terça-feira, 11 de julho de 2023

Franco Varola - Análise de tendências - 2ª parte



Dr. Franco Varola e o o presidente Juscelino Kubitschek, durante as festividades do GP Brasil.


(continuação)


Deveríamos seguir a análise relativa aos garanhões chefes-de-raça, e nos dedicarmos inteiramente às verificações estatísticas, mas, entrementes, o argumento foi reiniciado por uma voz bem mais prestigiada do que a minha, a da sra. Vuillier que, em uma entrevista, explicou os critérios elaborados por seu falecido esposo e até agora seguidos nas criações do Aga Khan. A sra. Vuillier admitiu também que, com o envelhecimento da série que compreende os nomes de Bend'Or, Hampton, Isonomy, Hermit, Galopin e St. Simon, tornou-se necessário preparar uma nova série, relativa ao primeiro período de nosso século; não disse porém quais sejam os nomes escolhidos e não a podemos condenar por isso, porquanto as criações do Aga Khan constituem uma  empresa de tal importância que a ela se aplica o critério do "segredo de fabricação", da mesma forma que tantas outras empresas de diferentes ramos produtivos. Assim, permanece aberto a todos o exame desse fascinante argumento.

Inicialmente é oportuno perguntar: que desenvolvimento tiveram os nomes indicados pela sra. Vuillier em sua última série e que outros nomes lhe foram acrescentados nesse ínterim? Constitui uma grande homenagem ao estudioso francês o fato de que, ainda hoje, a maioria dos nomes importantes que se assinalaram de 1900 até agora, descende das cinco estirpes por ele indicadas, embora o aumento da produção do puro-sangue e, ainda mais, a grande expansão geográfica das corridas e da criação, tenham necessáriamenle projetado e valorizado outras estirpes que já não se podem ignorar. A situação atual pode ser resumida da seguinte forma:

1 - Isonomy manteve sua refinadíssima expressão clássica e conta, neste século, com pelo menos sete garanhões fundamentais: Swinford, Blandford, Blenheim, Donatello II, Alycidon, Big Game e Ticino.

2 - A sequência Galopin-St.Simon, continuou a mostrar uma extraordinária vitalidade e conta pelo menos com uma dúzia de representantes cujo estudo é imprescindível: Chaucer, Rabelais, Havresac II, Prince Rose, Prince Rio, Sicambre, Wild Risk, Worden, Vatout, Bois Roussel, Alcantara II e Mieuxce.

3 - A descendência de Ben d'O subdividiu-se em vários ramos de grande prolificidade e de alto rendimento, tanto que nada menos de dezoito garanhões são hoje necessários para caracterizá-la inteiramente: Ortello, Sir Gallahad III, Bull Lea, Asterus, Fairway, Cicero, Chateau Bouscaut, Fair Trial, Pharis, Clarissimus, Bachelor's Double, Orby, Panorama, Phalaris, Teddy, Pharos, Nearco e Nasrullah.  

4 - O grupo Hampton manteve suas características fundamentais de solidez e alto rendimento, muito embora. como já citei a "fashionability" de Hyperion tenda a obscurecer nosso julgamento sobreos efetivos méritos intrínsecos desse garanhão e de seus descendentes. Em todo caso, pelo menos oito descendentes de Hampton devem ser tomados em consideração: Gainsborough, Dark Ronald, Son-in-Law, Hyperion, Aureole, Bayardo, Solario e Oleander.

5 - Enfim, a descendência de Hermit é a única que que se desenvolveu de acordo com as previsões e o único produto a ela pertencente, nascido neste século, ao qual se pode atribuir uma influência nos pedigrees clássicos contemporâneos é La Farina, aliás surgido há cerca de cinquenta anos. Até aqui, limitamo-nos à última série de Vuillier. É preciso agora examinar o que fizeram entrementes as outras estirpes e, antes das outras, as duas que produziram os fundadores Herod e MatchemEstas foram representadas na primeira série de Vuillieir, mas omitidas tanto na segunda como na terceira e última séries.

6 - Herod conta, em nosso século, com pelo menos cinco indivíduos importantes: Bruleur, Tourbillon, Djebel, The Tetrarch e King Salmon. 

7 - Matchem possui quatro indivíduos fundamentais: Hurry On, Man o'War, Fair Play e Precipitation. 

E, finalmente, é preciso indicar as estirpes que produziram Eclipse, e que se salientaram fora da terceira série de Vuillier, existindo pelo menos seis, que indicarei da seguinte forma: 

8 -  A extraordinária sequencia Rock Ruod - Tracery - Congreve.

9 - O grupo formado por Sunstar, Admiral Drake e Count Fleet.

10 - O imprescindível Spearmint.

11 e 12 - Os norte-americanos Black Toney e Equipoise.

13 - O prematuramente desaparecido Navarro, um dois maiores pais de reprodutoras de nossa época e único expoente da outrora poderosa linhagem de Melton, ainda vivo na lembrança geral.

Temos assim um total de 65 garanhões importantes no decorrer desse século e, se quiséssemos apenas estender a admissão aos que dominaram em certos países sem porém ultrapassar-lhes os limites - tais como Foxbridge na Austrália, Fremonto na Bélgica, Traghetto na Itália, Postin no Peru e muitos outros na Inglaterra e na França - chegaríamos facilmente a uma centena. 

Mas é evidente que uma série de Vuillier, ainda que ilimitada, não pode compreender um número tão grande de nomes e isso por duas razões pelo menos:

 a) em lugar de oferecer um ponto fixo ao criador, confundi-lo-ia, por colocar diante de si uma lista ampla demais para ser posta em prática; 

 b) os 65 garanhões citados distribuem-se por um período de meio século, de Chaucer (1900) a Aureole (1950), que é uma contradição em termos com relação ao conceito vuillieriano de série. 

De fato, esta, por assim dizer, deve fotografar (os pontos de passagem compulsória em um determinado momento; os garanhões de uma série devem representar, se me permitem a comparação, as Termópilas no plano dos cruzamentos de um criador. E portanto, se quisermos atualizar Vuillier, devemos formar uma série localizada o mais possível por volta do princípio do século e constituída por número não superior a uns vinte nomes, tentativa essa que foi justamente a razão do livro 'Garanhões Chefes-de-Raça".

Mas, dizíamos que se pode e se deve fazer o controle estatístico, porém desde que seja feito com cautela. No caso de Vuillier, a unidade de medida foi dada por um certo número de corridas clássicas. Naquela época, a identificação entre corrida clássica e cavalo superior era quase absoluta. Em nossos dias, as coisas são diferentes. Os ricos "handicaps", as provas propagandísticas e os prêmios ''mamute", em vários países entre os quais até mesmo a tradicional Inglaterra desligaram um pouco a ideia da antiga fórmula do campeão absoluto. Talvez a única corrida que atualmente mantém unia identidade perfeita entre grande prêmio monetário e excelência qualitativa do campo dos participantes, ano após ano, seja o "Prix de l'Arc du Triomphe". Portanto, no momento em que nos dispomos a escolher a unidade de medida do cálculo estatístico (o que em inglês se chama "yardstick" e na linguagem de nossos pesquisadores de mercado, "campeão"), somos obrigados a exercitar nosso senso crítico para distinguir, no acervo das grandes provas hípicas de hoje, as que efetivamente possam servir ao nosso objetivo. Qualquer estatística associada a uma pesquisa, portanto, é um compromisso entre a vastidão da matéria e o rigor que se deseja aplicar a própria pesquisa.

Tenho em mãos um cálculo feito sobre 77 vencedores das grandes provas internacionais dos últimos anos, escolhidas entre as principais provas deste tipo na Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Estados Unidos, Argentina e Brasil. O método consiste em tomar o pedigree de cinco gerações do animal vencedor e assinalar um número de pontos a favor de cada um dos 31 antepassados nele constante.

Apresentam-se imediatamente duas objeções: primeiro, o critério de atribuição dos pontos é arbitrário. Pode-se responder que o resultado final do somatório para cada um desses campeões é limitado com relação a totalidade de toda matéria pesquisada. Além disso, esse resultado é amplo, ganhando em extensão o que perde em profundidade. 

A segunda objeção é mais complexa. É verdade que, segundo um dos princípios básicos da genética, a influência de um antepassado é maior na primeira geração do que na segunda; maior na segunda do que na terceira, e assim por diante. Costuma-se dizer, com efeito, que os dois pais contribuem com 50% para o patrimônio genético, os quatro avós com 25%, os oito bisavós com 12,55, e assim por diante. De fato. Vuillier seguiu aproximadamente este princípio na elaboração da teoria da dosagem. Por outro lado, alguns autores seguem um sistema de contagem por pontos, semelhante ao que é usado no jogo de "bridge", conhecido como sistema Goreli, ou computo absoluto, e oposto ao sistema Cutbertson ou computo relativo. Em seu excelente livro ''Bloodstock Breeding", sir Charles Leicester atribui 4 pontos a cada presença na primeira geração, 3 pontos na segunda, 2 pontos na terceira e 1 ponto na quarta, quando examina os pedigrees dos vencedores do Derby de Epsom. Aliás, em toda a obra, permanece fiel ao pedigree de quatro gerações. Eu próprio, em "Garanhões Chefes-de-Raça", adotei as quatro gerações para o cálculo do eventual "inbreeding" dos garanhões examinados. Trata-se, com efeito, neste caso, de um dado sintético, cujo valor se dividiria se atribuído a um número maior de antepassados. Praticamente, todos os cavalos têm um ou mais ''inbreedings" da quinta ou sexta geração em diante. Mas quando se trata de calcular as presenças de antepassados que, em muitos casos, remontam ao principio do século parece-me que só um pedigree de cinco gerações pode dar à pesquisa a sua justa perspectiva. Cinco gerações correspondem, grosso modo, a meio século, como no exemplo clássico de Ribot (1952), cujos cinco antepassados diretos são Tenerani (1944), Bellini (1937), Cavaliere d'Arpino (1926), Havresac II (1915) e Rabelais (1900). Assim, quando examinamos as cinco gerações de um vencedor atual, abrangemos, quase sempre, meio século.

Como o objetivo de nossa pesquisa é conhecer os nomes dos garanhões com maior frequência presentes nos pedigrees e não necessariamente saber se neles ocupam uma posição mais próxima ou mais distante, acredito que o critério da proporcionalidade usado por "sir" Charles não é indispensável e que é suficiente atribuir um ponto para cada presença.

Segundo este método, os setenta e sete vencedores das grandes provas internacionais no período 1957-1961 apresentam as seguintes presenças de garanhões chefes-de-raça: Chaucer 68, Phalaris 64, Polymelus 49, Swynford 47, Bayardo 46, Gainsborough 44, Teddy 41, ,St. Simon 41, Ajax 35, Blandford 34, Rabelais 33, Phalaris 32, Havresac II 29, Dark Ronald 28, Son-in-Law 28, Spearmint 28, Tracery 28, John O'Gaunt 25, Bay Ronald 25, The Tetrarch 25, Marcovil 25, Hurry On 23, Sans Souci II 21, Hyperion 20, William The Third 19. Persimmon 18, White Eagle 18, Sundridge 18, Friar Marcus 17, Gallinule 17, Desmond 16, Sunstar 16, Cyllene 16, Minoru 16, Nearco15, St. Frusquin 15, Cicero 14, Perth 13, Sardanapale 14, Rock Sand 11, Carbine 13, Blenheim 12, Bruleur 12, Tredennis 12, Alcantara II 11, Charles O'Malley 11, Chouberski 11, Bachelor's Double 11, Gay Crusader 11, Roi Herode 10, Marco 10, Perrier 10 e Buchan 10.

Setenta e sete "pedigree" de cinco gerações, contendo cada um 31 nomes masculinos, perfazem um total de 2.387 presenças. Estas são divididas entre 616 garanhões diferentes, dos quais citamos acima apenas os que têm pelo menos 10 presenças, que são 53 animais diferentes. Totalizam 1.239 presenças, isto é, menos de 100 dos garanhões representados absorvem mais da metade das presenças. Isto demonstra o predomínio de pouquíssimos e prepotentíssimos garanhões sobre a grande massa dos reprodutores, em paradoxal contraste com a noção corrente, segundo a qual o puro-sangue deve ser o animal selecionado por antonomásia. Convém observar ainda que os quatro primeiros garanhões - Chaucer, Phalaris, Polymelus e Swynford - que são menos de um por cento do total, representaram, só eles, cerca de dez por cento do total das presenças (228).

Um outro fato que impressiona imediatamente é que Chaucer, Polymelus e Swynford ocupam uma posição predominante (a presença de Polymelus é devida quase exclusivamente a seu filho Phalaris) e que estes três reprodutores são provenientes do Stanley Stud; isto indicaria que, tomado como centro de criação individual, Stanley Stud foi o mais poderoso fator de propagação hereditária do puro-sangue em qualquer parte do mundo. Além disso, acredito que, mesmo ampliando dez vezes o campeão examinado, não haveria grande modificação nos resultados no que diz respeito aos citados primeiros nomes da lista. Observe-se ainda que, dos 20 + 30 garanhões examinados em "Garanhões Chefes-de-Raça", 23 são mencionados na lista parcial acima, enquanto outros 23 figuram 9 menos vezes. Os únicos que não comparecem de forma alguma são Bull Lea, Château Bouscaut e Panorama. Os dois primeiros seriam mencionados se o campeão pudesse ser levado a alguns anos antes, enquanto Panorama representa um caso diferente. Todas as corridas que contribuíram para a pesquisa são corridas de distância e, portanto, é bastante raro que um filho ou descendente de Panorama tenha tomado parte nelas, embora pudesse haver um vencedor na seção feminina do pedigree com o nome de Panorama.


Phalaris


Por outro lado, em um estudo critico que inclua a totalidade da raça, o nome de Panorama não pode ser omitido, porquanto representa o paradigma contemporâneo do velocismo puro, ou seja, um dos conceitos básicos da seleção e como distinguimos os nomes dos "stayers" puros, também devemos assinalar os dos mais importantes "sprinters". Em outras palavras, o desenvolvimento da raça ocorre com a contribuição de todos os fatores positivos e se entre estes encontra-se Son-In-Law pela mesma razão também deve estar Panorama.

Como já indiquei, Polymelus ocupa uma posição elevada em uma lista baseada nas presenças nos pedigrees devido a seu filho Phalaris. Mas quem ignora êste particular pode pesquisar o sangue de Polymelus em si e por si. O que seria coisa inteiramente ociosa. Para todos os fins práticos, o nome de Polymelus é hoje representado por Phalaris, tanto é verdade que nem mesmo julguei necessário incluir o nome de Polymelus entre os 12 garanhões do grupo Bend'Or citados no início deste artigo.

Mas também erraria quem pretendesse aplicar este conceito indiscriminadamente a todas as sequencias pai-filho que aparecem nas estatísticas e considerasse as 46 presenças de Bayardo devidas principalmente à existência de Gainsborough, que tem 44. Na realidade, Bayardo tem uma importância fundamental nos pedigrees, até mesmo prescindindo do notável desempenho de Gainsborough como reprodutor. Entretanto, encontramos pouco mais adiante um caso, semelhante ao de Phalaris-Polymelus, com Teddy-Ajax. A importância assumida por Teddy é tal que o nome de Ajax se tornou secundário, embora tenha dada classe a mais de um pedigree isento do sangue de Teddy; é suficiente pensar em Havresac II, cuja mãe, Hors Concours, é justamente uma filha de Ajax. Mas vejamos um caso ainda mais patente: Blandford conta com 34 presenças, enquanto seu filho Blenheim conta apenas com 12 e Charles O'Malley, avó materno de Blenheim, com 11. Temos aqui uma situação na qual é fácil perceber que Blandford fez sentir sua influência através de uma pluralidade de descendentes dos quais Blenheim só representa um entre muitos, embora seja o mais importante. Mas, por sua vez Charles O'Malley, garanhão totalmente obscuro e que nem mesmo seria lembrado hoje não fosse a reprodutora Malva, surge naestatística, evidentemente, só porque existe Blenheim surge, enfim, em função de Blenheim. Mas é evidente que em qualquer escolha critica de garanhões o nome de Charles O'Malley jamais poderia ser tomado em consideração porque, sejam quais forem suas virtudes, vem a ser automaticamente representado quando é escolhido o nome de Blenheim, e Blenheim é um nome que nunca pode estar ausente de uma lista de Garanhões Chefes-de-Raça.

Vemos assim emergir dessa contagem duas tendências opostas e distintas: uma é aquela em que as presenças diminuem de pai para filho, ou seja, Swynford 47,  Blandford 34, Blenheim 12. Neste caso, temos uma sequencia que deve ser considerada em conjunto, porquanto cada um de seus componentes demonstra não ter' transmitido suas qualidades a um só filho, mas a uma pluralidade de descendentes.

Portanto, um criador que raciocine em termos práticos deverá não só pesquisar o sangue de Blenheim mas também o de Blandford e até mesmo o de Swynford, quando se apresentar, por outra via que não seja Blandford. O caso oposto é o de Cyllene 16, Polymelus 49, Phalaris 65, em que é evidente que cada pai se manifesta em termos concretos através de um só filho. Portanto o criador que pesquisa Phalaris não precisará pesquisar separadamente Polymelus e Cyllene.


(continua)