segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Lições dos grandes - Haras São José & Expedictus

 

 

 

Antiga foto aérea de parte do Haras São José em Rio Claro, SP.

 

Esse artigo tem sua origem em memórias e anotações de nossa convivência com o Dr. Francisco Eduardo, o comandante da criação Paula Machado quanto a genética PSI. Procuraremos expor como foram construídas as famílias dos Haras São José & Expedictus e avançaremos até 1985, data da importação de Tampero e infelizmente por razões de trabalho e residência em outra cidade, o último ano de uma convivência mais assídua com esse grande mestre.




Antiga foto aérea de parte do Haras Expedictus em Botucatu, SP.

 

Em nosso entendimento, Francisco Eduardo de Paula Machado é o criador mais técnico que o Brasil já teve quanto a "finesse" para construir e avançar na seleção de um plantel dentro de um haras "fechado", como era o modelo brasileiro na época de ouro do nosso turfe.

Dr. Francisco Eduardo recebendo Helíaco, um dos incontáveis craques produzidos pelos Haras São José & Expedictus, celeiros de campeões.

O Haras São José foi fundado em 1906 por Linneo de Paula Machado e seu pai Francisco Vilella de Paula Machado. Linneo viajou em seguida para a França onde adquiriu para garanhões Flaneur e Zimpanet mais um lote de 11 éguas, sendo esse o núcleo de fundação do haras. Em seu início, Linneo selecionou na França para fundadoras éguas pertencentes as linhas maternas de maior sucesso no momento. Flaneur e Zimpanet ao contrário, eram animais de menor expressão e pouco contribuiram na trajetória do haras.

Diante do fraco resultado inicial e necessitando de uma melhor resposta, entre 1913 e 1917 foram importados Tarpoley (St Simon), Pericles (Persimmon) e Novelty (Kingston), sendo que Maboul (Perth) servia na França, onde padreava em temporada sul-americana as éguas que seriam importadas.

Entre 1921 e 1927 foram importados o argentino Sin Rumbo (Val d'Or), Perrier (Persimmon), Tomy (Rabelais) e Thermogene (Polymelus). Novelty e agora Sin Rumbo foram os dois garanhões que marcaram profundamente a criação Paula Machado como os pilares genéticos desses momentos iniciais. 

Novelty gerou Santarém, Kitchner, Kellerman, Miragaia, Mangerona, Nemo, Núbil, Ocarina, Primazi, Rival, etc. Sin Rumbo produziu Questor, Queixume, Boi Tatá, Sapho, Quatiara, Sem Medo, Tocaia, Xenon, Zaga, etc. 

O élevage Paula Machado sob a batuta de Linneo e agora acompanhado de perto por Francisco Eduardo iniciou em 1933 com a importação de Trinidad (Phalaris) a sua época de ouro. Trinidad gerou no Brasil ao craque Albatroz (1936) na mesma época em que nasciam na Europa os invictos Nearco (1935) e Pharis (1936), ambos Pharos - Phalaris. 

Cabe destacar que Trinidad foi o primeiro Phalaris a ser importado para a América do Sul. Linneo e Francisco foram muito influenciados por VUILLIER, abraçaram o conceito de velocidade preconizado por este na criação Aga Khan e tinham tanta certeza que PHALARIS era o rumo a ser seguido, que ainda em 1935 importaram Bosphore (Colorado - Phalaris). Full Sail foi importado pela Argentina em 1940. Trinidad além de Albatroz produziu Saphinha, L'Atlantide, Miragaio, Biga, Criolan (primeiro tríplice-coroado do haras), Carin, Neru, etc.

A criação dos Paula Machado possuía nas suas matrizes muita genética de St Simon e por tal razão em 1937 foi importado Formastérus. O objetivo era repetir a já consagrada combinação da linha alta de Asterus com a genética de St Simon, essa já bastante espraiada pelas éguas do haras. Formasterus produziu Fontaine, Guaycurú, Goyo, Heron, Halcyon, Maki, Parati, Ossian, Quebec, Quadrilha, Quixu, Rocket, etc.

- Em 1941 foi importado Maranta (Solario - Gainsborough) para repetir o cruzamento de sucesso Gainsborough - Phalaris. 

- Também em 1941 foi adquirido Hippius (Hyperion), bicampeão do Champion Stakes, mas ele foi perdido quando seu transporte foi afundado pela marinha alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Na sua perda, em 1942 foi importado High Sheriff (Hyperion) para trabalhar as Phalaris. Hyperion x Phalaris também era um cruzamento de sucesso naquele momento.

- Em 1943 Singapore (Gainsborough) para novamente ir atrás de Gainsborough x Phalaris.

- Em 1950, Dr. Francisco importa Fort Napoleon (Tourbillon) para repetir Tourbillon x Asterus com o aditivo do inbreeding sobre a matriarca Basse Terre. Fort Napoleon foi notável garanhão entre nós, Tibetano, Lucarno, Liberté, Limoges, Devon, Turqueza, Althéa, Obelion, Ruban Bleu, Don Diego, Toreador, Flash Gordon, Véronique, Jasmin, Tapuia, etc.

E todas as combinações masculinas acima citadas que já eram consagradas em suas origens foram potencializadas por uma base ventral já formada dentro de um mesmo norte, St Simon = Tarpoley, Pericles, Perrier, Persimmon, Tomy... ou então Galopin = Maboul, ou Ormonde = Sin Rumbo.

 

Os que possuem pouco conhecimento técnico do assunto podem pensar que toda essa trajetória de sucesso e a junção de destacadas combinações é fruto do acaso, mas não é. Pode parecer que é, mas não é... O alto nível alcançado pelo Haras São José & Expedictus foi devido a perspicácia do gênio Francisco Eduardo de Paula Machado em observar a gravitação das linhas no turfe internacional e a aplicar em seu haras. Uma vez ao mostrarmos nossa admiração por seu trabalho, nos disse que o seu senso de observação dentro do PSI foi aprendido com seu pai e era a ele a quem deveria ser creditado o sucesso de sua criação.


Então era essa a diretriz no avançar das linhas e suas combinações no Haras São José & Expedictus.


Dr. Francisco dentro de um entendimento, também compartilhado pelo Dr. Roberto Seabra, em determinado momento percebeu que havia a necessidade de um choque de rusticidade, para agregar mais "osso" nas suas famílias muito afrancesadas, principalmente considerando o elevado refinamento da combinação Fort Napoléon + Formastérus e diante da importação recente de Dragon Blanc (Brantome). Por tal razão trouxe em 1956 Blackamoor (Badruddin), já destacado garanhão no Uruguai. Entre nós gerou Valmy, Brigitte, Bugrinha, Dominó, Tasmânia, etc. Mas Blackamoor se destacou mesmo foi como incomparável avô materno, entre outros o é de Lucarno, Obelion, Orpheus, Aporema, Derek, etc.

Dragon Blanc, dono de régio pedigree e ótima campanha, infelizmente mostrou-se um animal extremamente violento na hora de padrear, colocando em risco a si, as éguas e ao pessoal envolvido no ato, sendo desativado aos poucos de sua função como reprodutor. Mas se tornou ótimo avô materno mesmo com poucas filhas, o sendo entre outros de Itajara e Super Star.

 


Blackamoor quando ainda em serviço no Haras Uruguay.

 

Evidentemente ao longo da trajetória aconteceram animais que não responderam ao que deles se esperava, modernamente podemos citar Canterbury (Charlottesville), Haseltine (Tenerani) e Tampero (Pharly), respectivamente importados em 1965, 1966 e 1985. Nesses três casos específicos o que foi dito é que Canterbury e Tampero foram animais de boa campanha e trazidos fora do eixo St Simon, mais como uma tentativa para abrir as linhagens do haras, fortemente estabelecidas em nomes já citados. 

Se bem que Canterbury produziu a craque Super Star, segundo Ernani de Freitas a melhor égua que tinha treinado. Quanto a Haseltine, Dr. Francisco se mostrava incrédulo com a sua falha, mesmo tendo deixado três reduzidas gerações, realmente era esperado dele um sucesso igual ao de Alipio, ambos foram importados no mesmo ano.  

Em contrapartida em 1978 chega Karabas = Worden - Wild Risk - Rialto - Rabelais - St Simon, que foi também importado com o intuito de gerar matrizes e se destacou como brilhante avô materno, além de ser o melhor pai de segundas e terceiras mães que já existiu na criação brasileira. Possui 14 individuais ganhadores de grupo como seus netos diretos, 18 individuais ganhadores de grupo como pai de segundas mães e 8 como de terceiras mães! Heracleon foi o seu melhor filho.

Temos Alipio em 1966, filho de Verso = Pinceau - Alcantara - Perth - War Dance - Galliard - Galopin,  (Verso uma outra paixão do Dr. Francisco), e que com 3 reduzidas gerações produziu Orpheus. Na letra O um raio caiu em um dos piquetes do haras e vitimou a maioria de suas filhas dessa sua última geração.

Com a prematura perda de Alipio, que havia sido alçado a pastor-chefe do haras em virtude da avançada idade de Fort Napoléon foi importado em 1974 Felicio. Cabe destacar que Dr. Francisco tinha seu método rígido de trabalho, com a morte de Alipio e com toda a sua carta de monta já definida arrendou do Dr. Roberto Seabra a Chio, um filho de Alipio, para aquela estação de monta. Desses serviços nasceu Pavane, mãe de Baronius.

A chegada de Falkland em 1973 corresponde a um fato curioso, Dr. Francisco Eduardo era fascinado por Owen Tudor - ramo de Hyperion, e comentou que havia dado um cochilo com Elpenor (Owen Tudor). Elpenor era monorquídeo, o que segundo ele o fez pensar mais do que devia, quando finalmente decidiu comprar Elpenor soube que ele já  havia sido negociado com o Haras do Arado.

O Haras do Arado pertencia ao Dr. Breno Caldas, também um ser humano de primeira grandeza e que por reconhecer o seu não domínio da genética PSI contratou como consultor o expert Nestor Cavalcanti. E foi a partir do momento em que Nestor assumiu a direção técnica é que o Haras do Arado foi alavancado a posição de destaque que gozou, saindo de garanhões de baixo calibre para Elpenor, Estoc, Dark Warrior e Profundo, sem contar a importação de éguas como Ourocinza, Oreada, Balcarse, etc. Elpenor se destacou como um ótimo garanhão no Brasil. 

Falkland era um Right Royal - Owen Tudor, ramo de St Simon e nos entregou o craque Baronius, além de Grison, Levron, Apple Honey, etc. Dr. Francisco sempre trilhando conhecidos atalhos para o sucesso...

Felicio respondeu por uma nova tentativa de se trazer a linhagem de Prince Bio, mas agora ao contrário de Canterbury - muito pesada - refrescada por Sicambre e pelo brilhantismo de Guersant com o aporte de Hyperion. Felicio se tornou em estupendo sucesso na reprodução, combinando com todas as linhagens das éguas existentes no haras, é pai simplesmente de Itajara, African Boy, Fantasie, Aporema, Amazon, Aragonais, Anglicano, Tucunaré, Tiburon, etc.

Também deve ser citado o importado no ventre Fastener (Nearco - Pharos - Phalaris), um handicap horse que com poucas oportunidades na reprodução se apresentou como bom avô materno, Aporé, Tibetano, Tucunaré, Aragonais,  etc.

Não podemos esquecer para encerrarmos o rústico Kublai Khan, um duplo Phalaris pelos veios masculinos, que ofereceu ao turfe brasileiro o craque Derek. 

 

Que o exemplo do Haras São José & Expedictus seja uma lição, a busca de um bom cavalo PSI tem sua origem em um cruzamento correto, onde são respeitadas linhas compatíveis. Ao contrário da maioria dos cruzamentos que se observa hoje na criação brasileira, combinações ao acaso sem um mínimo critério técnico. Mais parecendo um sorteio que se assistia antigamente na televisão no programa do Chacrinha, tipo as éguas são um monte de cartas espalhadas no chão, separa-se o nome de um garanhão, as cartas são jogadas para cima, a que a mão pegar vai ser e seja o que Deus quiser... 

E la nave va fellinianamente.