que a boa pastagem é o fundamento principal. Nos EUA
vi, no início desse ano, que começam a oferecer quase que exclusivamente aos
cavalos em treinamento ração industrializada em forma de pellets, a base de milho pré-cozido, aveia laminada, extrusados e
melaço liquido... o que só poderia ser coisa de norte-americanos!!! O cavalo é um herbívoro e seu organismo está
preparado para retirar sua subsistência do verde. O cavalo sintetiza a vitamina
B1 no intestino e daí ele ser carente – quando em treinamento dessa vitamina
pois, o dominante ou melhor, quase exclusiva, é a alimentação por grão. Assim
ele precisa de feno pois, um pouco de celulose é necessária para a sua
digestão, que é quase totalmente intestinal.
A boa pastagem é tão importante que pode-se criar potros sem grão até 1
ano ou 1 ½. Esta é a conduta utilizada na Argentina, Uruguai e Rio Grande do
Sul, por numerosos criadores. E a nosso ver, é a melhor pratica. É óbvio, que é
necessário extensas pastagens com verde de boa qualidade (gramíneas e
leguminosas).
Na Europa, já não existe grandes pastagens, mas lá não se
vê superlotação nos piquetes e um sistema rotacionado Voisin muito bem dirigido
é aplicado para manter os piquetes sempre em condições ótimas. Eles são
obrigados no rigor do inverno a dar muito grão (aveia é a dominante e quase
exclusiva) - que por sua alta qualidade nutritiva, pode ser considerada como alimento essencial
para o cavalo doméstico. Mas, sempre intercalando com rações cozidas (mashes) a
base de centeio, cevada e linhaça mais o essencial feno. Cenouras, beterrabas e
hortaliças como: chicória, almeirão, etc são muito utilizadas. Na Normandia
também se oferece muita maçã durante a safra.
Na serra existe muitos produtores de hortaliças e talvez
seja possível a você se associar a produtores de cenouras e comprar os
descartes dessa produção, ou seja, aquelas que por razões diversas não são
passíveis de venda no CEASA.
Citando feno lembro-me do capim quicuio, pois seu feno é
de boa qualidade como constatei no Stud Rocha Faria que o recebia de seu Haras
Santa Annita.
Todo haras deve investir em plantações de alfafa para
corte. Apesar de ser uma planta forrageira de clima temperado, a alfafa
apresenta uma enorme gama de variações genéticas com variedades de cultivares adaptadas
aos climas subtropical e tropical. Extremamente exigente em fertilidade, é
indispensável proceder à prévia análise do solo para calagem e adubação
adequadas. Você sabe que a alfafa fenada é o melhor feno que existe. Mas, a
alfafa verde é um alimento de riqueza excepcional, pois não perdeu ainda
algumas substancias importantes que faltarão no feno. A quantidade que se dá é
menor do que a fenada. Desta deve-se dar cerca de 6 quilos por animal, 2-2-2
caso você alimente em 3 rações ou 3-4 caso use a política de duas rações.
Outra magnífica leguminosa que você poderá plantar para
corte é a marmelada de cavalo (Desmodium discolor).
Na década de 50, o embaixador Oswaldo Aranha falou-me
dela, que a plantou em seu Haras Vargem Alegre. Disse-me que recebeu sementes
vindas do nordeste, que era menos exigente do que a alfafa quanto ao solo e que
estava muito satisfeito com o resultado. Pedi a ele 2 quilos de sementes que
foram semeadas no Haras Santa Annita, que teve um tremendo sucesso com esta
leguminosa de corte, lá tendo chegado a produzir 20 toneladas de massa verde
por hectare ano. Ela dá um arbusto que chega a 1¹/² metros com folhas largas,
terminando em trifólio. O seu caule é grosso, 1 a 2 centímetros, mas muito
tenro e os animais o comem, até com voracidade, pois tem boa palatabilidade.
Anos após, plantei no Haras Fortuna, em Teresópolis, com o mesmo extraordinário
sucesso.
Então, parece-me que quanto ao verde você está orientado.
Mas, lembre-se, que o feno é também necessário. A alfafa oferecida nos
hipódromos é principalmente vinda da região de Bandeirantes (Paraná) e é boa, mas
inferior a alfafa argentina, que apesar de importada é muito mais barata.
Consequentemente sugiro que contate importador de confiança para lhe fornecer feno
de alfafa de procedência argentina.
A principal questão quanto a alimentação é não permitir
qualquer alimento mofado, pois certamente inutilizará o seu plantel. Não estou
exagerando, pois, o seu teor tóxico é muito grande. Voltarei ao assunto.
Vamos aos grãos. A aveia é um alimento fundamental do
cavalo PSI a 300 anos. Pose ser dada inteira, despontada ou não. A aveia
achatada que se dá nos hipódromos eleva o risco do mofo, pois não se pode
percebê-lo em sua fase inicial, o que não ocorre na aveia inteira. O mal hábito
de se dar, entre nós, aveia achatada é devido a que sempre restam da mastigação
do cavalo pequeno número de grãos inteiros e que passam pelo tubo digestivo sem
serem digeridos pois a sua capa de celulose os protege das enzimas digestivas.
Falo isto, devido ao nosso clima, subtropical, com elevado grau de umidade. Nos
grandes studs, há alguns anos, a aveia era achatada no dia e desse modo não
havia inconveniente algum. Mas nas cooperativas, isto não é possível, e,
algumas toneladas são achatadas por vez, a aveia empilhada e vendida pela ordem,
ou seja, dependendo do pedido. Assim você poderá adquirir sacos de aveia que já
tenham sido achatadas a 1 ou 2 meses atrás e daí, o enorme risco de recebe-los
com porções mofadas.
O mesmo se passa com o milho, que é um bom grão para
alimentar cavalos. O milho, principalmente o tipo catete e catetinho são muito
duros, exigindo que seja quebrado antes de ser oferecido aos cavalos. Entretanto
mal ele perde sua proteção de celulose, facilmente se deteriora com a umidade.
Também precisa ser quebrado no dia em que vai ser dado como ração.
É muito importante armazenar os grãos e feno em silos
apropriados com condição ideal de ventilação e controle de pragas. O risco de
se dar alimento poluído, para não dizer infestado, é muito grande e pode
devastar a sua criação.
Lembro a você que o cavalo não regurgita alimento, isto
é, não vomita. Ele tem uma espécie de válvula na cárdia (orifício proximal do
estomago) que não permite o alimento regurgitar. Daí, as frequentes cólicas
estomacais, que, quando responsabilizadas por elementos deteriorados, são quase
sempre mortais. E quando não o são, trazem um quadro tóxico grave, como
icterícia e consequente anemia (muitas vezes confundida por nutaliose). Assim,
acho que entre nós, país subtropical com elevado grau de umidade, é muito
perigoso dar grãos achatados ou quebrados, salvo quando isto é feito na hora da
composição diária da ração.
As rações indicadas por Fournier e Duret para os haras
franceses podem ser adaptadas a nossa cor local. Antes de soltar nos piquetes pela
manhã (5/6 horas) oferecer 2 litros de aveia prensada e 1 litro de milho
quebrado; recolher às 10/11 horas da manhã, dando 2 litros de aveia prensada e
1 litro de milho quebrado estará dando uma boa ração, que deverá ser acrescida
de 1¹/² kg de alfafa ou leguminosa verde ou 2 kg de alfafa fenada. Soltá-los às
2/3 horas nos piquetes e recolhe-los às 5/6 horas da tarde e novamente a mesma
quantidade de grão e o dobro de feno. Quando recolher, será a oportunidade de
examinar cascos (rachaduras, brocas, etc.), limpá-los e examinar os potros que
fazem pequenos ferimentos que deverão ser tratados.
Além da ração normal as éguas no período da seca devem
receber 2 litros de aveia germinada, muito rica em vitamina E, por isso mesmo
útil para a reprodução.
O que também é indispensável na alimentação, é a ração
cozida - mashes. Ela deve ser dada 3 vezes por semana, todas as tardes e será às
segundas, quartas e sextas em um grupo de cocheiras e terça, quarta e sábado no
outro grupo de cocheiras. Desse modo, o empregado que aprendeu a prepará-la o
fará, como rotina todos os dias.
Ela poderá ser composta de:
Aveia em grão 5
litros,
Milho em grão 3
litros,
Farelo de trigo
2 litros
Sal grosso
60 gramas.
Para um latão de 20 litros.
Estas quantidades não são fixas.
Os animais adoram, e, a quantidade a dar é também 2
litros. É claro que maior quantidade deve ser dada as éguas que estão aleitando
e/ou prenhes.
A quantidade de ração cozida a ser dada aos animais não é
fixa, e, ficam a critério de gerente, que terá discernimento para saber quais
animais necessitam de mais ração.
A ração cozida é indispensável, e, muito econômica, pois
o volume do cozido dobra. O levedo de cerveja é muito rico em vitaminas do
complexo B, no Haras Guanabara era dado diariamente duas colheres de sopa a
cada animal.
Na lactação aconselho a deixar à égua sal e mistura
mineral à vontade na cocheira. Isto deve ser tomado em conta pois algumas
reprodutoras precisam mais de uma ou de ambas as substâncias. Ficando do lado
oposto de onde é colocada a ração normal, só são procurados pela fêmea quanto
esta sentir necessidade.
Ainda você poderá enriquecer a alimentação dos animais,
dando ovos. A primeira vez que vi usar ovos no regime alimentar de cavalos PSI,
foi no Haras Vale da Boa Esperança do saudoso Júlio Cápua, criador dos mais
brilhantes que o nosso turfe teve. Na estreia de sua 1ª geração ganhou um
clássico. Foi aquele espanto: criador em Petrópolis, como conseguiu?
Interrogavam os entendidos. No segundo ano, novamente, cavalos e éguas de
primeira qualidade. Resolvi conhecer o haras, e, para lá fui com amigo comum.
Piquetes pequenos quase que só permitia passeios e mais uma excelente pista de
treinamento (onde eram treinados exclusivamente os cavalos que defendiam o seu
stud) com piquetes maiores em seu redondel, o gerente me disse que esses 6
hectares eram o setor principal de pastagens do haras. E ele me explicou a
alimentação, que era de 1ª qualidade, alfafa e aveia importados diretamente da
Argentina, além do haras possuir uma pequena granja com galinhas da raça Legorne,
para que pudessem dar ovos aos animais.
Disse-me que dava às vezes ½ dúzia por refeição. Mas, o
principal eram as éguas de bom pedigree e linhas maternas magníficas, o plantel
quando dessa minha visita era constituído por 11 éguas. O garanhão era AMPHIS (1º
Grand Prix de Vichy, G3, 2º Prix Eugene Adam, G2 e 3º Criterium Stakes, G3),
que com um filha de NEARCO deu HYPERIO, que com uma filha de DELIRIUM deu
SABINUS, um dos garanhões de seleção do Brasil. Acho que não é necessário dizer
algo mais para você entender o meteórico e extraordinário sucesso que Júlio
Cápua teve com a sua criação.
No Haras Tibagi, também tínhamos cerca de 300 galinhas em
confinamento, nos dando ovos e o esterco que misturado com terra, servia de
adubo no alfafal e ao trevo- vermelho (Trifolium pratense) de corte.
Nunca demos mais de 3 ovos por ração e isto, para as
éguas com cria. As prenhes e aos potros eram dados 2 ovos em cada ração. Talvez
devido ao grande porte dos animais a quantidade fosse pequena, mas, antes pouco
do melhor, do que nada! Você sabe que o ovo é um alimento completo, como o
leite. É só imaginar, que a clara e a gema alimentam um embrião formando um
pinto com esqueleto, vísceras, olhos, etc.
Quanto ao leite, conversaremos mais quando da parição e
alimentação do potro.
Lembro-lhe, que não há um esquema único para alimentação.
Deve ser estabelecida uma rotina, mas, antes cabe ao gerente perceber aqueles
indivíduos que precisam de mais ou menos ração.
Reynato Sodré Borges
Tebas – junho - 1979