segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Depressão por endogamia e durabilidade no Puro-Sangue

 



Prestamos aqui nossa homenagem à Woottom Bassett, é de se lamentar que o destino levou precocemente esse grande melhorador da raça. Foto, maio de 2025, em Coolmore Stud, Fethard, Tipperary, Irlanda.


No caso específico do universo europeu do PSI, fica evidente que ele está cada vez mais competitivo, e é exigido dos grandes potentados do turfe, notadamente Aga Khan, Coolmore, Godolphin, Juddmonte e Wertheimer, que mais ferramentas sejam estudadas e utilizadas para que se mantenham como players positivos na esfera da produção de alta classe. 

Estudar a genética da raça quanto a convergência de consanguinidades e consequente filtragem das linhas que mais combinam entre si, é um dos pilares básicos na indústria do turfe. 

O excelente trabalho transcrito abaixo, faz parte desses estudos que devem ser considerados. Principalmente em um ambiente como a criação brasileira, que possui massiva influência da genética norte-americana.

Boa leitura...


Depressão por endogamia e durabilidade no Puro-Sangue da América do Norte

Resumo:

A proporção do genoma contendo sequências de homozigosidade contínua (ROH) afeta as características de produção em populações de animais. Em Puro-Sangues europeus e da Australásia, a consanguinidade, quantificada usando ROH (FROH), está associada à probabilidade de participar de corridas. Aqui, medimos o FROH usando 333 K SNPS de 768 cavalos PSI nascidos na América do Norte para avaliar o efeito da consanguinidade nas características de corrida nessa região. Entre os cavalos norte-americanos,o FROH não se associou (p = 0,518) com a probabilidade de correr, mas se associou significativamente com o número de participações em corrida (p = 0,002). Entre os cavalos que correram, aqueles com FROH 10% acima da média do coeficiente de consanguinidade foram previstos para ter 3,5 corridas a menos em comparação com cavalos com coeficiente  médio de consanguinidade. Considerando a tendência de aumento da consanguinidade e a diminuição do número médio de participações em corrida por cavalo na América do Norte, mitigar a consanguinidade na população Puro-Sangue norte-americana poderia influenciar positivamente a sua durabilidade nas corridas.

O cavalo Puro-Sangue possui baixa diversidade genética em relação à maioria das outra raças de cavalos, com um tamanho populacional efetivo pequeno e uma tendência de aumento da consanguinidade. Até recentemente, os efeitos da consanguinidade baseadas em pedigree estão associadas a um forte efeito negativo no desempenho em corridas. Em Puro-Sangues europeus e australásicos, a consanguinidade, quantificada com base em sequências de homozigosidade (ROH) determinadas a partir de dados de SNP em todo genoma, está associado a uma menor probabilidade de jamais competir em corridas.

Embora a população esteja distribuida globalmente, o Puro-Sangue é em grande parte geneticamente homogêneo, com considerável sobreposição na variação entre as regiões. Para cada região geográfica, linhagens paternas proeminentes são os principais motores de diversidade genética. No entanto, seleção específica por região para características favoráveis aos diferentes ecossistemas de corrida e variação nas práticas de criação podem impactar as diferenças na genética populacional entre regiões geográficas.

Portanto, examinamos os efeitos da consanguinidade na população de Puro-Sangue norte-americana e comparamos com os resultados obtidos para cavalos europeus e australásicos. Quantificamos a consanguinidade com base em ROH (FROH) usando genótipos de 333 K SNP de n = 768 cavalos (n = 207 machos, n = 561 fêmeas) nascidos na América do Norte entre 2008 e 2016 e genotipados no Axiom Equine Genotyping Array (Axiom MNEC670). Todas as amostras tiveram uma taxa de chamada >95%, e todos os SNPs tiveram taxa de chamada >95% e frequência alélica menor >5%. Chamamos ROH com um comprimento mínimo de 300 kb usando - homozyg no Plink v1.90b. Todas as análises foram realizadas conforme descrito anteriormente.

Os coeficientes de consanguinidade (FROH) foram calculados somando-se o comprimento total de ROH de cada indivíduo e dividindo-se pelo comprimento do genoma autossômico de 2281 Mb.

A distribuição de FROH na América do Norte foi semelhante à distribuição europeia e australásica, com mediana de FROH = 0,28 (figura S1). Houve pouca evidência de estratificação populacional em uma análise de componentes principais usando genótipos das amostras europeias, australásicas e norte-americanas, com os cavalos norte-americanos distribuídos dentro da variação das outras regiões (figura S2). Em média, os animais individuais apresentam 434 (variação de 370 a 670) segmentos de ROH >300 kb, com comprimento médio de 1,4 Mb (o ROH mais longo se estendeu por 42 Mb) e FROH médio variando de 0,16 a 0,34. 

Para os cavalos nascidos na América do Norte e incluídos na coorte de estudo, os registros de corridas foram obtidos para a Europa, Australásia e América do Norte. Entre os cavalos genotipados, 654 tiveram pelo menos uma corrida registrada (correu) e 114 (14,8%) não tiveram registro de corrida (não correu). Os cavalos que correram tiveram mediana de 10 corridas. 

Para testar a hipótese de que a consanguinidade afeta o desempenho em corridas, modelamos os efeitos da consanguinidade nas corridas usando a linha geral de modelos mistos em Ime4. Um cavalo recebeu 0 se nunca tivesse corrido e 1 se tivesse corrido. Entre os cavalos norte-americanos, FROH não foi associado (p = 0,518) com a probabilidade de ter corrido alguma vez (figura S3, tabela S1). Separar ROH em ROH longas (≥5Mb) e curtas (<5Mb) também não mostrou efeito na probabilidade de já ter corrido alguma vez (figura S4, tabela S2).

Além de modelar os efeitos da consanguinidade sobre se um cavalo havia corrido, também ajustamos um modelo para testar se FROH está vinculado a um menor número de corridas entre aqueles cavalos que realmente correram (n = 654). Entre os cavalos que correram, FROH foi significativamente associado (p = 0,002) ao número de corridas (figuras , S5, tabela 1). O número de corridas diminuiu significativamente (p = 0,002) com o aumento do FROH (log da razão de chances: logOR [intervalo de confiança de 95%] = -3,879 [-6,30, -1,46], tabela1). ROH longas e ROH curtas tiveram efeitos semelhantes sobre o número de corridas (figura S6, tabela S3). No geral, espera-se que cavalos com um FROH 10% maior do que a média do coeficiente de endogamia, tenham 3,5 corridas a menos em comparação com cavalos com o coeficiente médio de consanguinidade (tabela S4). O modelo prevê aproximadamente 16 corridas para cavalos com FROH mais baixo (0,18), mas apenas 7 corridas para cavalos com FROH mais alto (0,38). Aproximadamente 9% da variância total no número de corridas é explicada pelo modelo.

Os resultados obtidos para a população da América do Norte contrastam com os resultados para cavalos europeus e australianos. Entre os cavalos europeus e da Australásia, o FROH não estava associado ao número de corridas iniciadas. Para a América do Norte, a depressão por consanguinidade impacta na durabilidade (número de corridas iniciadas) dos cavalos que correm, em vez de influenciar se eles correm ou não. Além disso, tanto ROHs longos quanto os curtos contribuem para a depressão por consanguinidade observada para essa característica na América do Norte. A diferença no efeito da característica pode ser considerada no contexto da variação regional nos ecossistemas de corridas. Uma das principais diferenças entre corridas na América do Norte em comparação com a Europa e a Austrália é a superfície da pista onde os cavalo treinam e competem; na América do Norte, a maioria das corridas ocorre em pista de terra, enquanto na Europa e na Australásia a maioria ocorre em grama. Além disso, na América do Norte, as corridas tendem a ser realizadas durante o ano todo em determinadas pistas nas quais os cavalos também são estabulados e treinados. Na Europa, os cavalos tendem a ser estabulados e treinados em centros privados, afastados das pistas, e  transportados para as reuniões de corridas que acontecem em períodos específicos do ano, e na Austrália há um modelo misto. Além disso, também há uma variação considerável no controle de medicamentos permitidos e proibidos entre as diferentes jurisdições de corrida, tanto entre países quanto entre estados dos Estados Unidos (116º Congresso estadual dos Estados Unidos, 2019-2010).


Figura 1: Contagens previstas de partidas de corrida para diferentes coeficientes de consanguinidade FROH usando o modelo: corrida (>0) ~ FROH + sexo + (ano de nascimento) + (OLRE). Modelo dePoison para o número de corridas entre cavalos que competiram. OLRE é o efeitoaleatório denível observacional que considera a sobredispersão. Os gráficos mostram as mesmas linhas de previsão com (esquerda) e sem (direita) os dados brutos plotados por cima. O gráfico da direita dá um zoom mais próximo na área de plotagem relevante.




Uma possível explicação para a associação na América do Norte entre consanguinidade e número de partidas em corridas, mas não com o fato de já ter corrido, pode ser a prática de treinar e correr no mesmo hipódromo. Cavalos que realizam treinamento de 'exercício de trabalho' de alta intensidade no mesmo hipódromo onde competem podem ter mais probabilidade de participar de uma corrida do que cavalos que são treinados em outro local e que precisam ser transportados por longas distâncias (centenas de quilometros) para competir. Uma segunda possibilidade é que nossa amostra de Puro-Sangue norte-americanos seja pequena demais para revelar um efeito sobre o fato de o cavalo já ter corrido alguma vez, representando apenas 13% do tamanho da amostra usada para cavalos europeus e da Australásia. 

Independentemente da explicação, aqui mostramos que a consanguinidade tem um efeito negativo no Puro-Sangue norte-americano, de tal forma que cavalos com níveis mais elevados de consanguinidade são menos duráveis do que animais com níveis mais baixos de consanguinidade. Considerando a tendência crescente de consanguinidade na população, esses resultados indicam que pode haver também uma trajetória paralela em direção a reprodução de animais menos robustos. De fato, ao longo de um período de 40 anos, o número médio de corridas na América do Norte diminuiu 35%, de 9,21 (1980) para 5,95 (2021) partidas por corredor. Embora considerações comerciais e oportunidade de corridas possam ter influenciado esse declínio, aqui mostramos que a consanguinidade também é um fator contribuinte significativo, presumivelmente como resultado do efeito cumulativo de mutações deletérias em todo o genoma. Portanto, esforços para mitigar a consanguinidade devem ser considerados para a melhoria da raça. Gerenciar a consanguinidade na população, determinando a relação genética entre possíveis parceiros e selecionando animais menos emparentados para reprodução, poderia melhorar a durabilidade em corridas dos cavalos na América do Norte, com efeitos positivos a longo prazo na saúde e sustentabilidade da população.


Emmeline W. Hill
Beatrice A. McGivey
David E. MacHugh


Tradução do inglês: Ricardo Imbassahy




Woottom Bassett