quarta-feira, 5 de julho de 2023

Reynato Sodré Borges - 5ª carta

 


Manacor (Edson Ferreira up), outro craque do Haras Tibagi, um campo de criação que deixou saudades. Mais um primoroso cruzamento de Reynato Sodré Borges.


Obs.: Dr. Sebastião Ferreira, Chanchão, um amante do PSI, como todo empresário de sucesso, sabia que cada setor de um empreendimento bem sucedido deve ser "tocado" por especialista. Quanto a pedigrees, adorava conversar sobre cruzamentos, mas, jamais palpitou ou achou que sabia o que não sabia. E assim foi em seu Haras Tibagi... 


Meu Caro amigo,

 

Vamos continuar com o plantel, pois fiquei receoso que interpretando o que afirmei (que as éguas são principais) conclua que os garanhões valem pouco. Nada disso, o que já falei é que o número de garanhões de 1º time é escasso no nosso turfe. De seleção estamos em busca de companheiros para Waldmeister, lembrando que de um ano para outro podem surgir nomes novos, como aconteceu agora na França com Caro e Lyphard.

Mas continuo na linha materna. Folheando a British Race Horse encontro o nome de MORE SO (1000 Guinéus da Irlanda) com Credenda como quinta mãe. É também da linha materna de Roland Gardens (2000 Guinéus) e que possui como quinta mãe Jury, da linha da Credenda (que acham os ingleses fazer parte das suas 20 melhores linhas maternas). Mas a pesquisa continuou e no ganhador do Derby que foi SHIRLEY HEIGHTS, encontrei como quarta mãe a King’s Cross, uma filha de King Salmon e Doublure, isto é, irmã inteira de Belbroughton que é a terceira mãe de CORPORA, garanhão incompreensivelmente desprezado por nosso tufe que o colocou no 3º time, apesar de ser o único filho de RIBOT a vir para a nossa criação, tendo ganho prova de Gr.2, tirando terceiro nos 2000 Guinéus e quinto no Derby de Epson, perdendo o favoritismo nas apostas nos últimos minutos para Relko que foi o ganhador. Na primeira geração deu 2 ganhadores clássicos, mas foi imediatamente crucificado pela incompetência da maior parte de nossos treinadores que reputaram seus filhos como “difíceis de treinar por serem muito sanguíneos”, consequentemente os criadores o abandonaram. Infelizmente o nosso turfe patina na mediocridade da falta do profissionalismo em todos os setores, menos no veterinário, e a cada ano que passa o buraco no qual se encontra é mais profundo.

Semelhante foi o destino de Romney, uma criação Aga Khan de pequeno porte e cuja produção foi desprezada por ter o mesmo tipo físico do pai. Ele era um filho de Mahmoud e Lover’s Path, tendo esta ganho importantes provas aos 2 anos e filha de Fairway na Trustful, filha de Credenda. Com um número pequeno de filhos (4 e 5 por ano) chegou a ser líder da estatística nacional e pai de JOIOSA, a melhor égua já nascida no Brasil.

Antes desses garanhões citados, passou-se o mesmo esperdício com Bala Hissar (líder de Free Handicap), um Blandford na Voleuse e esta uma mãe deTeft e Le Voleur, bons ganhadores mas não chegando ao plano clássico, pois na época só existiam 5 provas clássicas (2000 Guinéus, Derby, St. Leger e a Ascot Gold Cup). Comprado pelos irmãos Seabra junto com Felicitation, houve demora na chegada (época da 2ª Guerra Mundial) o que os fez comprar Hunter’s Moon que já estava na Argentina e produzindo muito bem. E assim com 3 garanhões e poucas éguas, anunciaram a venda de coberturas como se fazia na Europa. Aqui, não houve o menor interesse e Bala Hissar mesmo com poucos filhos e assim mesmo deu inúmeros ganhadores clássicos. Veja então, meu bom amigo, que por essas e outras é que somos um país de miséria dourada e o esperdício caracteriza nossa ignorância. Não veja nenhuma crítica aos Seabra, pois dentro de sua política de élevage – são dos poucos que a possuem – o aproveitamento de Hunter’s Moon fazia-se principal, pois já tinha 16 anos e Bala Hissar e o Felicitation, que foi muito melhor corredor (Ascot Gold Cup de 1934 sobre THOR e HYPERION) podiam aguardar as suas vezes por serem muito mais novos. E o aproveitamento imediato de Hunter’s Moon se mostrou acertado pois foi um belo pai, produzindo em seu breve período no haras os clássicos  Fairplay, Panchito, Acapulco, Loretta, Accordeon, Lover’s Moon, Park Lane, Rugendas, Scaramouche, Rumor, Silfo e Algarve, e como avô materno só para citar um exemplo o foi do craque Lohengrin. Volta e meia terei que fazer referências aos Seabras, pois o turfe brasileiro deve a eles o seu maior avanço.

Sempre deverás ter em mente ao buscar um garanhão, principalmente se o quiseres importar, em não se deixar levar pelas indicações da maior parte dos agentes, cujo principal e quiça único interesse são as comissões. De forma geral indicam os conhecidos matungos de régio pedigree e mais defendem as comissões pagas pelos vendedores do que o futuro de sua criação. Além de comumente praticarem sobrepreço para defenderem “mais algum por fora”.

Tenha em mente a lição do campeoníssimo garanhão CIGAL que serve no Haras Palmital – Antonio Jorge Ribeiro de Camargo – em Curitiba. Ele era treinado por Harry Wragg e foi contemporâneo de cocheira de PSIDIUM vencedor do Derby de 1961. Ambos nasceram em 1958. Cigal sempre foi a estrela da cocheira e Psidium não conseguia o acompanhar nos treinos. Mas lamentavelmente  em sua estreia e única corrida sentiu o tendão e terminou descolocado. Foi tentado durante 1 ano a sua cura e sem sucesso acabou sendo exportado para o Brasil aos 4 anos por indicação direta do seu treinador. Então essa é um receita excelente para o pouco poder de nossa desvalorizada moeda, a de “pescar” através de boas referências esses cavalos que por distintas razões não puderam expressar nas pistas todo o seu potencial. José Paulino Nogueira – Haras Bela Esperança - é um craque em “pescar” esse tipo de cavalo para garanhão, todos os por ele importados obtiveram sucesso (TINTORETTO, SEVENTH WONDER, EBOO e PHARAS).

Vamos conversar sobre a pelagem, pois certamente terá suas preferências. Mas peço que não tenha “implicâncias” com determinadas pelagens. A pelagem não faz parte dos critérios para a apreciação da qualidade de um puro sangue de corrida. Em 10.000 nascimentos cerca de 7.500 são castanhos, 2.000 alazões e 500 são tordilhos. É evidente que o maior número de bons cavalos no mundo turfista é de pelagem castanha.

Pesquisando no Leicester (edição de 1957) e espero que já tenha mandado buscar o seu e se não o fez ainda, peça 2 exemplares da 2ª edição e eu ficarei com um, encontrarás um belíssimo estudo sobre os ganhadores do Derby de 1900 a 1957. Em sua homenagem, contei as pelagens e encontrei 43 castanhos, 11 alazões e 3 tordilhos, o que dá aproximadamente o exposto acima, 75%, 20% e 5%.

Existe uma historinha árabe, contada por Tesio que me atrevo a traduzir do italiano; um velho e um garoto montaram seu camelo e meteram-se no deserto, fugindo de beduínos a cavalos que queriam matá-los. Quando o camelo começou a dar mostras de fadiga, o velho perguntou ao jovem qual era a cor da pelagem do cavalo que vinha na frente; alazão disse ele ao que o velho retrucou, este é veloz mas vai parar mais rápido. Mais adiante nova pergunta e o jovem informou que era tordilho e novo resmungo do velho, este para também. Mais tarde nova pergunta e o garoto informou que era castanho e o desespero chegou, dizendo o velho: “estamos perdidos e encomendemos nossas almas a Allah.” Só que a história não conta se o camelo já não estava esgotado...

Quanto as marcas brancas, também não dê importância. Quando comecei nas corridas de cavalo, ouvia ditos curiosos entre velhos treinadores, que diziam que um potro cruzado (pata e mão oposta marcadas de branco) era sempre bom. Para o calçado de 3 membros diziam: “não o vendas por dinheiro algum.” Mais tarde vim a saber que os franceses dizem há mais de 200 anos: “balzane de trois, cheval de Roi.” E havia nítida implicância com o animal calçado das quatro patas e deles diziam que eram péssimos corredores. Essas marcas nos quatro membros, são menos comuns e dentro da proporcionalidade o número de cavalos bons é também menor. Mas, não esqueça que entre outros, o notável HYPERION era calçado das quatro. Também o magnífico THE MINSTREL, ganhador do Derby e com duas segundas colocações nos Guinéus (inglês e irlandês), é um lindo alazão com frente aberta e calçado das quatro patas. Assim meu caro estas marcas são como dizem os franceses, meros sinais de beleza. Caso sejam bem colocadas embelezam o animal, caso contrário, o enfeiam. Não possuem valor na apreciação da qualidade.

Agora, estou certo que já podes pensar na política de élevage que vais adotar. A política do Haras Guanabara, que é a mesma do élevage Aga Khan, é a que mais me agrada. Buscar o “hibridismo” com garanhão sem inbreeding até a quarta geração, cobrindo éguas livres de consanguinidade também até a quarta geração. O que lhe dará um produto com pedigree aberto até a quinta geração. Não é fácil esta conduta no nosso turfe em razão do pequeno stock genético de qualidade. Não que a consanguinidade seja prejudicial, existe um aforisma que diz que a melhoria das raças é conseguida através da consanguinidade, mas o perigo é o de não saber compor e principalmente exagerar a mão. Esse é um tema que foge de uma carta e o deveremos tratar pessoalmente, principalmente convidando o Franco Varola para nos ministrar aulas. Já mandei inclusive importar uma caixa de um ótimo Chianti para nossa próxima reunião.

Me lembrei agora de CORONATION (filha de 2 meio irmãos) que venceu grandes provas na França e até o Prix de L’Arc, nervosa e dizem que difícil de treinar e por ser estéril nada produziu no haras. Já sua irmã inteira Ormara, que não correu, com Venture VII produziu Locris que foi muito bom cavalo na Europa e está sendo ótimo garanhão no Brasil (importação de Roberto Seabra).

Imagine ou melhor sonhe - e o grande sonho não deve ter limites – que Papai Noel nos deu (e estou nessa) um produto filho do The Minstrel na Madelia. Não nos preocupemos agora se será macho ou fêmea (a cavalo dado não se olha os dentes, já dizia um Conselheiro Acácio qualquer), mas certamente será alazão como o pai e a mãe. Ele será protegido na primeira infância, só comerá um pouco de aveia aos 3 meses e dissolvida no leite, receberá as vacinações indispensáveis, mas só fará vermífugo se o exame de fezes mostrar infestação. O desmame será feito em moldes modernos, evitando assim tensões que o possam marcar para o futuro.  Amansamento perfeito, relação homem-cavalo sem atritos, sem violências. Novos estudos de seu pedigree e encontramos como avô paterno  a Northern Dancer e avó paterna a Fleur, filha da Flaming Page mãe do Nijinsky. Como avô materno Caro dispensa apresentação e a avó materna é Moonmadness que antes de Madelia deu 3 produtos ganhadores e placês em provas de grupo, a sua linha materna é da Point Duty, Ambers Flash (Oaks).

Vamos agora escolher o sexo. Vamos preferir fêmea pois você é criador e se fosse macho iria criar questões entre a nossa parceria, dado as corridas magníficas que ganharia e as ofertas em dólares já começariam cedo, você o iria querer manter e eu encher as minhas algibeiras.

Então seria uma fêmea, evidentemente com nome começando por Ma, como é usual em criadores de bom gosto. A doma sem problemas pois a doçura e a persuasão seriam dominantes e desse modo a segunda crise da potrada que é doma passaria sem tropeços. Entrou em treinamento e com 30 meses estreou ganhando uma prova comum e sem maior significação, mas pode-se observar sua atitude na raia, no partidor e em corrida, pois ao ser solicitada na boca, amiudou o galope ganhando fácil. Nada de chicote, mas esquecia-me que na Europa não é necessário recomendar, pois os jóqueis sabem disso quando lidam com estreantes. E que também não se estreia um 2 anos no último furo; é preferível recolher do que surrar um estreante para que ele se esforce ao máximo para ganhar. Então a estreia que constitui a terceira crise de um cavalo de corrida passou em branca nuvem. E continuou seu treinamento onde obteve boas vitórias comuns, confirmando seu bom desempenho nos treinos. E começa o preparo para as provas de grupo seguindo ela muito bem, mas com uma  distração de Papai Noel, ela pisou em um buraco e fez uma entorse grave em um anterior. Você perguntará: há buracos nas pistas de Chantilly e de Newmarket? E eu respondo que as probabilidades são de 1% e com a distração de Papai Noel ela entrou no 1%. No Brasil, as probabilidades são de 50%. E agora, na França eles dão fomentações, passam cáustico, dão fogo? Nada disso, isto é para turfe subdesenvolvido, pois mesmo curada ela não seria a mesma. E o caminho é a reprodução e a levar para o Brasil apesar das ofertas vultosas, pois criticamos nossas deficiências (no sentido de melhorar), mas defendemos a melhoria da criação brasileira com unhas e dentes. Outra sugestão é de levá-la cheia do Mill Reef, mesmo a cobertura sendo do 1º semestre, o que a meu ver é vantajoso sob vários aspectos que detalharei adiante em momento oportuno. Agora vou dormir, cansado de viver o sonho...

 

Reynato Sodré Borges

Tebas – maio - 1979