Manacor (Edson Ferreira up), outro craque do Haras Tibagi, um campo de criação que deixou saudades. Mais um primoroso cruzamento de Reynato Sodré Borges.
Obs.: Dr. Sebastião Ferreira, Chanchão, um amante do PSI, como todo empresário de sucesso, sabia que cada setor de um empreendimento bem sucedido deve ser "tocado" por especialista. Quanto a pedigrees, adorava conversar sobre cruzamentos, mas, jamais palpitou ou achou que sabia o que não sabia. E assim foi em seu Haras Tibagi...
Meu Caro amigo,
Vamos continuar com o plantel, pois fiquei receoso que
interpretando o que afirmei (que as éguas são principais) conclua que os
garanhões valem pouco. Nada disso, o que já falei é que o número de garanhões
de 1º time é escasso no nosso turfe. De seleção estamos em busca de
companheiros para Waldmeister, lembrando que de um ano para outro podem surgir
nomes novos, como aconteceu agora na França com Caro e Lyphard.
Mas continuo na linha materna. Folheando a British Race
Horse encontro o nome de MORE SO (1000 Guinéus da Irlanda) com Credenda como
quinta mãe. É também da linha materna de Roland Gardens (2000 Guinéus) e que
possui como quinta mãe Jury, da linha da Credenda (que acham os ingleses fazer
parte das suas 20 melhores linhas maternas). Mas a pesquisa continuou e no
ganhador do Derby que foi SHIRLEY HEIGHTS, encontrei como quarta mãe a King’s
Cross, uma filha de King Salmon e Doublure, isto é, irmã inteira de
Belbroughton que é a terceira mãe de CORPORA, garanhão incompreensivelmente
desprezado por nosso tufe que o colocou no 3º time, apesar de ser o único filho
de RIBOT a vir para a nossa criação, tendo ganho prova de Gr.2, tirando
terceiro nos 2000 Guinéus e quinto no Derby de Epson, perdendo o favoritismo nas apostas
nos últimos minutos para Relko que foi o ganhador. Na primeira geração deu 2
ganhadores clássicos, mas foi imediatamente crucificado pela incompetência da
maior parte de nossos treinadores que reputaram seus filhos como “difíceis de
treinar por serem muito sanguíneos”, consequentemente os criadores o
abandonaram. Infelizmente o nosso turfe patina na mediocridade da falta do profissionalismo em todos os setores, menos no veterinário, e a cada ano que passa o buraco no qual se encontra é mais profundo.
Semelhante foi o destino de Romney, uma criação Aga Khan
de pequeno porte e cuja produção foi desprezada por ter o mesmo tipo físico
do pai. Ele era um filho de Mahmoud e Lover’s Path, tendo esta ganho
importantes provas aos 2 anos e filha de Fairway na Trustful, filha de
Credenda. Com um número pequeno de filhos (4 e 5 por ano) chegou a ser líder da
estatística nacional e pai de JOIOSA, a melhor égua já nascida no Brasil.
Antes desses garanhões citados, passou-se o mesmo
esperdício com Bala Hissar (líder de Free Handicap), um Blandford na Voleuse e
esta uma mãe deTeft e Le Voleur, bons ganhadores mas não chegando ao plano
clássico, pois na época só existiam 5 provas clássicas (2000 Guinéus, Derby,
St. Leger e a Ascot Gold Cup). Comprado pelos irmãos Seabra junto com
Felicitation, houve demora na chegada (época da 2ª Guerra Mundial) o que os fez
comprar Hunter’s Moon que já estava na Argentina e produzindo muito bem. E
assim com 3 garanhões e poucas éguas, anunciaram a venda de coberturas como se
fazia na Europa. Aqui, não houve o menor interesse e Bala Hissar mesmo com poucos
filhos e assim mesmo deu inúmeros ganhadores clássicos. Veja então, meu bom
amigo, que por essas e outras é que somos um país de miséria dourada e o
esperdício caracteriza nossa ignorância. Não veja nenhuma crítica aos Seabra,
pois dentro de sua política de élevage – são dos poucos que a possuem – o
aproveitamento de Hunter’s Moon fazia-se principal, pois já tinha 16 anos e
Bala Hissar e o Felicitation, que foi muito melhor corredor (Ascot Gold Cup de
1934 sobre THOR e HYPERION) podiam aguardar as suas vezes por serem muito mais
novos. E o aproveitamento imediato de Hunter’s Moon se mostrou acertado pois
foi um belo pai, produzindo em seu breve período no haras os clássicos Fairplay, Panchito, Acapulco, Loretta, Accordeon,
Lover’s Moon, Park Lane, Rugendas, Scaramouche, Rumor, Silfo e Algarve, e como
avô materno só para citar um exemplo o foi do craque Lohengrin. Volta e meia
terei que fazer referências aos Seabras, pois o turfe brasileiro deve a eles o
seu maior avanço.
Sempre deverás ter em mente ao buscar um garanhão, principalmente se o quiseres importar, em não se deixar levar pelas indicações da maior parte dos agentes, cujo principal e quiça único interesse são as comissões. De forma geral indicam os conhecidos matungos de régio pedigree e mais defendem as comissões pagas pelos vendedores do que o futuro de sua criação. Além de comumente praticarem sobrepreço para defenderem “mais algum por fora”.
Tenha em mente a lição do campeoníssimo garanhão CIGAL que
serve no Haras Palmital – Antonio Jorge Ribeiro de Camargo – em Curitiba. Ele
era treinado por Harry Wragg e foi contemporâneo de cocheira de PSIDIUM
vencedor do Derby de 1961. Ambos nasceram em 1958. Cigal sempre foi a estrela
da cocheira e Psidium não conseguia o acompanhar nos treinos. Mas
lamentavelmente em sua estreia e única
corrida sentiu o tendão e terminou descolocado. Foi tentado durante 1 ano a sua
cura e sem sucesso acabou sendo exportado para o Brasil aos 4 anos por
indicação direta do seu treinador. Então essa é um receita excelente para o
pouco poder de nossa desvalorizada moeda, a de “pescar” através de boas
referências esses cavalos que por distintas razões não puderam expressar nas
pistas todo o seu potencial. José Paulino Nogueira – Haras Bela Esperança - é
um craque em “pescar” esse tipo de cavalo para garanhão, todos os por ele
importados obtiveram sucesso (TINTORETTO,
SEVENTH WONDER, EBOO e PHARAS).
Vamos conversar sobre a pelagem, pois certamente terá suas
preferências. Mas peço que não tenha “implicâncias” com determinadas pelagens.
A pelagem não faz parte dos critérios para a apreciação da qualidade de um puro
sangue de corrida. Em 10.000 nascimentos cerca de 7.500 são castanhos, 2.000
alazões e 500 são tordilhos. É evidente que o maior número de bons cavalos no
mundo turfista é de pelagem castanha.
Pesquisando no Leicester
(edição de 1957) e espero que já tenha mandado buscar o seu e se não o fez ainda, peça 2 exemplares da 2ª edição e eu ficarei com um, encontrarás um belíssimo
estudo sobre os ganhadores do Derby de 1900 a 1957. Em sua homenagem, contei as
pelagens e encontrei 43 castanhos, 11 alazões e 3 tordilhos, o que dá
aproximadamente o exposto acima, 75%, 20% e 5%.
Existe uma historinha árabe,
contada por Tesio que me atrevo a traduzir do italiano; um velho e um garoto
montaram seu camelo e meteram-se no deserto, fugindo de beduínos a cavalos que
queriam matá-los. Quando o camelo começou a dar mostras de fadiga, o velho
perguntou ao jovem qual era a cor da pelagem do cavalo que vinha na frente;
alazão disse ele ao que o velho retrucou, este é veloz mas vai parar mais
rápido. Mais adiante nova pergunta e o jovem informou que era tordilho e novo
resmungo do velho, este para também. Mais tarde nova pergunta e o garoto
informou que era castanho e o desespero chegou, dizendo o velho: “estamos
perdidos e encomendemos nossas almas a Allah.” Só que a história não conta se o
camelo já não estava esgotado...
Quanto as marcas brancas,
também não dê importância. Quando comecei nas corridas de cavalo, ouvia ditos
curiosos entre velhos treinadores, que diziam que um potro cruzado (pata e mão
oposta marcadas de branco) era sempre bom. Para o calçado de 3 membros diziam:
“não o vendas por dinheiro algum.” Mais tarde vim a saber que os franceses
dizem há mais de 200 anos: “balzane de trois, cheval de Roi.” E havia nítida
implicância com o animal calçado das quatro patas e deles diziam que eram
péssimos corredores. Essas marcas nos quatro membros, são menos comuns e dentro
da proporcionalidade o número de cavalos bons é também menor. Mas, não esqueça
que entre outros, o notável HYPERION era calçado das quatro. Também o magnífico
THE MINSTREL, ganhador do Derby e com duas segundas colocações nos Guinéus
(inglês e irlandês), é um lindo alazão com frente aberta e calçado das quatro
patas. Assim meu caro estas marcas são como dizem os franceses, meros sinais de
beleza. Caso sejam bem colocadas embelezam o animal, caso contrário, o enfeiam.
Não possuem valor na apreciação da qualidade.
Agora, estou certo que já
podes pensar na política de élevage que
vais adotar. A política do Haras Guanabara, que é a mesma do élevage Aga Khan, é a que mais me
agrada. Buscar o “hibridismo” com garanhão sem inbreeding até a quarta geração, cobrindo éguas livres de
consanguinidade também até a quarta geração. O que lhe dará um produto com
pedigree aberto até a quinta geração. Não é fácil esta conduta no nosso turfe em
razão do pequeno stock genético de
qualidade. Não que a consanguinidade seja prejudicial, existe um aforisma que
diz que a melhoria das raças é conseguida através da consanguinidade, mas o
perigo é o de não saber compor e principalmente exagerar a mão. Esse é um tema
que foge de uma carta e o deveremos tratar pessoalmente, principalmente
convidando o Franco Varola para nos ministrar aulas. Já mandei inclusive
importar uma caixa de um ótimo Chianti para nossa próxima reunião.
Me lembrei agora de
CORONATION (filha de 2 meio irmãos) que venceu grandes provas na França e até o
Prix de L’Arc, nervosa e dizem que difícil de treinar e por ser estéril nada produziu
no haras. Já sua irmã inteira Ormara, que não correu, com Venture VII produziu Locris que foi muito bom cavalo na Europa e está sendo ótimo garanhão no Brasil
(importação de Roberto Seabra).
Imagine ou melhor sonhe - e
o grande sonho não deve ter limites – que Papai Noel nos deu (e estou nessa) um
produto filho do The Minstrel na Madelia. Não nos preocupemos agora se será
macho ou fêmea (a cavalo dado não se olha os dentes, já dizia um Conselheiro
Acácio qualquer), mas certamente será alazão como o pai e a mãe. Ele será
protegido na primeira infância, só comerá um pouco de aveia aos 3 meses e
dissolvida no leite, receberá as vacinações indispensáveis, mas só fará
vermífugo se o exame de fezes mostrar infestação. O desmame será feito em
moldes modernos, evitando assim tensões que o possam marcar para o futuro. Amansamento perfeito, relação homem-cavalo
sem atritos, sem violências. Novos estudos de seu pedigree e encontramos como
avô paterno a Northern Dancer e avó
paterna a Fleur, filha da Flaming Page mãe do Nijinsky. Como avô materno Caro
dispensa apresentação e a avó materna é Moonmadness que antes de Madelia deu 3
produtos ganhadores e placês em provas de grupo, a sua linha materna é da Point
Duty, Ambers Flash (Oaks).
Vamos agora escolher o sexo.
Vamos preferir fêmea pois você é criador e se fosse macho iria criar questões
entre a nossa parceria, dado as corridas magníficas que ganharia e as ofertas
em dólares já começariam cedo, você o iria querer manter e eu encher as minhas
algibeiras.
Então seria uma fêmea,
evidentemente com nome começando por Ma, como é usual em criadores de bom
gosto. A doma sem problemas pois a doçura e a persuasão seriam dominantes e
desse modo a segunda crise da potrada que é doma passaria sem tropeços. Entrou
em treinamento e com 30 meses estreou ganhando uma prova comum e sem maior
significação, mas pode-se observar sua atitude na raia, no partidor e em
corrida, pois ao ser solicitada na boca, amiudou o galope ganhando fácil. Nada
de chicote, mas esquecia-me que na Europa não é necessário recomendar, pois os
jóqueis sabem disso quando lidam com estreantes. E que também não se estreia um
2 anos no último furo; é preferível recolher do que surrar um estreante para
que ele se esforce ao máximo para ganhar. Então a estreia que constitui a
terceira crise de um cavalo de corrida passou em branca nuvem. E continuou seu
treinamento onde obteve boas vitórias comuns, confirmando seu bom desempenho
nos treinos. E começa o preparo para as provas de grupo seguindo ela muito bem,
mas com uma distração de Papai Noel, ela
pisou em um buraco e fez uma entorse grave em um anterior. Você perguntará: há
buracos nas pistas de Chantilly e de Newmarket? E eu respondo que as
probabilidades são de 1% e com a distração de Papai Noel ela entrou no 1%. No
Brasil, as probabilidades são de 50%. E agora, na França eles dão fomentações,
passam cáustico, dão fogo? Nada disso, isto é para turfe subdesenvolvido, pois
mesmo curada ela não seria a mesma. E o caminho é a reprodução e a levar para o
Brasil apesar das ofertas vultosas, pois criticamos nossas deficiências (no
sentido de melhorar), mas defendemos a melhoria da criação brasileira com unhas
e dentes. Outra sugestão é de levá-la cheia do Mill Reef, mesmo a cobertura
sendo do 1º semestre, o que a meu ver é vantajoso sob vários aspectos que
detalharei adiante em momento oportuno. Agora vou dormir, cansado de viver o
sonho...
Reynato Sodré Borges
Tebas – maio - 1979