quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Reynato Sodré Borges - 8ª carta

 



Na foto Mais Que Nada, cruzamento por Reynato Sodré Borges, vencendo o GP Diana. J.M. Amorim up.



Meu Caro amigo,


Vamos conversar sobre funcionamento do haras. Sei que há um “modismo” no nosso meio criatório de deixar os animais (éguas vazias, cheias e potros desmamados) soltos no piquete, de dia e de noite. É realmente uma boa conduta, para quem tem grandes piquetes, como os haras do Rio Grande do Sul. Não porém, para os haras da serra fluminense ou para a maioria dos de Campinas. No município de Bagé, há haras com piquetes imensos e ricos de bom verde, como o Sideral e Mondesir. O maior piquete do Sideral tem 19 hectares e o menor 6. A média dos 20 ou 23 piquetes (não me lembro o número certo) é de 10 hectares. Em um só piquete do Sideral caberia a maioria dos haras da serra. Imagine você ainda que com o rodizio que fazem, e, com o verde de boas gramíneas e leguminosas (azevém, cornichão e trevos diversos) esses piquetes resistem bem ao pisoteio. Na serra adotar a política de soltos dia e noite é um desastre, pois o pisoteio e os dejetos naturais não permitem manter os piquetes em condições ótimas de sua flora, compreenda que você deverá adotar um sistema de rodízio de pastagens com curto espaço de duração do pastoreio, a exemplo do Haras São Bernardo que mesmo localizado em área que não é a mais indicada para criação obteve imenso sucesso adotando metodologia própria que você deve seguir e que em termos gerais é na qual baseio a maioria dos meus aconselhamentos.

Outro aspecto fundamental em um haras de pequeno porte é possuir um bom sistema de irrigação por aspersão. Com um sistema de aspersão você poderá fazer a fertirrigação, que é algo ainda muito novo entre nós e muito utilizado em sistemas com uso intensivo de pastagens como vi na Nova Zelândia. Para tal sugiro consultar um agrônomo, e se o seu agrônomo desconhecer a fertirrigação troque de agrônomo.

Um problema importante em um haras é a cama para os animais. Como já comentei o Haras Santa Annita utilizava o corte de capim pangola como cama. É boa e a égua, que em regra é voraz, come parte dela a noite e você deverá ter uma extensa capineira para oferecer esse tipo de cama para não ficar na mão. O Santa Annita possuía grandes capineiras e esse certamente não é o seu caso, portanto procure uma cooperativa no sul que forneça fardos de palha de trigo, de aveia ou de arroz. Nos hipódromos o que mais usam é a maravalha, também é boa e talvez seja uma opção mais adequada quanto a valores e logística. Cabe a você estudar qual a melhor opção para o seu haras.

Vou contar a você o que aprendi no Haras Guanabara (sempre os Seabra inovando). Posso simplificar dizendo que coloque 6 varas de bambú com cerca de 2 metros de altura fincadas ao solo. Forme retângulos e, cada vara de bambú separada 1¹/² metro uma da outra. As camas (de palha ou capim) são jogadas nas varas, como que formando espantalhos, pois, ficarão, como foram jogadas. Expostas ao sol e a chuva, elas vão se decompondo e cerca de 3 meses após, você terá uma camada de mais ou menos 30 cms de um ótimo adubo orgânico de cobertura.

Caso opte por maravalha a opção de esterqueiras secas é a melhor opção para obtenção de adubo orgânico. Mas, caso não lhe agrade o método Seabra essas esterqueiras também poderão receber as camas de palhada.

Todos os resíduos decorrentes das lavagens diárias das cocheiras e mais o chorume proveniente da esterqueira seca deverão ser encaminhados por canalização para uma chorumeira (tanque revestido aberto) e deste para chorumeiras menores de cura, onde esse liquido deverá ficar no mínimo 60 dias antes de ser utilizado na fertirrigação. Você verá que esses procedimentos, de considerável investimento inicial, serão rapidamente amortizados com a redução dos gastos em adubos.

Quanto ao regime de rações, que você mostrou dúvidas em sua última carta, volto ao assunto, dizendo que na Europa é frequente dar 4 rações por dia. É claro, dividindo o total. O Haras Guanabara segue o método de 4 rações diárias: às 5, 9, 13 e 18 horas...  Citei esse exemplo, mas, eu mesmo, considero inexequível para a imensa maioria dos haras em nosso meio. Deves ter ficado admirado das 4 rações que dão na Europa. Eu também fiquei há cerca de 20 anos. E o porquê disso? Depois de refletir, é fácil explicar: o cavalo tem um estômago pequeno em relação ao seu volume físico. Assim, como ele não tem vesícula, a bile flue, praticamente de modo contínuo, e, sendo um herbívoro em liberdade, ele come continuamente. Pelo domínio do homem, tornou-se granívoro e, seu estômago não pode suportar grande quantidade de grão, em uma mesma refeição.

Aconselho a evitar rações concentradas, que começam a surgir em nosso mercado aos moldes dos EUA. São realmente bem compostas, teoricamente, mas, o seu uso é perigoso (entre nós), pelo menos até o momento presente. Vou contar a você um fato que se passou na década de 60. Um notável veterinário compôs uma ração para equinos. Perfeita, quanto aos elementos que a compunham. Alguns haras começaram a usá-la e dentro de meses, houve mortes de éguas de cria. Uma hoje, outra daí a 2 meses, e, não havia explicação para justificar o fato. Até que um haras, diante da falta de aveia e o preço elevadíssimo da que existia, resolveu usar essa ração composta, como alimentação, quase exclusiva. Foi um desastre! Além de perder 8 potros recém natos, teve um elevado índice de infertilidade nas éguas. Na mesma época, soube em São Paulo, por pessoa responsável, que os ingleses lamentavam a compra no Brasil de grande quantidade de tortas de amendoim, que foram causadoras de uma perda elevada em um parque aviário. Isto, coincidiu, com anúncios repetidos na seção agrícola do Estadão, sobre financiamento do Banco do Brasil, de máquinas para secagem de amendoim. O amendoim é rico em proteína, mas, os cogumelos do mofo é o que traz elementos tóxicos. Isto tudo se passou, não por má fé e sim, por ignorância. As primeiras farinhas e/ou farelo de soja, por exemplo, só podiam ser dados em pequenas quantidades. Agora, quinze anos depois, estou certo que as condições de fabricação, sejam diferentes e melhores, mas, a mim, não inspiram confiança. Os bovinos, por exemplo, digerem de forma diferente que os equinos, e esses são os animais domésticos herbívoros mais sensíveis quanto a alimentação fora de seu ambiente natural. Não tenha dúvida que pelo custo a base dessas rações no Brasil é a soja...

Em fins de 1976 estivemos no Kentucky visitando alguns haras no entorno de Lexington e procuramos saber da alimentação e, nada conseguimos, pois, davam respostas que não satisfaziam ou mudavam de assunto. Há segredos em alimentação, não são só nos haras, como também nas cocheiras de treinamento. Os americanos do norte usam rações concentradas, mas, só as conhecemos de nome, algumas anunciadas nas revistas, sobre a quantidade e experiência do seu uso, não conseguimos obter esclarecimentos.

Assim, meu caro amigo, o meu conselho é de não usar qualquer artifício alimentar. Volto a insistir para que tenhas um alfafal ou outra leguminosa, 1 hectare para um haras como o seu é suficiente, que bem adubado e irrigado, dará de 8 a 10 cortes anuais. Como comentei anteriormente a cenoura é um alimento muito importante para o PSC e além de tentar formar parcerias com os produtores de hortaliças locais, que são muitos na serra, você deverá implementar a produção própria de cenouras. A cenoura e sua ramagem é muito importante para os garanhões e éguas na temporada de monta. A cenoura deve ser dada, para ter real valor alimentício, na quantidade de 2 quilos, lavada, laminada e com ramagem. E lembre-se dos ovos!

 

Reynato Sodré Borges

Tebas – julho - 1979