sábado, 1 de julho de 2023

Franco Varola - Análise de tendências - 1ª parte



Franco Varola, Marchesi Incisa Della Rocchetta e Tesio.


É fundamental revisitar os grandes estudiosos da raça PSI e procurar compreender seus ensinamentos. Portanto, nada melhor, que ler os textos do Dr. Franco Varola, do Lt-Coronel Jean-Joseph Vuillier, Sir Charles Leicester e de Ken McLean, reconhecidos mestres da raça. 

Mas, para tal, somos obrigados ao estudarmos seus trabalhos à aprofundarmos nossa cultura turfística. E daí, adquirirmos conhecimento para termos capacidade em traçar os paralelos (nem mesmo que sejam em antítese), necessários para adequarmos os exemplos de como gravitava aquele turfe e seus notáveis cavalos, com os grandes cavalos modernos e o turfe de nossos tempos.


Agradecemos a generosidade de Melania Varola, filha do Dr. Franco Varola, que permitiu, a publicação do artigo hora em tela.

O presente trabalho intitulado "Analysis of Trends", foi originalmente  apresentado em italiano no jornal "Lo Sportsman", de Milão.


Garanhões Chefes de Raça

Franco Varola


As cartas e os comentários recebidos após a publicação de meu livro "Garanhões Chefes de Raça de 1900 até hoje", levam-me a fazê-lo objeto de uma análise, porquanto na verdade este argumento, ou seja, a escolha dos garanhões que constituem os pontos seguros do desenvolvimento da raça, voltou à atualidade nos últimos anos, na medida em que se vai distanciando no tempo a última série enunciada por Vuillier.

O argumento não está absolutamente esgotado, ao contrário, o que publiquei em meu livro "Garanhões Chefes de Raça de 1900 até hoje" foi apenas uma primeira experiência de sistematização de uma matéria que está plenamente em discussão e, por assim dizer, em contínua transformação. Nos dois estudos publicados em "The British Racehorse", um em outubro de 1959 e outro em outubro de 1961, isto é, ambos depois da publicação do livro, além do que foi dito posteriormente em diversos países através de seminários e artigos publicados, procurei indicar os diferentes métodos que podem ser usados para que se possa chegar a uma definição do problema. Em consequência, recebi sugestões verbais  e escritas de estudiosos e apreciadores de muitos países e a questão ampliou-se rapidamente. 

Em outras palavras, encontro-me na posição de "aprendiz de feiticeiro", prisioneiro dos mesmos fantasmas que evocara. O sr. Julio Foile Larreta, conhecido estudioso, observa que qualquer classificação de reprodutores que inclua Congreve deveria também incluir Old Man, um grande nome naquela parte do mundo.

Old Man foi um alazão, nascido em 1907, na Argentina, por Orbit e Moissonnenuse, por Dollar, que venceu a Tríplice Coroa e só foi derrotado uma única vez. Como reprodutor, foi pai do vigoroso Botafogo, também vencido só uma única vez, e de outros vencedores do Derby argentino; sua linha masculina sobrevive por meio de Enero, Stayer, Latero, Luzeiro e Imaginado, todos importantes elementos na bacia do Rio de La Plata. Botafogo não teve grandes oportunidades na reprodução, pois morreu após curta campanha; mas Old Man talvez tenha sido mais importante como pai de éguas reprodutoras, encabeçando por nove vezes como tal as estatísticas argentinas. Tornou-se, portanto, um importante nome nos pedigrees, embora seja raramente encontrado em linha masculina direta. Mas por mais que Old Man se possa ter salientado, não creio que seja comparável a Congreve, nome de valor já universal, celebrizado por uma pluralidade de machos e fêmeas tanto na América do Norte como na do Sul, e cuja linhagem se encontra hoje na Europa representada pelo filho de Orsenigo, Escorial, cuja avó, Coralina. nasceu, tal como Congreve, de Copyright e de uma filha de Perrier.

Minha escolha de cinquenta garanhões chefes de raça não foi baseada na importância de cada animal em uma região determinada, mas segundo a influência que hajam exercido em um amplo sentido.

Uma questão interessante foi levantada por um leitor milanês, o Dr. Pitscheider sobre Vattelor e Vatout. Sustenta ele que o primeiro deveria ocupar o lugar que destinei ao segundo. Esse dilema surge frequentemente em escolhas desse tipo e outros exemplos são Bayardo ou Bay Ronald, Bull Dog ou Bull Lea, Fair Play ou Man O' War, Black Toney ou Bimelech, e assim por diante. No caso de Vatellor, pode-se dizer que demonstrou uma longevidade e uma fibra excepcionais, que aliás são típicas da linhagem de Galopin, como St. Simon, Chaucer, Rabelais. Biribi e outros. Além disso, Vatellor produziu um impressionante número de corredores, como Vattel, My Love, Vamos, Faubourg II, Pearl Driver, Val Drake. Kerlor e as éguas Nikellora e Pointe à Pitre. Suas filhas produziram Royal Drake e Phil Drake, mas seus filhos até agora foram um malogro completo como garanhões, e para ser um chefe de raça não basta produzir corredores, mas é preciso que estes reproduzam com igual e excelente qualidade. Entretanto, Vatout , além de ser o pai de Vatellor. produziu Antonym, Bois Roussel e Atout Maitre, três reprodutores influentes em diversas partes do mundo e, consequentemente, tal fato por si só seria tão importante ponto de referência genealógico capaz de justificar minha escolha, mesmo se Vatellor jamais tivesse existido.

O sr. Ricardo Alvino, da Califórnia, enviou observações interessantes sobre a estirpe do cavalo norte-americano Equipoise, que considera um dos pilares qualitativos da criação de cavalos nos Estados Unidos. Isso é, sem dúvida, verdade para quem não considerar as aparências da moda e das grandes corridas com prêmios extravagantes em distâncias curtas, que lamentavelmente atribulam o turfe dos Estados Unidos. Não obstante os programas infelizes, a criação norte-americana possui reservas preciosas de sangue nobre e talvez um dia possa disso tirar vantagem. Mas, limitando os fatos, Equipoise é um nome rigorosamente norte-americano, sem características imediatas, nem mesmo se considerada a meia dúzia de garanhões seus descendentes, que dos Estados Unidos foram atuar na Europa, para poder entrar na lista. Lembro aqui que o tão discutido Carry Back, vencedor do "Kentucky Derby" e do "Preakness", é um filho de Saggy, por Swing and Sway, por Equipoise. Em cada país ou zona criadora, existem animais de grande importância que, por uma razão ou por outra, não conseguem difundir amplamente seus nomes e, portanto, ficam sendo um fenômeno de caráter meramente local.

Um exemplo típico foi o belga Fremonto, que me lembro ter visitado há alguns anos em um haras nas proximidades de Bruxelas, atraído justamente pela predominância que ele exercia nos limites precisos de seu país natal. Era um magnífico exemplar alazão, de formas plasticamente nobres, e quase poderia passar por um descendente de Ortello ou de Hurry On. Entretanto, era o expoente de um ramo de Isonomy, que só criou fama na Bélgica. Um caso quase semelhante é o de Signorino na Itália. Se a criação italiana estivesse naquela época nos níveis que hoje ocupa, talvez o nome de Signorino tivesse adquirido importância mundial.

Em um outro estudo publicado em "The British Racehorse", ocupei-me amplamente de Full Sail, irmão de Blue Peter, exportado para a Argentina, onde conquistou as máximas posições clássicas através de Seductor e uma série de magnificas filhas. Ezequiel Fernandez Guerrico, que entre outras coisas importou Magabit e é o seu mais incansável defensor, com ele discuti com frequência os méritos comparados do citado animal e de Congreve, embora os dois tenham atuado em épocas diferentes. Existe uma forte corrente contrária à eleição de Congreve para o Olimpo dos grandes garanhões e é singular que o epicentro deste movimento se encontre justamente na Argentina. Acontece que Congreve nunca foi considerado completamente "fashionable" em certos círculos argentinos, talvez devido a uma certa rusticidade de aspecto, que também neste ponto o torna um caso estranhamente análogo ao de Havresac II na Itália. Cheguei a ouvir pessoas competentes descrevendo Copyright, pai de Congreve, como um "charuto com quatro patas". Mas tanto Congreve como Havresac II tornam-se indispensáveis em qualquer estudo sobre garanhões em escala mundial, devido à sua extraordinária vitalidade.

Diversos amigos franceses fizeram-me uma mesma e séria observação sobre Djebel que, segundo sustentam, deveria ocupar o lugar destinado a Admiral Drake. Este, na verdade, bem pouco fez nos últimos anos para justificar a posição que lhe é atribuida e, em todo caso, a influência exercida por esta linhagem é suficientemente expressa por Sunstar. Entretanto, Djebel produziu um grande número de vencedores de alta classe e seus descendentes têm obtido êxito em quase todos os países. Por outra lado, muitos filhos de Djebel desiludiram como garanhões e até agora o mais positivo parece ser Djefou, pai de Rapace e de Puissant Chef. Convêm observar que Tracery consta da seção feminina do pedigree de Djefou. Muitos descendentes de Djebel, além disso, mostraram falhas e foram criticados pela fragilidade dos seus membros. Parece que My Babu caminha para a celebridade nos Estados Unidos onde, entre todos os "Tourbillon", emergiu favoravelmente Ambiorix, mas resta saber que valor se poderá dar a produtos que vencem apenas as corridas muito curtas. Todavia, é possível que as respectivas posições de Djebel (como ''outsider") e de Admiral Drake (como "insider") precisem ser revistas dentro de pouco tempo.

As tendências em definir os melhores garanhões de um determinado período é irresistível naqueles que se dedicam ao estudo do puro-sangue. Vuillier dedicou a isso grande parte de sua vida, conseguindo elaborar as teorias das dosagens e dos "descartes", ainda hoje seguidas por muitos criadores, entre os quais basta citar o Aga Khan. Mas, em minha opinião, a parte ainda mais viva da obra de Vuillier é aquela destinada a identificar os animais mais influentes do século XIX, cujos nomes se encontram em quase todos os pedigrees dos cavalos contemporâneos. Pode parecer um trabalho óbvio, porém é inteiramente original. Nosso conceito de linha masculina é, muitas vezes, sentimental, e estamos bem cientes disso, mas permanecemos afeiçoados a ele por ser algo que nos satisfaz intimamente. É certo, entretanto, que existiram, e continuam a existir, certos animais de tal forma poderosos que sua influência é exercida pela raça inteira, não só em linha direta masculina, mas também, e deveria dizer sobretudo, nas divisões mais remotas dos pedigrees clássicos  contemporâneos. 

St. Simon, por exemplo, é o fator singular mais poderoso que jamais existiu no desenvolvimento da raça puro-sangue. Jamais houve um garanhão como ele e talvez não venha existir outro. Mas sua posição é devida apenas parcialmente aos ramos reprodutores que lhe estão ligados diretamente. Através de Persimmon, temos Prince Bio, Sicambre e Prince Chevalier; através de Rabelais, temos Wild Risk, Worden, Havresac II e Ribot; através de Chaucer, temos Vatellor, Antonym, Bois Roussel, e assim por diante. Mas estes são St. Simon em um sentido, diria eu, legal. Um ou outro entre eles poderia ser um animal totalmente diferente em conformação, temperamento, aspecto e comportamento, mas, todavia, continuar a ser considerado um genuíno descendente de St. Simon e, em senso estritamente formal, o é efetivamente.



 St. Simon


Examinando porém a influência de St. Simon sobre alguns dos mais importantes cavalos que não se ligam a ele em linha direta, descobrimos que Pharos e Fairway eram sobre ele "inbreed". E o mesmo acontece com o grande garanhão sul-americano Congreve.

E isso se deu com os dois maiores garanhões de nossa época, Hyperion e Nearco, também com La Farina, Oleander e King Salmon, enquanto Tracery era "inbred" sobre Galopin e St. Angela, que foram justamente os pais de St. Simon.

O pai de Count Fleet, Reigh Count era "inbred" sobre St. Frusquin, um filho de St. Simon. Os poucos e notáveis exemplos citados são de garanhões que, durante muitos anos, ocuparam posições predominantes na Inglaterra, França, Alemanha, Estados Unidos e na América do Sul.

Embora nenhum deles se ligue em linha direta a St. Simon, muitos continuam a difundir as características básicas do tipo "st. simoniano". Por exemplo, Nearco era um "St. Simon" quase perfeito, fato não surpreendente na opinião dos estudiosos, porquanto seu pai Pharos, era justamente "inbred" sobre St. Simon, sendo sua mãe Nogara, uma filha de Havresac II, que por sua vez era "inbred" apertado sobre St. Simon... Alguns quiseram até mesmo ver em Nearco persistência parcial dos jarretes de Rabelais.

E a influência de Havresac II sobre Nearco era sensível não só no tipo, mas também no comportamento em corrida. Ambos eram cavalos brilhantes, que podiam correr grandes distâncias, permanecendo, porém meio-fundistas. Mas, ainda que quiséssemos argumentar que Nearco era um expoente mais típico de seu pai Pharos do que de seu avó materno Havresac II, resta o fato de que o próprio Pharos era "inbred" sobre St. Simon e que era, em todo caso, mais ligado por afinidades à família de St. Simon do que à de Bend Or, à qual também pertencia oficialmente.

Com efeito, poucos exemplos de divergência tipológica são mais impressionantes do que o de Bend'Or-Pharos ou, se quisermos, Bend'Or-Nearco ou ainda The Tetrarch-King Salmon, Ormonde-Ortello. Swynford-Crepello, e assim por diante. E para concluir, se observarmos qual foi a influência sobre a raça, em escala mundial, somente de Pharos, Full Sail, Hyperion, Nearco e Congreve emerge pela centésima vez a verificação de que St. Simon é ainda o maior fator no desenvolvimento da raça, já agora transcorridos oitenta anos de seu nascimento.

Essas reflexões servem principalmente para justificar o interesse na escolha dos chefes de raça feita por Vuillier, que a ela chegou através do cálculo estatístico. Na escolha que eu fiz, ao contrário, foi seguido um principio estritamente crítico, não por desprezo pela estatística em si, mas porque a necessidade de considerar o grande desenvolvimento geográfico da raça forçou-me a escolher em um panorama geral, como um geógrafo que fixa, em uma imensa extensão de território, os níveis das montanhas, começando pelos picos mais altos. Sou o primeiro a perceber as lacunas desse sistema. Entre o mais jovem dos garanhões do terceiro grupo de Vuillier (St. Simon, 1811) e o mais velho dos garanhões de minha série principal (Son-in-Law, 1911), existem trinta anos, mas isto em si não seria um defeito, pois entre um grupo e outro devem passar justamente trinta anos pelo menos. O inconveniente é mais o fato de que durante esses trinta anos surgiram garanhões do calibre de Cyllene, Polymelus, Isinglass, Ormonde, FIying Fox, Ajax e Marco, que não são mencionados em minha classificação. Mas seria um desastre se, em um dado momento, não se pusesse um ponto final em um trabalho deste gênero.

Além disso, Hermit, que figurou no terceiro grupo de Vuillier, não é mais tão importante hoje como então e se, por pura hipótese, esse terceiro grupo devesse ser formado hoje segundo o nosso ponto de vista, o lugar de Hermit provavelmente seria ocupado por Barcaldine ou Marco. uma linha que só foi citada por Vuillier em seu primeiro grupo (Melbourne), mas ficou ausente do segundo e do terceiro grupos. 

Esta, entre parênteses, é a opinião firme de um outro de meus correspondentes, o conhecido criador argentino José Alfredo Martinez de Hoz, que me pediu que a citasse. E ainda, por puro espírito de discussão acadêmica, podemos observar que mesmo Bend'Or, Hampton, Isonomy, Galopin e St. Simon, que são os outros cinco nominativos do terceiro grupo de Vuillier, ramificaram-se nos tipos mais diversos. O verdadeiro tipo Bend'Or talvez só se possa encontrar hoje nos descendentes de Panorama, enquanto o tipo Hampton conservou-se bastante bem através de Solario. E quanto a Isonomy, esta é uma linhagem que sempre manteve o mais alto grau de diferenciação do restante da raça. Seu expoente moderno, Blandford, era um tipo em si, e os contemporâneos, entre os quais Alycidon, Alcide, Persian Gulf, Parthia e Crepello, são todos animais diferentes do todo e reconhecíveis imediatamente a primeira vista em um hipotético grupo de cavalos apresentados ao acaso.

Declarei que minha escolha foi feita alheia às estatísticas. Mas nada impede que possa ser sujeita à prova estatística. Nesse caso, a única dificuldade consiste em estabelecer a unidade de medida. A estatística em si é a coisa mais simples que existe; basta contar e anotar as cifras em uma folha de papel. Mas o difícil consiste em adotar uma unidade de medida que resista a um raciocínio lógico. 

Os norte-americanos são, como é sabido, os mais formidáveis compiladores de estatísticas que o mundo já conheceu. Para permanecer em nosso campo hípico, chegaram a estabelecer até mesmo em porcentagens de dois décimos o êxito ou a probabilidade de êxito deste ou daquele corredor ou garanhão.

Mas suas unidades de medida baseiam-se no que eles entendem como bom e como mau. Os estudos de Taber, por exemplo, baseiam-se no conceito de cavalo veloz, e cavalo lento ou não veloz. Mas o seu cavalo veloz é simplesmente aquele que ganhou uma certa quantia monetária e, fato ainda mais inquietante, o seu cavalo não veloz é aquele que não ganhou uma certa quantia de dinheiro. Se aplicássemos este conceito na Itália, quase todas as vencedoras das "Oaks" da Itália entrariam na categoria das éguas não velozes, porquanto o prêmio financeiro dessa corrida é, infelizmente, inadequado à sua importância.

Da mesma forma, Blandford, que venceu três corridas apenas discretas, seria um dos cavalos menos velozes segundo estatísticas desse tipo. Para quem teve, a sorte ou o azar, de receber uma iniciação filosófica, esses critérios podem ser difíceis de aceitar. 

Ransom Myers, o estudioso neozelandês, que no ano passado apresentei aos leitores da revista Derby, publicou agora urna série de objeções graves ao método de Taber e quem se interessa por essas coisas poderá encontrar na imprensa estrangeira os artigos a elas referentes.

Portanto, sustento minha opinião de que, nesta matéria, a estatística jamais poderá substituir completamente a análise crítica. Não só isso, mas o grande perigo da estatística é o que corre aquele que se confia nela, perdendo assim o próprio senso crítico. Essa é a pior coisa que pode acontecer a um estudioso. Isso não impede que possamos utilmente analisar estatísticas feitas com os mais variados critérios.


(continua)